23 setembro 2025

A Natureza, o Alcance e as Formas do Culto Religioso Sob o Novo Testamento

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XXI. Do Culto Religioso e Do Domingo 

Seção VI. Agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outro ato do culto religioso é restrito a um certo lugar, nem se torna mais aceitável por causa do lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija; mas Deus deve ser adorado em todo lugar, em espírito e em verdade, tanto em família, diariamente, e em secreto, estando cada um sozinho, como também, mais solenemente, em assembleias públicas, que não devem ser descuidadas, nem voluntariamente negligenciadas ou desprezadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião. 


A Confissão de Fé de Westminster, em seu capítulo sobre o culto religioso, expõe a natureza e os elementos da adoração a Deus sob a dispensação do Evangelho. Este parágrafo específico da CFW é de suma importância, pois marca uma distinção crucial entre o culto do Antigo e do Novo Testamento, ao mesmo tempo em que estabelece a universalidade e a diversidade dos tipos de adoração. Ele enfatiza que o culto a Deus não é mais restrito a um lugar físico, mas deve ser oferecido em "espírito e em verdade", abrangendo esferas privadas e públicas da vida do crente.

1) A Abolição da Restrição Local para o Culto no Novo Testamento

O parágrafo inicia com a afirmação de que "agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outro ato do culto religioso é restrito a um certo lugar, nem se torna mais aceitável por causa do lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija” (João 4:21). Esta declaração reflete a transição fundamental na forma de adoração de Deus após a vinda de Cristo.

Sob a Antiga Aliança, Deus havia estabelecido locais específicos para o culto, como o Tabernáculo e, posteriormente, o Templo em Jerusalém. A própria oração de Salomão na dedicação do templo mostrava a direção para o templo como um símbolo de fé. No entanto, Jesus Cristo, em sua conversa com a mulher samaritana em João 4:21, invalida essa limitação geográfica, declarando: "Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte [Gerizim], nem em Jerusalém adorareis o Pai". Esta passagem é crucial, pois mostra que a verdadeira adoração não está vinculada a um lugar físico específico, como era no período mosaico.

A espiritualidade de Deus implica que Ele não está limitado por um local geográfico ou espacial. Paulo reitera essa verdade em Atos 17:24, afirmando que "O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens". Portanto, no Novo Testamento, a igreja de Cristo não está restrita peculiarmente a nenhum lugar, mas pode em toda parte cultuar a Deus.

2) A Essência do Culto: Em Espírito e em Verdade

A Confissão prossegue enfatizando que "Deus deve ser adorado em todo lugar, em espírito e em verdade” (João 4:23-24).

A. Adoração Universal (Malaquias 1:11; 1 Timóteo 2:8)

A profecia de Malaquias 1:11 já antecipava a expansão da adoração a Deus para além das fronteiras de Israel: "Porque desde o nascente do sol até ao poente, grande é o meu nome entre os gentios; e em todo lugar se oferecerá ao meu nome incenso, e uma oblação pura". Isso aponta para uma adoração universal que se cumpriria plenamente no Evangelho, onde o nome de Deus seria glorificado entre todas as nações.

Da mesma forma, 1 Timóteo 2:8, onde Paulo exorta "quero, pois, que os homens orem em todo o lugar, levantando mãos santas, sem ira nem contenda", reforça a ideia de que a oração e o culto não estão confinados a um templo ou local particular. A espiritualidade de Deus significa que Ele pode ser acessado e adorado em qualquer lugar.

B. Adoração em Espírito e em Verdade (João 4:23-24)

A instrução de Jesus em João 4:23-24 é a pedra angular para a compreensão da natureza do culto cristão: "Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade".
  • Em Espírito: Significa que a adoração envolve a nossa condição espiritual interior, a parte intangível da nossa existência, e não se limita a rituais externos ou a um local físico. O culto "em espírito" é uma resposta pessoal e sincera de fé à Palavra de Deus, dada pelo Espírito. É o mover do Espírito Santo que capacita e motiva a oração e o louvor do povo de Deus.
  • Em Verdade: Refere-se à verdade que Cristo trouxe — o evangelho da salvação por meio de seu sangue e da graça. Não se trata de uma verdade genérica, mas da verdade centrada em Cristo, à qual o Espírito Santo dá testemunho. O culto em verdade se opõe às figuras legais e à hipocrisia das ações externas. Os cristãos são lembrados de que, ao louvar e orar às três Pessoas da Trindade, adoram o Deus único. "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo" (2 Co 13:13) devem inspirar nossa adoração, pois efetuam nossa salvação. Portanto, "Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto" (Mateus 4:10).

3) Diversidade das Formas de Culto: Familiar, Diário e Secreto

O parágrafo destaca que Deus deve ser adorado "tanto em família [Jeremias 10:25; Jó 1:5; 2 Samuel 6:18-20; Deuteronômio 6:6-7; 1 Pedro 3:7; Atos 10:2], diariamente [Mateus 6:11], e em secreto, estando cada um sozinho” (Mateus 6:6; Efésios 6:18).

