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15 abril 2025

[Exposição] Uma Falsa Paz | Mateus 7.21-23

21 Nem todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
22 Muitos dirão a mim naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profetizado em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos milagres?’
23 Então lhes declararei: Nunca os conheci. Afastai-vos da minha presença, vós que praticais o mal. (Mateus 7.21-23) 


Aqui estamos diante do fim do Sermão do Monte. Nas últimas palavras do Sermão, o próprio Filho de Deus nos confronta com a realidade de que a mera profissão de fé nem sempre garante a entrada no reino dos céus. A mensagem central desses versículos é o perigo do auto engano e da auto ilusão, um tema que ele conecta diretamente à advertência contra os falsos profetas no parágrafo anterior. Ele também ressalta que esses versículos servem para enfatizar que nada tem valor diante de Deus, exceto a verdadeira retidão e santidade.

Consideremos agora esta advertência em 3 pontos, pois ela nos chama para examinar o cerne de nossa relação com Deus.

1) Primeiramente, reflitamos sobre o significado de clamar "Senhor, Senhor"

Muitos podem invocar o nome de Cristo, professar a religião cristã, professar sujeição a Ele e até mesmo usar Seu nome em ministérios públicos, buscando reconhecimento e aceitação. Contudo, nem todos que proferem essas palavras com os lábios possuem um amor sincero e uma fé verdadeira em Cristo — "... este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim…" (Isaías 29:13).

A verdadeira entrada no reino dos céus não se resume a uma declaração verbal, mas sim a fazer a vontade do Pai que está nos céus — "Por que me chamais Senhor, Senhor, não fazem o que eu mando?" (Lucas 6:46). Essa vontade, no que concerne aos cristãos, envolve especialmente a fé em Cristo para vida e salvação, a fonte de toda verdadeira obediência evangélica — "E esta é a vontade daquele que me enviou: que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna" (João 6:40).

A ortodoxia, a crença correta sobre Jesus, é essencial — "Todo aquele que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus" (1 João 4:15), mas depender apenas dela é um perigo, pois até os demônios creem — "Crês tu que Deus é um só? Fazes bem. Também os demônios o crêem e estremecem" (Tiago 2:19).

O que devemos ter é a ortopraxia, que é a conduta correta baseada na doutrina bíblica ensinada por Jesus — "Se vocês sabem estas coisas, bem-aventurados serão se as praticarem" (João 13:17). A palavra ortopraxia vem do grego orthopraxia, que significa "prática correta", e é essa prática que evidencia a fé viva — "Assim também a fé, se não tiver obras, por si só está morta" (Tiago 2:17).

2) Em segundo lugar, ponderemos sobre as falsas evidências de salvação que podem nos enganar

No dia do juízo, muitos dirão a Cristo: "Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas obras maravilhosas?". É possível pregar a doutrina correta em nome de Cristo, expulsar demônios e realizar muitos milagres, e ainda assim ser excluído do reino. Essas obras, mesmo as mais extraordinárias, podem ser realizadas com motivos errados, buscando a própria glória e não a de Cristo — "Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens" (Colossenses 3:23) — ou impulsionadas pela carne e não pelo Espírito — "Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus" (Romanos 8:14).

Até mesmo a operação de milagres não é prova de que um homem tem fé salvadora. A ênfase naquilo que fazemos em nome de Cristo não deve obscurecer a necessidade de um relacionamento genuíno com o próprio Cristo — "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17:3).

Vejamos alguns exemplos na Bíblia que comprovam que realizar “obras maravilhosas” em nome de Cristo não garante a salvação:

Balaão, embora fosse um profeta que recebeu revelações de Deus, agiu por ganância e foi posteriormente condenado — "Tendo abandonado o reto caminho, desviaram-se e seguiram pelo caminho de Balaão, filho de Beor, que amou o pagamento pela injustiça. Mas ele foi repreendido pela sua transgressão: um animal de carga mudo, falando com voz humana, refreou a insensatez do profeta" (2 Pedro 2:15,16).

Caifás, o sumo sacerdote que profetizou que Jesus morreria pela nação, falou uma verdade espiritual sem sequer compreender seu real significado — "Mas um deles, Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vocês não sabem nada, nem entendem que é melhor para vocês que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação. Ora, Caifás não disse isto por conta própria, mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação” (João 11:49–51). Ainda assim, foi cúmplice na crucificação do Messias.

