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22 outubro 2023

[Exposição] Despertem e Lembrem-se | 2 Pedro 1.12-21

A vida autêntica é a melhor defesa contra os falsos ensinamentos. Uma igreja em crescimento dificilmente se torna vítima de apóstatas e de seu cristianismo falsificado. No entanto, a vida cristã deve ser baseada na Palavra de Deus, pois ela está investida de autoridade. Para os falsos mestres, é fácil seduzir pessoas sem conhecimento da Bíblia, principalmente àqueles que desejam ter algum tipo de “experiências” com o Senhor. É perigoso edificar a fé somente sobre experiências subjetivas e ignorar a revelação objetiva.

Pedro trata da experiência cristã na primeira parte do primeiro capítulo (1-11) e na outra metade (12-21) vai abordar a revelação da Palavra de Deus. Seu objetivo é mostrar a importância de conhecer as Escrituras, a Palavra de Deus, e de se firmar inteiramente nela. O cristão que sabe em que crê e por que crê, raramente será seduzido por falsos mestres e por suas doutrinas errôneas. Pedro vai ressaltar a confiabilidade e durabilidade da Palavra de Deus fazendo um contraste entre as Escrituras e os homens, as experiências e o mundo.

Esta carta foi escrita aos cristãos da Ásia Menor, de acordo com 1 Pedro, no período de 67 dC, já no fim do reinado de Nero. É considerada uma “literatura de heresia”, ou seja, um dos livros do NT escrito para combater heresias. E talvez o tipo de heresia combatido nesta carta tenha sido o Gnosticismo¹ que já no séc 1 “rondava” círculos cristãos. Apesar das controvérsias, o autor é geralmente atribuído a Simão Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo (1.1), que foi testemunha ocular da transfiguração de Jesus e que o negou por 3 vezes.

No texto que lemos, percebemos a preocupação de Pedro em levar os seus leitores a um patamar de edificação espiritual que fosse seguro contra os falsos mestres. E esse patamar só seria alcançado mediante o “despertamento” e o constante “lembrete” das verdades recebidas, do verdadeiro ensino. Daí temos o tema: Despertem e Lembrem-se!

1) Os homens morrem, mas a Palavra vive (v. 12-15)

Sabemos que os apóstolos e profetas do Novo Testamento lançaram os alicerces da Igreja (Ef 2.20) através da pregação e do ensino, e nós, de gerações posteriores, edificamos sobre esses alicerces. No entanto, os homens não constituem a fundação. Jesus é a fundação (1Co 3.11). Ele é a pedra angular que dá coesão ao edifício (Ef 2.20). Se a Igreja deseja permanecer de pé, não pode ter sua base construída sobre homens; antes, deve ser edificada sobre Jesus Cristo.

Podemos perceber pelo menos três motivações que dão razão ao ministério de Pedro ao escrever esta carta.

1) Obediência às ordens de Cristo, “sempre estarei pronto” (verso 12). Jesus havia dito a ele que quando ele se convertesse, deveria fortalecer os irmãos (ver Lc 22.32). Estar sempre pronto é o contrário de viver em preguiça, uma vez que a preguiça leva à destruição eterna (Pv 13.4; 24.30-34) e ser diligente leva à glória eterna. Pedro tencionava lembrá-los sempre. Mesmo que haja o conhecimento e determinação, há a necessidade de motivação e exortação.

2) Esta lembrança era a coisa certa a fazer (verso 13). “Considero justo…”, ou seja, “creio que é correto e apropriado”. É sempre correto estimular os crentes e lembrá-los da Palavra de Deus.

3) Diligência (verso 15). A palavra que o apóstolo usa aqui é a mesma que usou os versos 5 e 10. Significa “apressar-se em fazer algo”, “ser zeloso em fazer algo”. Pedro sabia que iria morrer em breve (ver João 21.18), por isso, desejava cumprir suas responsabilidades espirituais antes que fosse tarde demais. Pedro tinha consciência que a brevidade do seu mandato, aumenta o peso da sua responsabilidade diante de seus leitores. Uma vez que não sabemos quando iremos morrer, deveríamos começar a ser diligentes hoje mesmo!

Qual era o objetivo de Pedro? A resposta encontra-se em duas palavras usadas nos versos 12, 13 e 15 - lembrados e lembranças. Pedro desejava gravar a Palavra de Deus na mente dos seus leitores a fim de que jamais se esquecessem dela. “Despertai-vos com essas lembranças” (verso 13). O termo “despertar” significa estimular, acordar.