A. Culto Familiar

O culto em família é uma ordenança divinamente designada. Deuteronômio 6:6-7 instrui os pais a ensinar diligentemente as palavras de Deus a seus filhos, falando delas em casa, no caminho, ao deitar e ao levantar. Isso estabelece um padrão de instrução contínua e devoção dentro do lar. Jó 1:5 ilustra a preocupação de um pai em santificar seus filhos, oferecendo sacrifícios em seu favor, o que demonstra a liderança espiritual do chefe da família. Davi, após adorar publicamente, retorna para "abençoar a sua casa", indicando a importância da devoção familiar (2 Samuel 6:18-20). O exemplo de Cornélio em Atos 10:2, um homem piedoso que temia a Deus com toda a sua casa e orava constantemente, enfatiza a relevância da fé e da prática religiosa no ambiente doméstico. Jeremias 10:25 serve como um contraste, mencionando "as famílias que não invocam o teu nome", sublinhando a necessidade do culto familiar. Além disso, 1 Pedro 3:7 exorta maridos e mulheres a viverem em harmonia para que suas orações não sejam impedidas, o que pressupõe uma vida de oração conjunta na família.

B. Culto Diário e Secreto

A Confissão também enfatiza a importância da adoração individual. Jesus ensina em Mateus 6:6 sobre a oração em secreto: "Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente". Esta prática é para a devoção pessoal, para que o adorador não busque a glória humana. A petição por "pão nosso de cada dia" em Mateus 6:11 na Oração do Senhor, sugere um modelo de oração diária. A exortação de Paulo em Efésios 6:18 a "orar em todo tempo com toda oração e súplica no Espírito" demonstra que a oração não é um evento ocasional, mas uma prática contínua na vida do crente. O hábito sagrado da oração diária é essencial, e os crentes devem pedir ao Pai o Espírito Santo diariamente, como os filhos pedem pão aos pais (Lucas 11:11-13).

4) A Inescusabilidade do Culto Público

Finalmente, o parágrafo conclui afirmando que Deus deve ser adorado "mais solenemente, em assembleias públicas, que não devem ser descuidadas, nem voluntariamente negligenciadas ou desprezadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião” (Isaías 56:7; Hebreus 10:25; Provérbios 1:20-21,24; Provérbios 8:34; Atos 13:42; Lucas 4:16; Atos 2:42).

As assembleias públicas de culto são um elemento vital da vida cristã e da igreja. Isaías 56:7, ao referir-se ao templo como "casa de oração para todos os povos", ressalta a importância da reunião comunitária para a adoração. Hebreus 10:25 exorta explicitamente os crentes a "não deixarmos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações, e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima". Esta passagem sublinha o dever e o benefício mútuo da participação regular nas reuniões da igreja.

Provérbios 1:20-21,24 e Provérbios 8:34 retratam a Sabedoria clamando publicamente, convidando os homens a buscá-la diligentemente, o que pode ser metaforicamente aplicado à proclamação da Palavra de Deus em assembleias públicas. Aquele que ouve a Sabedoria diariamente é abençoado (Provérbios 8:34).

A prática do Novo Testamento confirma essa doutrina. Jesus, por exemplo, ia à sinagoga no sábado, "segundo o seu costume" (Lucas 4:16). Em Atos 13:42, os gentios pediram que a Palavra lhes fosse pregada novamente no sábado seguinte, demonstrando o valor da pregação pública. O modelo da igreja primitiva em Atos 2:42 é exemplar: "E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações". Esses são os elementos essenciais do culto público cristão.

Embora as "circunstâncias" do culto, como a hora e o lugar, sejam deixadas à prudência cristã e à luz da natureza, as "coisas essenciais" ou "elementos" do culto são regulados por mandamento divino. A CFW advoga o "princípio regulador do culto", que ensina que devemos fazer na adoração apenas o que Deus prescreveu na Bíblia, e não o que não proibiu. A observância do Dia do Senhor, ou domingo, como o primeiro dia da semana, é uma instituição divina e perpétua, dedicada ao descanso e à adoração.

Conclusão

Em síntese, o parágrafo em questão da Confissão de Fé de Westminster articula uma teologia do culto que é ao mesmo tempo libertadora e exigente. Liberta os crentes das restrições geográficas do Antigo Testamento, permitindo que adorem a Deus em qualquer lugar. Contudo, exige uma adoração autêntica, "em espírito e em verdade", que brota de um coração sincero e compreende a verdade revelada em Cristo. Esta adoração se manifesta em múltiplas esferas: no lar, na devoção diária e secreta do indivíduo, e, de forma solene e inescusável, nas assembleias públicas da igreja. A negligência de qualquer uma dessas modalidades enfraquece a vida espiritual do crente e desonra a Deus, que busca tais adoradores.

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