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22 agosto 2024

A Circuncisão e o Batismo: Uma Relação Pactual

A relação entre a circuncisão, rito prescrito no Antigo Testamento, e o batismo, sacramento instituído no Novo Testamento, tem sido objeto de extensos debates teológicos ao longo da história da Igreja. Uma análise cuidadosa das Escrituras, à luz da continuidade da aliança de Deus com seu povo, revela a profunda conexão entre esses dois sinais, ambos apontando para a inclusão na comunidade da fé e para a realidade espiritual da regeneração

A Circuncisão como Sinal da Aliança Abraâmica 

A circuncisão foi instituída por Deus como sinal da aliança estabelecida com Abraão e sua descendência (Gênesis 17:9-14). Esse rito visível selava a promessa de Deus de ser o Deus de Abraão e de seus descendentes, outorgando-lhes as bênçãos da aliança, como a terra prometida e a filiação divina. A circuncisão, realizada no oitavo dia de vida do menino, marcava a entrada na comunidade da aliança, conferindo-lhe os privilégios e responsabilidades inerentes a essa relação especial com Deus. Em Romanos 4:9-12 Paulo discute a circuncisão como "selo da justiça da fé" que Abraão já possuía antes de ser circuncidado, demonstrando que a fé era o elemento essencial desta aliança. 

É crucial observar que a circuncisão, embora realizada em crianças, não era um ato mágico que conferia automaticamente a salvação. A circuncisão simbolizava a necessidade de purificação interior e apontava para a promessa de um descendente de Abraão que traria salvação a todas as nações (Gálatas 3:16). 

O Batismo como Sinal da Nova Aliança 

Com a vinda de Jesus Cristo, a aliança de Deus com seu povo assume uma nova dimensão. A Nova Aliança, prometida pelos profetas (Jeremias 31:31-34), encontra seu cumprimento em Cristo, que, por meio de seu sacrifício expiatório, torna possível a plena comunhão com Deus. O batismo, instituído por Jesus (Mateus 28:19), torna-se o sinal distintivo desta Nova Aliança, substituindo a circuncisão como rito de iniciação na comunidade da fé (Colossenses 2:11,12). 

Assim como a circuncisão, o batismo não confere automaticamente a salvação, mas simboliza a purificação do pecado (Tito 3:5) e a entrada na comunidade da fé, com todas as suas promessas e responsabilidades. No entanto, o batismo na Nova Aliança não se limita a um povo específico por descendência física, mas se estende a todas as nações (Mateus 28:19), judeus e gentios que, pela fé em Cristo, são feitos filhos de Abraão e herdeiros das promessas (Gálatas 3:28,29). 

O Novo Testamento relata diversos casos de batismo de famílias inteiras, como a de Cornélio (Atos 10:48), Lídia (Atos 16:15) e o carcereiro de Filipos (Atos 16:33). Paulo relata em 1 Coríntios 1:16 que batizou toda a família de Estéfanas. Saber disso é importante pois é improvável que não houvesse crianças nessas famílias, o que indicaria a prática do batismo infantil. 

Essa linguagem “batismo de famílias inteiras” sugere que a estrutura familiar era significativa e que as famílias poderiam ter incluído mais do que apenas pais e filhos. É sabido que, na cultura judaica do Antigo Testamento, ter filhos era considerado uma bênção e uma parte importante da vida familiar. A infertilidade era vista como uma maldição. A circuncisão, realizada no oitavo dia de vida do menino (Gênesis 17:12), indicava que a presença de crianças era esperada e que elas eram integradas à comunidade da aliança desde muito cedo. 

A Posição da Igreja ao longo da História 

A prática do batismo infantil tem sido majoritária ao longo da história da Igreja. Desde os primeiros séculos, Pais da Igreja como Justino Mártir, Irineu e Orígenes atestam a prática como sendo de origem apostólica. 

Orígenes, por exemplo, afirmou: "A Igreja recebeu a tradição de batizar crianças dos apóstolos". Ele também faz a seguinte declaração no seu comentário sobre a Carta aos Romanos: “Era por esta razão que a Igreja tinha dos apóstolos a tradição (ou ordem) para administrar o batismo às criancinhas” (Wall, vol. I, p. 104,106). A menção ao batismo de famílias inteiras no livro de Atos (Atos 10:48; 16:15, 33), sem excluir explicitamente as crianças, também sustenta essa visão. 