Os leitores desta carta conheciam a verdade e eram até confirmados na verdade (verso 12), mas isso não garantiam que se lembrariam para sempre dela e que a aplicariam. É por isso que o Espírito Santo foi dado à igreja, entre outros motivos, para lembrar os cristãos das lições que o Senhor Jesus ensinou (João 14.26). Lembrem-se: os homens morrem, mas a Palavra de Deus permanece!

Se não tivéssemos a revelação escrita confiável, estaríamos à mercê da memória humana. Felizmente é possível sim depender da Palavra de Deus pois ela está escrita e continuará escrita até a vinda de Jesus Cristo. É através desta Palavra escrita que somos salvos (1Pe 1.23-25). É através desta Palavra escrita que somos nutridos por ela (1Pe 2.2). É através desta Palavra escrita que somos guiados e protegidos ao crer e obedecer.

2) As experiências passam, mas a Palavra permanece (v.16-18)

Dos versos 16 a 18 temos como tema central a transfiguração de Jesus Cristo. Esse relato encontramos em Mateus 17, Marcos 9 e Lucas 9. No entanto, esses autores não estavam lá presentes quando ela ocorreu. Mas Pedro estava lá. Pedro traz à memória sua experiência de ter presenciado aquele evento.

Importante ressaltar o uso da primeira pessoa no plural. Trata-se de uma referência a Pedo, Tiago e João, os únicos apóstolos que presenciaram a Transfiguração. E serve para autenticar o testemunho apostólico, pois o evento descrito não foi visto apenas por Pedro. E também serve de testemunho para não acusar Pedro de ter criado essa “fábula engenhosa”. E cabe uma pergunta aqui: qual o significado da Transfiguração?

1) Confirmou o testemunho de Pedro acerca de Jesus Cristo (ver Mt 16.13-16). Pedro viu o Filho em sua glória e ouviu o Pai dizer do céu: “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (2 Pe 1.17).

2) A Transfiguração teve um significado especial para Jesus Cristo, que se aproximava do Calvário. Foi a forma do Pai fortalecer o Filho para a provação terrível de ser sacrificado pelos pecados do seu povo. A Transfiguração foi prova de que, quando estamos dentro da vontade de Deus, o sofrimento conduz à glória.

3) Mensagem relacionada ao Reino prometido. Note que para cada relato da Transfiguração em Mateus, Marcos e Lucas, o relato começa com uma declaração sobre o Reino de Deus. Jesus prometeu que antes de morrerem, alguns discípulos veriam o Reino de Deus em poder (ver Mateus 16.28, Marcos 9.1, Lucas 9.27). E isso se cumpriu no monte da transfiguração.

Agora podemos entender porque Pedro usa esse acontecimento: para refutar falsos ensinos que dizia que o Reino de Deus nunca viria (ver 2 Pe 3.3 em diante). Daí Pedro apresenta um resumo do que viu e ouviu no monte da transfiguração. Viu a glória de Jesus e ouviu o testemunho do Pai sobre o Filho.

Nós não testemunhamos pessoalmente a Transfiguração, mas Pedro estava lá e apresenta um registro preciso de sua experiência na sua carta. As experiências passam, mas a Palavra de Deus permanece. As experiências são subjetivas, mas a Palavra de Deus é objetiva. As experiências podem ser interpretadas de diferentes formas pelos participantes, mas a Palavra de Deus apresenta uma única mensagem clara. As memórias de nossas experiências podem ser distorcidas inconscientemente, mas a Palavra de Deus não muda e permanece para sempre.

Ao lembrar da Transfiguração, Pedro afirma várias doutrinas importantes da fé cristã. Declara que Jesus Cristo é o Filho de Deus, da Sua Divindade. Declara a obra que Jesus Cristo veio fazer na terra, sua morte e ressurreição, trazendo redenção dos pecadores. Declara a veracidade das Escrituras, pois a Lei e os Profetas (Moisés e Elias) apontavam para Jesus Cristo (Hb 1.1-3). Declara a realidade do Reino de Deus, que o sofrimento conduziria à glória e que a cruz resultaria na sua coroação.