Os apóstolos, incluindo Judas Iscariotes, realizaram milagres, curas e expulsaram demônios — "Tendo Jesus convocado os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios e para curar doenças" (Lucas 9:1). Judas recebeu poder e autoridade sobre todos os demônios, mas ainda assim, traiu Jesus e se perdeu.

Os setenta discípulos também voltaram alegres dizendo que até os demônios se submetiam a eles em nome de Jesus — "Senhor, em seu nome os próprios demônios se submetem a nós!" (Lucas 10:17). Mas Jesus os advertiu: "... alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, e sim porque o nome de cada um de vocês está registrado no céu" (Lucas 10:20), revelando que o verdadeiro motivo de alegria não são as obras, mas a salvação.

Os judeus exorcistas, especialmente os filhos de Ceva, tentaram expulsar demônios usando o nome de Jesus sem o conhecerem de fato — "Os que faziam isto eram sete filhos de um judeu chamado Ceva, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno lhes respondeu: Conheço Jesus e sei quem é Paulo; mas vocês, quem são? E o possuído do espírito maligno saltou sobre eles, dominando a todos e, de tal modo prevaleceu contra eles, que, nus e feridos, fugiram daquela casa" (Atos 19:14-16). Foram envergonhados e atacados pelo espírito maligno, demonstrando que o uso do nome de Jesus sem relacionamento com Ele é inútil.

Esses exemplos mostram claramente que operar sinais e milagres ou até mesmo falar verdades espirituais não é garantia de salvação. O que importa é ser conhecido por Cristo — "... se alguém ama a Deus, esse é conhecido por ele" (1 Coríntios 8:3).

3) Em terceiro e último lugar, confrontemo-nos com a terrível declaração: "Nunca vos conheci"

Cristo, o juiz, declara abertamente nunca ter tido amor ou afeição por aqueles que, apesar de suas obras em Seu nome, praticavam a iniquidade. Essa iniquidade pode residir em fazer a obra do Senhor enganosamente, pregando a si mesmos e buscando seus próprios interesses — "Evitem praticar as suas obras de justiça diante dos outros para serem vistos por eles" (Mateus 6:1,2) evidencia que a intenção do coração não pode ser mascarada por obras superficiais.

A ausência da presença de Cristo é o próprio inferno, demonstrando que sem um relacionamento genuíno com Ele, não há verdadeira luz ou vida — "Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha" (Mateus 12:30) reforça o perigo da separação espiritual.

O teste final não são as aparências externas ou os feitos realizados, mas sim a realidade íntima do coração e a genuína busca pela justiça e santidade — "...o Senhor não vê como o ser humano vê. O ser humano vê o exterior, porém o Senhor vê o coração" (1 Samuel 16:7).

John Wesley, parafraseando sobre o verso 23, diz: “nunca houve um tempo que eu o aprovasse; por mais que eles tenham salvado tantas almas, eles próprios nunca foram salvos de seus pecados. Senhor, é o meu caso?”.

John Gill explica que o "conhecer" de Cristo implica afeição e aprovação. Ele também oferece uma interpretação do talmud da frase "Eu nunca te conheci" como significando que Cristo não os admitiria em Sua presença e glória. Gill ainda contextualiza a "iniquidade" praticada por essas pessoas não necessariamente como pecados abertos, mas como fazer a obra do Senhor enganosamente, buscando seus próprios interesses em vez da glória de Cristo.

Aplicação 

• Não confiar apenas na profissão verbal de fé: Meramente chamar Jesus de "Senhor, Senhor" não garante a salvação. É essencial que essa declaração seja acompanhada de um amor sincero por Cristo e uma fé verdadeira nele. Como Paulo esclarece, ninguém pode dizer "Senhor Jesus", senão pelo Espírito Santo. Não podemos confiar na nossa ortodoxia se não há ortopraxia!