Justino Mártir (100-165), um apologista cristão, é citado como alguém que "escrevendo cerca do ano 150, faz referências a pessoas de sessenta e setenta anos que tinham sido batizadas na infância." Essa referência sugere que Justino Mártir considerava o batismo infantil uma prática estabelecida na época. 

Irineu, bispo de Lyon, em sua obra "Cinco Livros contra as Heresias", teria escrito que Cristo "veio para salvar todas as pessoas por si mesmo; todas, digo eu, que por ele renascem para Deus (renascuntur in Deum); infantes, crianças, jovens e pessoas idosas". Essa citação sugere que Irineu via os infantes e crianças como parte daqueles que renascem em Cristo, o que pode ser interpretado como um indício de apoio ao batismo infantil. 

O Concílio de Cartago (252 d.C.) chegou a discutir qual a idade adequada para o batismo infantil, porém não questionou a prática em si, indicando que já era amplamente aceita. 

A prática do batismo infantil começou a ser desafiada de forma mais contundente somente a partir do século XVI, com a Reforma Protestante. O batismo infantil passou a ser contestado por grupos como os Anabatistas, que defendiam o batismo apenas de adultos como expressão de uma fé consciente. Essa divergência se mantém até os dias atuais, com vertentes protestantes como Batistas e Pentecostais rejeitando o batismo infantil, enquanto outras, como Presbiterianos, Luteranos e Anglicanos, o mantém como prática tradicional. 

É importante observar que a Confissão de Fé de Westminster, um dos documentos confessionais mais importantes do protestantismo reformado, defende a inclusão de "filhos de pais crentes" no batismo, reconhecendo-os como participantes da aliança (CFW, 28,iv). 

Conclusão 

A relação entre circuncisão e batismo é profunda e reveladora da continuidade do plano redentor de Deus. Ambos os ritos, embora distintos em sua forma, apontam para a mesma realidade: a inclusão na aliança de Deus e a necessidade de purificação do pecado. 

A prática do batismo infantil, embora contestada por alguns grupos cristãos, encontra forte respaldo nas Escrituras, na história da Igreja Primitiva e nos documentos confessionais de diversas denominações protestantes. A inclusão de crianças na comunidade da fé, por meio do batismo, reflete a graça abrangente de Deus, que se estende aos pequeninos e cumpre suas promessas de geração em geração. 


23 julho 2024

A Nova Aliança em Jesus Cristo

O estudo abaixo foi realizado na Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE, na Escola Bíblica Dominical. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo VII. O Pacto de Deus com o Homem 

Na seção VI do capítulo 7, temos o seguinte:
Seção VI. Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as ordenanças pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e a administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que poucas em número e administradas com maior simplicidade e menor glória externa, o pacto é manifestado com maior plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações, aos judeus bem como aos gentios. É chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos de graça diferentes em substância mas um e o mesmo sob várias dispensações.

A Confissão de Fé de Westminster, em sua seção VI do capítulo 7, afirma que há apenas um pacto de graça, embora tenha sido administrado de maneiras diferentes ao longo da história (Gálatas 3:14-16; Atos 15:11; Romanos 3:21-23,30; Hebreus 8). Esse único pacto se manifesta em duas grandes eras: a do Antigo Testamento e a do Novo Testamento. No Antigo Testamento, Deus estabeleceu seu pacto com o povo de Israel, utilizando tipos e sombras para prefigurar a redenção completa que viria por meio de Jesus Cristo. As ordenanças daquela época, como a circuncisão e a Páscoa, serviam como sinais e selos desse pacto, apontando para Cristo. O apóstolo Paulo, em Colossenses 2:17, afirma que essas ordenanças eram "sombra das coisas que haviam de vir", sendo Cristo a substância, a realidade que elas anunciavam.