Pedro não pôde dividir essa experiência conosco, mas registrou essa experiência para que o tivéssemos gravado permanentemente na Palavra de Deus. Não é possível reproduzir essa experiência, porém temos o relato que nos devem conduzir à reflexão e meditação.

3) O mundo escurece, mas a Palavra resplandece (v.19-21)

O mundo tem-se deteriorado a cada nova geração. O mundo está mergulhado em trevas e isso não deveríamos nos espantar. Jesus advertia seus ouvintes que a igreja seria alvo de impostores que ensinariam falsas doutrinas (Mt 7.13-29), Paulo faz uma alerta semelhante aos presbíteros de Éfeso (At 20.28-35) e também em suas cartas (Rm 16.17-20; 2Co 11.1-15; Gl 1.1-9; Fp 3.17-21; Cl 2; 1Tim 4; 2Tm 3-4) e até mesmo João faz esse tipo de advertência (1Jo 2.18-29; 4.1-6). Ou seja, temos admoestações claras de que o mundo moral, espiritual, só iria de mal a pior e que afetaria a Igreja.

O mundo só escureceria cada vez mais, e a Palavra de Deus resplandeceria cada vez mais. Pedro faz três declarações acerca dessa Palavra:

É a Palavra confirmada (verso 19a). A experiência de Pedro no monte da transfiguração foi real e o registro bíblico é confiável. A Transfiguração foi uma demonstração da promessa da Palavra profética e hoje essa promessa é ainda mais certa por causa do que Pedro experimentou. A Transfiguração confirmou as promessas proféticas. Os apóstatas tentariam desacreditar a promessa da vinda de Cristo, mas as Escrituras são fiéis. A promessa do Reino foi reafirmada por Moisés, por Elias, pelo próprio Jesus Cristo e pelo Pai. E o Espírito Santo registrou essa verdade para ser lida para a sua Igreja. Pedro faz um tributo à validade das Escrituras, onde elas são mais dignas de crédito do que uma voz ouvida do céu. Aqui temos uma censura aos falsos mestres que, indo além das Escrituras, criam de forma artificial, teorias místicas. A experiência pela qual Pedro passou deu certeza da realidade futura.

“O testemunho do Senhor é fiel” (Sl 19.7). “Fidelíssimos são os teus testemunhos” (Sl 93.5). “Fiéis todos os seus preceitos” (Sl 111.7). “Por isso, tenho por, em tudo, retos os teus preceitos todos…” (Sl 119.128).

É a Palavra resplandecente (verso 19b). Pedro chama o mundo de “lugar tenebroso”. A palavra “tenebroso” aqui tem o sentido de algo “obscuro”. É um retrato de um porão escuro ou de um pântano sinistro. A história da humanidade começou em um jardim, belíssima, e hoje essa história está obscura, tenebrosa e sinistra. O sistema desse mundo indica a condição espiritual do nosso coração. Ainda podemos ver a beleza de Deus na criação, mas não vemos beleza alguma no que a humanidade faz com essa criação.

Deus é luz e a sua Palavra é luz: “Lâmpada para os meus pés é a tua Palavra e luz para os meus caminhos” (Sl 119.105). Jesus Cristo iniciou seu ministério “aos que viviam na região e sombra da morte e resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.16). Sua vinda a este mundo foi a aurora de um novo dia (Lc 1.78). Para a igreja, Jesus Cristo é “a brilhante estrela da manhã” (Ap 22.16). Ele é o “sol da justiça” (Mt 4.1,2).

É a Palavra dada pelo Espírito (versos 20,21). Pedro aqui declara a doutrina da inspiração das Escrituras. Pedro afirma que as Escrituras não foram redigidas por homens que usaram as próprias idéias e palavras, mas sim por homens “movidos pelo Espírito Santo”, ou de acordo com a palavra grega pheromenói (“controlados e conduzidos”), eles foram conduzidos pelo Espírito Santo. As Escrituras não foram inventadas por homens, mas sim inspiradas por Deus.

Mais uma vez, vemos Pedro refutando os falsos mestres que ensinavam “palavras fictícias” (2Pe 2.3) e distorciam as Escrituras de modo a fazê-las significar outras coisas (2Pe 3.16) e que negavam a promessa da vinda de Cristo (2Pe 3.3,4). Uma profecia das Escrituras deve ser interpretada não com base nos pensamentos arraigados da velha natureza humana, tal como aquela dos falsos mestres, mas com base no que o Espírito Santo torna claro sobre o seu significado, já que Jesus enviou o Espírito para guiar os crentes à verdade (Jo 16.13). As Escrituras não resultam de um desvendamento particular. Os profetas não inventaram, pela força do desejo humano, aquilo que escreveram.