• Examinar a motivação por trás do serviço cristão: Mesmo aqueles que pregam, expulsam demônios ou realizam milagres em nome de Cristo podem ser excluídos do reino dos céus se seus motivos forem impuros, buscando agradar aos homens, engrandecer a si mesmos ou promover seus próprios interesses em vez da glória de Cristo. A ênfase deve estar no próprio Cristo e no que Ele fez, e não apenas no que nós fazemos em Seu nome. Pregadores devem ser fieis dispensadores da palavra, buscando a glória de Deus e não a sua própria.

• Desconfiar de evidências superficiais de salvação: Não devemos nos iludir com o fervor emocional ou com a realização de obras impressionantes como garantia de salvação. O fervor pode ser meramente carnal. O poder de realizar milagres ou expulsar demônios pode ser concedido mesmo àqueles que não têm uma fé genuína. O próprio Judas Iscariotes tinha poder para expulsar demônios, mas se perdeu. Devemos alegrar-nos não pelos resultados aparentes, mas por termos o nosso nome escrito nos céus.

• Buscar genuína retidão e santidade: A verdadeira fé em Cristo se manifesta em fazer a vontade do Pai, o que implica uma vida de obediência evangélica e busca por santidade. Coisa alguma tem valor diante de Deus, exceto a verdadeira retidão. Qualquer coisa diferente disso, será como um “Senhor, Senhor!”. Se a nossa ideia de justificação pela fé não incluir a busca pela santificação, então não é o ensino bíblico.

• Aplicar testes de caráter e natureza interior: Em vez de focar apenas nas aparências externas, devemos examinar o caráter interior, buscando os sinais distintivos de um verdadeiro crente, como humildade, mansidão e fome e sede de justiça, conforme ensinado no Sermão do Monte.

• Reconhecer o perigo do autoengano: A auto decepção sobre a nossa salvação geralmente ocorre quando dependemos de falsas evidências. É crucial enfrentar honestamente essa verdade e buscar em Cristo a verdadeira fome e sede de justiça. No dia do juízo, haverá muitas surpresas, com pessoas que foram louvadas neste mundo sendo excluídas do reino.

21 janeiro 2025

[Exposição] A Parábola do Filho Pródigo | Lucas 15:11-32

A parábola do filho pródigo, encontrada em Lucas 15:11-32, é uma das mais ricas narrativas bíblicas, abordando temas como arrependimento, perdão, misericórdia, influência do mundanismo e a natureza do pecado. A parábola apresenta um pai com dois filhos, onde o filho mais novo pede sua parte da herança, sai de casa e a desperdiça, enquanto o mais velho permanece ao lado do pai, trabalhando para ele.

A parábola pode ser utilizada como uma ilustração da condição humana e da influência da cultura mundana na vida das pessoas. A análise desta história destaca como a cultura pode seduzir e afastar os indivíduos dos princípios e valores estabelecidos, levando-os a caminhos de sofrimento e desilusão. O estudo desta parábola revela pontos cruciais para a compreensão da relação entre o indivíduo, a cultura e a busca pela restauração.

1. A Sedução da Cultura e o Afastamento do Lar (Lucas 15:11-13)

O filho mais novo, movido pelo desejo de viver segundo sua própria vontade, pede ao pai a parte da herança que lhe cabe. Esse ato demonstra um anseio por independência e uma busca por satisfação pessoal, que o leva a se afastar da autoridade e da presença do pai. O filho, acreditando que estava perdendo o melhor da vida por estar na casa do pai, optou por deixar o conforto e a segurança da casa de seu pai para viver de acordo com seus próprios desejos e prazeres.

O pai, embora possa se sentir ofendido, atende ao pedido do filho e divide seus bens entre eles. Essa atitude revela a liberdade que Deus concede ao ser humano, permitindo que ele siga seu próprio caminho, mesmo que esse caminho o leve para longe dEle.

Em seguida, o filho mais novo junta tudo o que é seu e parte para uma terra distante, onde vive de forma dissoluta e desperdiça todos os seus bens. É como se ele tivesse dito: “Pai, permita que eu viva como quiser e possa fazer o que considerar bom”. Esse desejo de fazer o que lhe agrada é a origem de todos os males e inconveniências do mundo, pois as pessoas se recusam a viver de acordo com a vontade de Deus.