Com a vinda de Jesus Cristo, a substância do pacto se manifesta em sua plenitude. Ele é o cumprimento de todas as promessas e profecias do Antigo Testamento (ver Colossenses 2:17 em comparação com Hebreus 8:5). Em Cristo, o pacto de amizade entre Deus e o homem é estabelecido de forma eterna e inquebrável. A Nova Aliança, portanto, não é um pacto totalmente novo, mas sim uma nova revelação do pacto eterno de Deus. É importante notar que a mudança de Moisés para Cristo como mediador não representa uma mudança na essência do pacto, pois Moisés já prefigurava Cristo em seu papel de mediador. Moisés, como um tipo de Cristo, prenunciava o papel de Cristo como mediador. Hebreus 3:5 se refere a Moisés como "testemunho das coisas que haviam de ser anunciadas" e Deuteronômio 18:15 profetiza um profeta "semelhante a mim [Moisés]", referindo-se a Cristo.

A Nova Aliança traz consigo mudanças significativas na administração do pacto, mas não em sua essência. A lei, antes escrita em tábuas de pedra, agora é escrita nos corações dos crentes pelo Espírito Santo (Hebreus 8:10). As ordenanças também são simplificadas: a pregação da Palavra, o batismo e a Ceia do Senhor se tornam os meios pelos quais o pacto é administrado (Mateus 28:19,20; 1 Coríntios 11:23-25). Essas novas ordenanças, embora mais simples em sua forma, são marcadas por maior plenitude, evidência e eficácia espiritual, ou seja, a simplicidade das novas ordenanças não significa uma perda de significado ou diminuição dela, mas sim um foco maior na realidade espiritual que elas representam (ver Hebreus 12:22-28; Jeremias 31:33,34). 

Ao lermos Hebreus 8:1,2,5-7,13 notamos que o autor chama a "antiga aliança" de "antiquado e envelhecido" e conclui que está prestes a desaparecer, justamente porque aquilo que a antiga aliança apontava, já era realidade, Jesus Cristo. Uma vez que Cristo veio para cumprir a lei, aquelas antigas práticas da antiga aliança deixaram de fazer sentido. A conclusão do autor da carta é óbvia: "Quando ele diz "nova aliança", torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer". E de fato, desapareceu, e não há mais nenhuma lógica de crer que um dia voltarão as antigas práticas de uma lei "envelhecida e antiquado"!

A Nova Aliança também abrange todas as nações, judeus e gentios, cumprindo a promessa de Deus a Abraão de que em sua semente todas as nações seriam abençoadas. Gálatas 3:7 afirma que "os da fé é que são filhos de Abraão", indicando que a aliança está disponível a todos que creem, independentemente da descendência étnica. A promessa a Abraão de que "em sua semente todas as nações seriam abençoadas" encontra seu cumprimento em Jesus Cristo, que quebra as barreiras entre judeus e gentios, tornando-se o único mediador entre Deus e a humanidade (ver Mateus 28:19; Efésios 2:15-19).

A unidade do pacto demonstra a continuidade do povo de Deus ao longo da história. O verdadeiro Israel sempre foi o povo espiritual de Deus, composto por aqueles que são unidos a Cristo pela fé, independentemente de sua descendência física. Os gentios crentes, portanto, são enxertados na promessa feita a Abraão e se tornam co-herdeiros com os judeus que creem. Romanos 4:11-16 e Gálatas 3:7 deixam claro que Abraão é pai de todos os que creem, judeus ou gentios.

A plena consumação do pacto se dará quando Deus estabelecer seu reino eterno, e o tabernáculo de Deus estará com os homens. Apocalipse 21:3 descreve esse momento glorioso, quando Deus habitará com seu povo redimido de forma plena e definitiva. A Ceia do Senhor, celebrada na igreja, serve como um antegosto dessa comunhão eterna com Deus, simbolizando o banquete que nos aguarda em Sua presença. Apocalipse 3:20 ilustra o convite de Cristo para a igreja, onde Ele diz: "Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo". Este versículo demonstra a comunhão íntima que Cristo deseja ter com Seu povo, simbolizada pela Ceia do Senhor. Através da Ceia do Senhor, o povo de Deus celebra o pacto de amizade com Ele, alimentado pelo corpo e pelo sangue de Cristo (conferir Apocalipse 19:9 e Lucas 22:16 referindo-se à Páscoa, precursora da Ceia do Senhor).