Deus é o Autor das Escrituras. Foi Ele quem as deu, bem como Ele é a correta interpretação, mediante iluminação.

Conclusão

Os homens morrem, mas a Palavra de Deus vive. As experiências passam, mas a Palavra permanece. O mundo escurece, mas a luz da Palavra de Deus resplandece. O cristão que edifica a vida pela Palavra de Deus e que espera a vinda do Salvador Jesus Cristo dificilmente será enganado por falsos mestres.

A mensagem de Pedro é: “despertem e lembrem-se!”. Há igrejas que, sem saber, dão espaço para o diabo atuar. Lembram da parábola do joio em Mateus 13.24-30? “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto todos estavam dormindo, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e foi embora”.

Devemos ter o cuidado com as falsificações de Satanás. Ele possui cristãos falsos (2Co 11.26) que acreditam num evangelho falso (Gl 1.6-9), estimula uma falsa justificação (Rm 10.1-3) e tem até mesmo uma igreja falsa (Ap 2.9). No final dos tempos, chegará ao cúmulo de produzir um falso cristo (2Ts 2.1-12).

Devemos permanecer alertas para que os ministros de Satanás não se infiltrem e causem estragos na congregação dos cristãos verdadeiros (2Pe 2; 1Jo 4.1-6). Nem tudo que é feito dentro do cristianismo é um produto de cristãos verdadeiros. Quando nós “dormimos”, Satanás se põe a trabalhar. Devemos nos opor a Satanás com a mesma diligência que ele se opõe ao verdadeiro ensino. Despertemos e lembremo-nos!

_________________________
¹
O gnosticismo do primeiro século era um movimento religioso e filosófico que se desenvolveu no Império Romano durante os primeiros séculos do cristianismo. Os gnósticos acreditavam em uma dualidade entre o espírito e a matéria, e que o mundo material era mau e satânico. O espírito humano, portanto, era prisioneiro do corpo. A salvação, para os gnósticos, era alcançada por meio do conhecimento (gnosis), que era transmitido a um iniciado por um mestre gnóstico. Os gnósticos acreditavam que Jesus Cristo era um ser espiritual, e não um ser humano. Eles acreditavam que Jesus Cristo era uma emanação da divindade superior, e que havia descido ao mundo material para libertar o espírito humano. Os gnósticos rejeitavam a crença cristã de que Jesus Cristo havia se tornado humano e que havia sofrido e morrido na cruz e negavam a ressurreição de Jesus Cristo.


24 junho 2022

Invista mais tempo na palavra de Deus

Por John Piper 

Somos árvores que produzem frutos, e não trabalhadores que colhem frutos. Na linguagem de Paulo, o fruto é o fruto do Espírito, não as obras da lei. O que diz Salmos 100.3? Vamos ler. “Ele é como…” De quem ele está falando? Daquele que medita na lei do Senhor dia e noite e encontra prazer na verdade a respeito de Deus, do homem e da vida que vem por intermédio da instrução de Deus. “Ele é como árvore… plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido.” 

É completamente essencial que entendamos que a vida cristã deve produzir frutos. Não se trata de colher frutos. Não somos meros trabalhadores, somos árvores! Estamos plantados junto a correntes de água. Nossa vida vem de um Rio, de uma Fonte, e os frutos surgem e se desenvolvem enquanto vivemos por meio do Rio. É assim que se deve combater. O combate não deve ser legalista. Não faça uma lista. Por exemplo, não sou ímpio, não sou pecador, não sou zombador, sigo minha lista e, quando vier a tentação, basta segui-la. Não é assim que funciona. 

Salmos 100.3 afirma que, em vez disso, quando você vai até a palavra, e você contempla Deus diante de você em seus caminhos, obras e fidelidade, é como se você firmasse raízes até encontrar uma fonte de água da qual pode obter vida. Seus pensamentos e sentimentos mudam, e você passa a produzir frutos. Se os frutos não são produzidos, você não deve se arrancar dali para ir a uma loja de frutas. Você deve confiar na Fonte que está bem ali. Não é algo mecânico ou automático. O modo pelo qual a Fonte produz frutos não é automático. A conexão entre minhas raízes e a fonte da verdade de Deus que produz vida nos salmos é a meditação. 