Chamo a atenção para um detalhe que poucos percebem: na parábola, não foi o diabo quem causou a partida do filho pródigo, mas sim a sedução da cultura. Satanás não aparece em nenhum momento nessa história. O próprio jovem queria partir, pegar o dinheiro, correr e viver a vida ao máximo. Por quê? Em contradição com o governo da casa de seu pai, a atração pela cultura e tudo o que ela tinha a oferecer seduziu o filho a se afastar. O filho deixou sua casa para aproveitar e gastar seu dinheiro em tudo o que a cultura podia lhe oferecer. O filho não conhecia a diferença entre liberdade e libertinagem até que deixou o pai, "desperdiçou seus bens vivendo dissolutamente" (em festas) e, em seguida, se viu sozinho, sem recursos, trabalhando em um chiqueiro, passando fome.

Essa decisão do filho mais novo é vista como uma busca por liberdade, mas que, na verdade, se transforma em libertinagem. O filho deseja viver "a sua plenitude", mas, ao se afastar do governo da casa de seu pai, ele se entrega aos prazeres mundanos oferecidos pela cultura, que se mostram vazios, vãos e insípidos.

Essa busca por satisfação pessoal, fora do contexto dos princípios estabelecidos, leva o filho a desperdiçar seus bens em festas e a se encontrar sozinho e sem recursos. Esse ponto ressalta como a cultura, com suas atrações e promessas de felicidade, pode desviar o indivíduo de seu verdadeiro propósito e levá-lo à ruína.

2. O Sofrimento do Filho Pródigo (Lucas 15:14-19)

Após dissipar todos os seus bens, o filho pródigo enfrenta uma grande fome na região e começa a passar necessidades. A experiência da miséria e da fome o leva a trabalhar como guardador de porcos, uma ocupação considerada degradante para um judeu. Essa situação ilustra as consequências do pecado e do afastamento de Deus, onde o prazer inicial se transforma em vazio e sofrimento. Quando os chamados “amigos” não estão disponíveis nos momentos difíceis, e o melhor que se pode encontrar para comer é uma vagem de alfarroba, você está apenas existindo, não vivendo.

Diante de tamanha adversidade, o filho pródigo "caiu em si" e reconheceu a insensatez de suas escolhas. O sofrimento, a fome e a proximidade da morte por inanição levam o filho a "voltar em si" e reconhecer sua condição miserável. Ele lembra que, na casa de seu pai, até os trabalhadores têm pão com fartura, enquanto ele está à beira da morte por fome. Erasmo de Roterdã afirma que é esse "sofrimento feliz" que obriga uma pessoa a voltar a si, sendo o primeiro passo para a salvação.

O filho decide, então, retornar para casa e pedir perdão ao pai, reconhecendo que não é mais digno de ser chamado filho. William Cowper afirma que o arrependimento segue o curso contrário do pecado. O arrependimento segue o curso contrário do que as pessoas fazem quando estão em pecado. Desse modo, Crisóstomo cita as ações dos sábios magos, que quando foram para casa tomaram um caminho diferente daquele que usaram para chegar ao campo (Mateus 2:1-12).

Podemos observar em todas as pessoas arrependidas que elas voltam para o Senhor de outra maneira e não da mesma forma que o deixaram. Como disse William Cowper: “Se vocês se afastarem do Senhor com raiva ou ódio, voltem para ele com humildade e amor. Se vocês pecaram com falta de moderação, voltem controlados. Se pecaram com cobiça, tirando de outras pessoas o que não deveriam, façam a restituição como Zaqueu”. O filho se humilha e decide confessar o seu pecado, um reconhecimento essencial para a restauração do relacionamento com o pai.

3. O Retorno do Filho e a Reação do Filho Mais Velho (Lucas 15:20-32)

O pai, vendo o filho ainda longe, corre ao seu encontro, abraça-o e o beija. Este gesto demonstra o amor incondicional e a misericórdia de Deus, que perdoa completamente os pecados daqueles que se arrependem. O pai não espera que o filho complete sua confissão, mas o recebe com alegria e afeto.

O retorno do filho à casa do pai é descrito como um momento de graça e restauração. O pai o recebe com alegria, demonstra seu amor e perdão, e o restaura à sua posição familiar. Esse acolhimento simboliza a misericórdia divina, que está sempre disponível para aqueles que se arrependem e retornam ao lar.

