13 outubro 2025

A Santificação do Dia do Senhor

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XXI. Do Culto Religioso e Do Domingo 

Seção VIII. Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado o coração e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o dia, um santo descanso das suas obras, suas palavras e seus pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidade e de misericórdia.



A santificação do dia de descanso semanal é um pilar fundamental da nossa fé, um mandamento positivo, moral e eterno que vale para todas as pessoas, em todas as épocas. Este mandamento, originalmente estabelecido na criação para toda a humanidade e posteriormente inserido no Decálogo (Êxodo 20:8), exige do crente a dedicação integral de um dia em sete ao serviço e à adoração a Deus. Na Nova Aliança, embora o princípio moral permaneça, o dia de observância foi transferido do sétimo para o primeiro dia da semana — o Domingo ou Dia do Senhor — em comemoração à gloriosa ressurreição de Cristo.

A essência da guarda deste dia reside em um duplo movimento: o santo descanso, que é a cessação de atividades mundanas (são aquelas atividades que fazemos nos demais dias da semana que geralmente chamamos de “seculares”), e a ocupação diligente em exercícios de culto e misericórdia. Para que este dia seja devidamente honrado, é indispensável que o coração seja preparado e os afazeres cotidianos sejam ordenados de antemão, garantindo que o tempo seja, de fato, santificado ao Senhor.

A correta observância do Dia do Senhor se desdobra em duas partes essenciais, conforme descrito nas Escrituras: a abstenção de atividades seculares e a consagração do tempo à piedade.

1) O Princípio do Santo Descanso

O Dia do Senhor exige um santo descanso de todas as ocupações profanas. Este descanso é, primeiramente, uma interrupção do trabalho ordinário, pois Deus concedeu seis dias para o labor humano, mas reivindicou o sétimo dia como Sua propriedade especial (Êxodo 31:17).

Esse descanso deve ser completo, não se limitando ao trabalho físico, mas alcançando também nossas palavras e pensamentos sobre as atividades do dia a dia e nossos momentos de lazer (Isaías 58:13). É necessário ordenar os negócios ordinários de antemão para evitar que a negligência na preparação desvie a mente da meditação sacra (Êxodo 16:23). O profeta Isaías exorta o povo a abster-se de seguir os próprios caminhos, fazer a própria vontade ou falar palavras vãs, a fim de não profanar o dia sagrado (Isaías 58:13). A proibição se estende até mesmo ao comércio e ao transporte de cargas, como exemplificado pela prática de Neemias (Neemias 13:15-22).

Além disso, esse descanso não é sinônimo de ociosidade. Pelo contrário, significa abrir mão de recreações e passatempos que, embora permitidos nos outros dias, tomariam o lugar da dedicação às coisas de Deus no Dia do Senhor.

2) A Consagração ao Culto e aos Deveres Piedosos

O tempo que ganhamos ao parar o trabalho secular deve ser totalmente dedicado a momentos de culto, tanto em público quanto em particular. Este é o propósito mais elevado da observância, transformando o dia em um "deleite" espiritual (Isaías 58:13). O Dia do Senhor, frequentemente chamado de "o dia da feira da alma" pelos puritanos, é o momento especial para realizar "transações" espirituais com Deus.

O culto público é a obra prioritária, envolvendo a reunião solene do povo de Deus para a adoração coletiva, a leitura e a pregação da Palavra, o canto de Salmos e a administração dos sacramentos (Atos 20:7; Lucas 4:16). O culto particular e em família complementa a adoração, com tempo dedicado à oração, à leitura bíblica, à meditação e à catequese, especialmente para instruir os filhos e a casa no temor do Senhor (Deuteronômio 6:6-7).

A observância desse dia não é um fardo, mas um privilégio que nutre a alma. Como afirma Joseph Pipa, no seu livro “O Dia do Senhor”: “O Shabbath e sua observância é de fato como um parque — não só para ser protegido, mas também para ser usado e apreciado com prazer, de acordo com o propósito de Deus”.

3) As Exceções: Necessidade e Misericórdia

A rigidez do descanso é amenizada pela necessidade de fazermos obras essenciais à vida e aos atos de caridade. O próprio Jesus Cristo, o Senhor do Sábado (Mateus 12:8), demonstrou que é lícito fazer o bem neste dia, refutando as tradições legalistas dos fariseus.

As obras de necessidade incluem aquelas atividades que não podem ser evitadas ou adiadas, como a preparação de refeições ou o descanso físico moderado, que revigora o corpo para cumprir os deveres espirituais do dia. O serviço dos sacerdotes no templo, que cumpriam seus deveres religiosos mesmo no sábado, é citado por Jesus como exemplo de que o trabalho necessário para a adoração é lícito (Mateus 12:5). John Owen, no seu livro “Como observar o Dia do Senhor”, esclarece que: “os cochilos não são uma parte religiosa do Dia do Senhor, exceto quando nos ajudam a cumprir os seus deveres. [...] Todas as dores e trabalhos no Dia do Senhor são lícitos se nos ajudarem a guardá-lo como devemos”.

As obras de misericórdia são atos de caridade e auxílio ao próximo, como visitar os enfermos ou socorrer os necessitados, que devem ser praticadas de bom grado (Mateus 12:12). Jesus enfatizou a primazia da compaixão sobre a observância ritualista ao citar a Escritura: "Misericórdia quero e não holocaustos" (Mateus 12:7; Oséias 6:6).

Confirmamos a natureza eterna dessa lei moral ao perceber que ela não está ligada às cerimônias judaicas que apontavam para Cristo. Lewis Bayly, em sua obra “A prática da piedade”, argumenta que: “A cessação das cerimônias anexadas ao primeiro, ao quinto e ao sexto mandamentos, e ao casamento, não aboliu nem aqueles mandamentos nem o casamento, nem fez com que deixassem de ser normas perpétuas para o culto de Deus e para a conduta reta do homem. Assim também a ab-rogação das cerimônias anexadas ao Sabbath não anula o caráter moral do mandamento do Sabbath”.

Quanto à mudança do dia, do sábado para o domingo, o costume universal da Igreja desde os tempos apostólicos atesta a sua legitimidade. Jonathan Edwards, quando escreveu a obra “A Mudança e a Perpetuidade do Sabbath”, observa que: “A universalidade do costume em todos os países Cristãos, em todos os tempos, em todos os relatos que temos, é um bom argumento de que a Igreja o recebeu dos apóstolos; e é difícil conceber como todos viriam a concordar no estabelecimento de tal costume por todo mundo, nos diferentes partidos e opiniões, e nem temos nenhum relato [de que isto tenha acontecido]”.

Conclusão

Santificar o Dia do Senhor é um dever moral que não podemos abrir mão, e isso se mostra quando paramos conscientemente de lado nossos interesses terrenos e nos dedicamos com zelo ao serviço de Deus. A exigência de um santo descanso de obras, palavras e pensamentos seculares, aliada à ocupação integral em exercícios públicos e particulares de culto, e na realização de obras de necessidade e misericórdia, define a prática da piedade neste dia.

Ao guardar este dia, o crente encontra a promessa de deleite no Senhor e de grandes bênçãos espirituais (Isaías 58:14). Este descanso é um prenúncio do repouso eterno que aguarda o povo de Deus em Cristo, Aquele que é o Senhor do Sábado (Mateus 12:8) e que nos convida a entrar em Seu descanso (Hebreus 4:9). A obediência a este mandamento, longe de ser um fardo, é um privilégio concedido para o nosso crescimento na graça e para a glória de Deus.


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