Aprenda a fazer isso, aprenda a se demorar na leitura do Salmo 23, que quase todos conhecem; invista tempo nele, ore o salmo, mergulhe nele, faça o que for, não deixe para lá, como Jacó não deixou o anjo até que o abençoasse. Até que transforme e afete você pela manhã. Não leia com pressa, como em uma corrida. O que é isso? O diabo conhece toda a Bíblia e tentou usá-la contra Jesus. É investir tempo, amar a palavra, implorando ao Senhor que abra os olhos do coração, que o faça temer o nome do Senhor, que incline seu coração para os testemunhos do Senhor, que molde, transforme e satisfaça você. 

Não abra mão até ver a mudança. Abre os meus olhos, Deus! Essa é a conexão com a água. Esse é o combate. Eu preciso ter um outro conjunto de prazeres, ou serei como os ímpios, como a palha que o vento dispersa. A vida simplesmente vai me levar. A internet vai me cativar, a televisão terá minha atenção… Eu vou morder a isca e serei levado. A batalha acontece no nível das emoções. Minhas raízes devem alcançar a Fonte da água da vida. 


21 novembro 2020

Apegados à Palavra

Por Rev. Jaidson Araújo 

Uma marca essencial do nosso tempo é a negação da verdade. A máxima que impera é: “cada um tem a sua verdade”. Ao aderirmos, ou aceitarmos que cada um tem sua própria verdade reconhecemos o que também é pressuposto: que a verdade é inalcançável e indiscernível. O “espírito” do nosso tempo é desapegado de qualquer padrão, seja ético, moral ou cultural. A forma de ser do nosso tempo valoriza tudo o que é minoritário, periférico, amoral, impróprio etc. Esse perfil já fora antecipadamente denunciado pelo apóstolo Paulo em 2Tm 4.4, nessa passagem Timóteo é alertado que nos últimos tempos as pessoas não suportariam a verdade, e a recusariam.

Na contramão dessa forma de ser e pensar está a postura cristã. O mesmo apóstolo instruindo a Tito quanto àqueles que deveriam liderar e ser modelo para os cristãos, os presbíteros; Paulo destaca as qualidades de caráter que deveria ser evidenciada pela vida de um presbítero, e, dentre elas sobressai a de ser apegado à Palavra (Tt 1.9). Esta marca deveria ser visível na vida do presbítero, que deveria ser modelo para o rebanho.

Quando pensamos em alguém apegado à Palavra, segundo a Bíblia, somos remetidos à maior expressão de apego à Palavra da Escritura Sagrada, o Salmo 119. O Salmo 119 é a mais completa e exuberante expressão de apego e admiração à Palavra. O poema sapiencial, organizado meticulosamente em 22 parágrafos de 8 versículos, dispostos conforme a ordem do alfabeto hebraico, concentra-se em demonstrar suas convicções, sentimentos e atitudes acerca da Palavra de Deus, do Mandamento, dos Preceitos, do Conselho, dos Decretos, os Testemunhos, a Lei.

O autor do Salmo 119 não nega suas convicções quanto à Palavra. Ele nutre em seu coração que o que tudo o que a palavra de Deus ensina é a VERDADE que ilumina o seu entendimento, que dá sabedoria, que conduz à vida. Sem vacilar ele expõe que tudo o que a Palavra de Deus diz é JUSTO, e não somente isso, mas fica evidente em seu poema que ele crer que tudo o que diz a Palavra de Deus é BOM!

As crenças quanto à Palavra despertam sentimentos em sua alma. O salmista alimenta em seu coração AMOR pelo mandamento do Senhor. Não suportava ficar distante da Palavra, pois ela é sua fonte de PRAZER, por isso ele ANELA e DEPENDE do Conselho do Senhor.

Mas, suas convicções não despertavam apenas sentimentos quanto à Palavra, mas também atitudes. Alguém que acredita que a Palavra de Deus é verdadeira, justa e boa, a ama, deseja depende e tem prazer nela, oriente sua vida por ela. É o que vemos no autor do salmo, ele é alguém que CELEBRA a Palavra de Deus, que FALA a Palavra e da Palavra, elas estão continuamente em seus lábios; o salmista ESTUDA a Palavra e a GUARDA NO CORAÇÃO com a disposição de OBEDECER tudo quanto ela o instruir. Existem muitas outras ações do autor em relação à Palavra, mas, por fim, destacamos que ele LOUVA PELA PALAVRA, que é o culminar desse apego.

O Salmo 119 é a expressão de apego à Palavra, de apego à verdade. A leitura deste Salmo nos desafia e nos encoraja a vivermos de modo apegado a Palavra nesse tempo de desapego. Esta leitura nos encoraja a amarmos e dependermos da Verdade, a Palavra de Deus. Esse poema de sabedoria nos encoraja a agirmos com coerência: se pela Palavra conhecemos a Salvação de Deus, e Ela nos instrui quanto ao modo de vivermos que agrada ao nosso Salvador, APEGUEMO-NOS À PALAVRA.

Contrariando o nosso tempo, onde cada um tem sua própria verdade e vive orientado pelo padrão do seu próprio entendimento, eu gostaria de te desafiar – você que foi alcançado e transformado pela Palavra, a buscar fora de você, a buscar na Palavra, a verdade para orientar sua vida, seus valores, suas crenças, convicções, relacionamentos, gostos, sonhos, toda sua vida.

Por fim, gostaria de estimulá-lo a ler este salmo, verificar as afirmações aqui feitas, e deleitar-se na Palavra de Deus.

Fonte: boletim da Primeira Igreja Presbiteriana do Recife, 22/11/2020.


14 novembro 2020

A Atualidade da Palavra de Deus

Por Tiago Santos 

A palavra “ética” vem do grego “ethos” e significa “caráter” ou, ainda, modo de ser. Significa, basicamente, o conjunto de valores morais que guiam o indivíduo em relação ao seu próximo. A moral, por sua vez representa os valores e costumes pelos quais uma sociedade se pauta.

A ética é matéria de grande importância nas ciências humanas pois é o que dá viabilidade ao convívio em sociedade, mas, via de regra, disciplinas que se pautam por uma ética mais secularista, isto é, que não reconhecem sua origem em Deus – mas como parte de um desenvolvimento social, terão como resultado um tipo de ética meramente descritiva, imanente, relativa, subjetiva, mutável e, por vezes, utilitarista.

Uma boa maneira de verificar como anda a ética numa dada sociedade é olhando suas leis. Normalmente, os costumes e leis que regem a vida social refletem a moral daquela comunidade e apontam para a volatilidade de sua ética coletiva.

No caso do Brasil, o Código Penal Brasileiro ajuda a ilustrar esta volatilidade: Até 1977, por exemplo, não existia divórcio na legislação brasileira. O sujeito separava e desquitava, mas não podia contrair novo matrimônio – isto é resultado de uma visão mais robusta (e até sacramental) do casamento, com base na teologia católico-romana. Mas podemos pensar em exemplos mais recentes, como a Lei 11.106 de 2005 que revogou os seguintes crimes contra o costume: 

  • a) Art 217) Sedução de mulher virgem, menor de 18 anos e maior de 14 “sedução que aproveita-se de sua inexperiência e justificável confiança”.
  • b) (Art 219) Rapto de mulher honesta mediante fraude.
  • c) (Art 240) Cometer adultério.
A supressão desses artigos é uma evidência da mudança de valores que não mais reconhece, no século 21, apenas 60 anos depois da promulgação do código (que é da década de 1940) o adultério como uma violação do casamento ou as figuras da “jovem inexperiente” e da “mulher honesta”.

Embora a ética seja tema de estudo e valor para várias disciplinas, como a filosofia, a sociologia, o direito, a psicologia, a política, dentre outras, a ética é também o ponto vital e mais determinante da Teologia.

Ética é matéria teológica e todo cristão deve entender isso. A maneira como ele vive é resultado de sua teologia. Sendo chamado por Deus para viver neste mundo mas refletir os valores do Céu, revelados por Deus nas Escrituras, o cristão rapidamente se vê diante de grandes dilemas, pois os valores do presente século estão muito distantes dos valores de Deus. Contudo, tendo o dever de ser “luz do mundo e sal da terra”, o cristão não pode viver isolado em algum tipo de subcultura ou “bolha eclesiástica”. Ele precisará ser capaz de articular os valores da Palavra de Deus no mundo em que está. Por esta razão, expressa opiniões tais como: ser contrário ao aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e a conduta homossexual, ou ainda a afirmação de que o núcleo familiar é monogâmico e heterossexual, dentre outros valores basilares das Escrituras.

Mas é preciso que o cristão moderno seja capaz de oferecer fundamento e solidez para as posições que expressa. C. S. Lewis, em um discurso para jovens anglicanos do país de Gales, em 1945, disse que: “Cada um de nós possui várias opiniões que parecem consistentes com a fé, verdadeiras e importantes. E talvez sejam. Mas nosso papel é defender o cristianismo (não nossa opinião). Temos de fazer a diferença entre a opinião pessoal e a Fé. O apóstolo Paulo fez isso em 1Co 7.25. (…). A maior dificuldade é levar os ouvintes modernos a entender que você prega o cristianismo porque acredita que ele é verdadeiro. Eles sempre supõem que você prega porque gosta da mensagem, acha que ele é boa para a sociedade. Bem, a distinção clara entre o que a Fé afirma e o que você gostaria que ela dissesse, ou o que você entende ou considera útil, força os ouvintes a entender que você está preso a seus dados, exatamente como o cientista é limitado pelo resultado da experiência. Você não diz apenas aquilo que gosta. Isto os ajuda a entender que o que está em discussão é uma questão sobre fato objetivo – não conversa vazia sobre ideias ou opiniões.” (C. S. Lewis, Ética para viver melhor: diferentes atitudes para agir corretamente. São Paulo, SP, Editora Planeta, 2018. Pg. 95).

Mas a Palavra de Deus e a ética cristã que esta ensina é a fonte definitiva da sabedoria de Deus para um mundo em crise. Os problemas enfrentados pelo homem são sanados pela Palavra.

Por isso o cristão deve ser capaz de articular os fundamentos de sua posição da ética bíblica e demonstrar que esta é a única e mais firme verdade pela qual o ser humano deve viver – um fato objetivo – ao tempo em que demonstra a fragilidade do sistema ético secular.

A ética cristã, se apresenta como tendo origem em um Deus pessoal e criador do universo, que se revelou ao homem e comunicou seu caráter a ele, sendo, portanto, revelada, transcendente, absoluta, normativa, objetiva, imutável e deontológica (isto é, uma ética do ser, independente dos resultados).

Enquanto “modus vivendi” estabelecido por Deus na criação, é dever de todo ser humano.

Na criação, Deus estabeleceu critérios pelos quais o homem deveria viver (Gn 1-3). O núcleo de toda vontade de Deus para todas as esferas da vida foi descortinado ao homem tanto no “imago Dei” como no pacto que Deus faz com o home na criação, de modo que Deus orienta o homem em todas as áreas da vida humana: a família, o trabalho, a cultura, a espiritualidade, enfim foram todos idealizados num mundo pré-queda e determinados por Deus como norma para a humanidade. A queda alienou o homem de Deus e seu efeito devastador na alma humana poluiu seu coração, incapacitando-o para cumprir a vontade de Deus. Mas Deus se manifestou em graça e chamou o homem a uma nova relação com ele, pela redenção prometida no Messias.

Assim, embora a ética cristã seja obrigação de todo homem, esta só pode ser verdadeiramente perseguida e aplicada por aqueles que forem convertidos a Deus pelo poder do Espírito no Evangelho, passando a desejar viver para agradar a Deus e fazer a vontade dele. Nesse sentido, sua aplicabilidade imediata será para os cristãos. Isso porque os cristãos são capacitados pelo Espírito de Deus para viver uma vida de obediência e debaixo do Senhorio de Cristo.

A ética cristã, ainda mais, procura discutir e definir questões fundamentais como o verdadeiro significado e propósito da vida humana, quem é o homem, qual é a natureza do homem, como deve ser o homem, o que é verdade, justiça e retidão, o que é moralmente certo e errado, o que é uma vida correta, como devem ser os relacionamentos interpessoais do homem, qual a posição do homem diante do seu Criador e diante do seu Salvador, Jesus Cristo, quais são as implicações do senso de dever, de obrigação moral do homem para com Deus e seu próximo. A tarefa da ética cristã é encontrar um critério objetivo para determinar qual é o bem com o qual o homem, como ser moral, deve se conformar – neste caso, a imagem e estatura daquele que viveu plenamente os valores da ética Cristã expressos na lei moral, Jesus Cristo.

Nos Dez Mandamentos, encontramos a expressão máxima da lei moral de Deus e a revelação objetiva de como Deus quer que os homens vivam. Esta lei moral de Deus está presente em toda manifestação revelatória de Deus: nas leis civis, nas leis sanitárias, nas leis cerimoniais, nos preceitos, nos estatutos e até mesmo nas revelações proféticas extraordinárias, todavia, no Decálogo, temos a expressão suma da vontade de Deus para o homem.

No decálogo, portanto, encontramos o que Hans Heifler chamou de “moldura da ética cristã”. Pode se dizer que é uma “bússola” para o cristão, pois embora não haja instrução específica sobre como agir em cada diferente dilema e situação da vida – pois não se ocupa da casuística –nessas dez palavras é possível encontrar todo o princípio que haverá de nortear a vida do cristão. Martinho Lutero refere-se aos dez mandamentos como o modelo, a fonte e o canal pelo qual o cristão viverá.

Esses 10 Mandamentos, em sua forma tradicional abrangem um código duplo de deveres religiosos (Êx 20.3-12) e sociais (Êx 20.13-17) embora submeta as duas áreas (adoração, a proibição dos ídolos, o juramento, o dia sagrado e a piedade filial, de um lado; e a santidade de vida, casamento, das posses, da verdade e do desejo, do outro lado) à autoridade divina direta. Os mandamentos também são dados de forma negativa, mas, em cada um deles há um núcleo de valores positivos sendo defendidos. Quando estudamos os mandamentos, fazemos bem em compreender ambos os polos – aquele mais evidente, que proíbe-nos de certa conduta (isso é bem didático e fala bem sobre nossa condição humana caída) e aquele positivo, que está implícito na forma afirmativa do mandamento. Esse é o bem que Deus protege, que Deus tutela.

Na ética no novo testamento – tanto no ensino de Jesus nas bem aventuranças como nos casos mais específicos trabalhados pelos apóstolos Paulo, Pedro, João, Tiago em suas epístolas (ao tratar de questões tais como pureza, fraternidade, bondade, etc; questões de trabalho, família, governo, etc) o que vemos são a aplicação ou mesmo a interpretação – ou ainda, ampliação dos princípios morais havidos nos dez mandamentos. O ensino ético do Novo Testamento, portanto, não cria uma dicotomia entre lei e graça. Do contrário, o apóstolo Paulo ensina que a lei era expressão da graça, pois revela a condição perdida do homem e estabelece o modelo pelo qual aquele que foi justificado pela graça viverá. Para Paulo, a lei era santa, justa, espiritual e boa (Rm 7.12, 14, 16). É o próprio Espírito de Deus que habilita o cristão amar, seguir e obedecer a Deus em seus mandamentos.

Esta foi a razão porque, na Reforma do século XVI encabeçada por Martinho Lutero, o Decálogo foi tão realçado e usado, inclusive, como fundamento dos catecismos que ensinavam os caminhos básicos da vida cristão piedosa, com o Catecismo Maior de Lutero. Os reformadores, acompanhando Lutero, foram muito perspicazes em perceber isso. O reformador francês João Calvino inseriu uma seção inteira de comentário ao Decálogo em suas Institutas e disse que o decálogo é a “única regra de vida perpétua e inflexível”. Ele reconhecia o valor do decálogo porque via nele o direito de Deus legislar, os valores de Deus revelados na legislação dada, seu padrão elevado e perfeito de justiça e nossa incapacidade de satisfazer as exigências de sua justiça, tendo necessidade de um justificador mais justo do que nós. Uma vez tendo recebido esta justiça, o Espírito de Deus então inscreve essa lei em no coração da pessoa redimida e esta passa a desejar obedecer a Lei para honrar, adorar e louvar o Deus criador e legislador que, por graça, salvou homens e mulheres para que possam viver uma vida justa e santa, “coram Deo” – diante de Deus.

Enfim, a Lei de Deus define, guia e ilumina a vida humana e fornece ao cristão segurança para afirmar os valores de Deus como sendo a bússola moral para dar sentido e direção ao ser humano em todas as áreas da vida.

Só a lei imutável, objetiva, santa e bela de Deus é que pode dar sentido e direção a este mundo caído. O fundamento das posições cristãs é a verdade objetiva das Escrituras e o exemplo de vida conduzida pela fé, arrependimento e humildade. É assim que o cristão será sal e luz neste mundo.