O pai ordena que seus servos tragam as melhores vestes, um anel e sandálias para o filho, símbolos de sua restauração e aceitação na família. Além disso, mandou matar o novilho cevado para celebrar o retorno do filho que estava morto e reviveu, perdido e foi achado. Obadiah Sedgwick ressalta que, enquanto o filho pensa em seus pecados, o pai pensa na misericórdia e na compaixão.

O filho mais velho, que estava no campo, ao ouvir a música e as danças, fica indignado e se recusa a entrar em casa. Sua reação revela inveja e ressentimento, mostrando que seu serviço ao pai era motivado por obrigação, não por amor genuíno. Ele não consegue se alegrar com a restauração do irmão, evidenciando sua falta de compaixão e humildade.

O pai, em vez de repreender o filho mais velho, sai ao seu encontro para persuadi-lo a entrar e participar da celebração. O pai reafirma que tudo o que é dele também é do filho mais velho. João Calvino argumenta que não há motivo para o filho mais velho se irar, pois nada lhe é tirado quando Deus recebe um pecador de volta.

O pai explica que era necessário celebrar a volta do filho que estava morto e reviveu, perdido e foi achado. Essa explicação finaliza a parábola, enfatizando a importância da alegria e da celebração do arrependimento e da restauração, além de convidar o filho mais velho a abandonar a sua atitude de auto-justiça e a participar da alegria do Pai.

4. A Cultura do Cristianismo como Contraponto à Cultura Mundana

O relato do filho pródigo que saiu da casa do pai para se entregar aos prazeres mundanos, por causa da influência de uma cultura individualista, egocêntrica e irresponsável não é um caso isolado. Na Bíblia há muitos exemplos negativos do povo de Deus desejando ser igual ao mundo.

Os anciãos de Israel, ao pedirem um rei, demonstraram que desejavam ser semelhantes às nações ao seu redor, em vez de seguir o modelo único que Deus havia estabelecido para eles. Eles queriam um rei que os liderasse em batalhas e governasse como os outros reinos. Isso é evidenciado em 1 Samuel 8:5: “Tu já estás idoso, e teus filhos não andam em teus caminhos; escolhe agora um rei para que nos lidere, à semelhança das outras nações”. A motivação por trás desse pedido era o desejo de se conformar com as práticas das outras nações, em vez de confiar na liderança divina.

Um outro exemplo notável desse padrão é encontrado na história do rei Roboão, filho de Salomão, que optou por seguir o conselho dos seus jovens amigos que eram da mesma idade, ou seja, imaturos e inexperientes, em vez do conselho dos anciãos de Israel (2 Crônicas 10). O rei Roboão nos ensina que nem todo conselho é válido, mesmo que venha de pessoas próximas ou de nossa confiança. Precisamos buscar orientação de pessoas sábias, experientes e espiritualmente fundamentadas.

E o que dizer de Sansão? A história de Sansão é um exemplo de como as influências externas e os desejos pessoais podem levar à queda de um servo de Deus. Casou-se com uma estrangeira (Juízes 14) e teve um caso com uma prostituta e logo em seguida teve mais outro caso, desta vez com Dalila, a responsável por sua queda (capítulo 16). Apesar de seu chamado e dons, Sansão não conseguiu viver de acordo com o propósito de Deus para sua vida (Juízes 13 a 16).

Podemos utilizar a parábola do filho pródigo para diferenciar a cultura mundana com a cultura do cristianismo. A parábola ensina que, ao nascer de novo espiritualmente, o indivíduo renasce dentro da cultura do cristianismo, que oferece um padrão de vida mais elevado do que o da cultura natural.

Como cristãos, devemos criticar a cultura atual, que promove a imoralidade, a falta de respeito à autoridade, a desobediência aos pais e a irresponsabilidade pessoal. Os cristãos devem resistir à sedução da cultura mundana e viver de acordo com os princípios da fé.

Conclusão

A análise da parábola do filho pródigo destaca a importância de reconhecer a má influência de uma cultura mundanizada na vida das pessoas. A parábola, vista sob essa perspectiva, não é apenas uma história sobre um filho que se perde e retorna, mas também uma ilustração da luta entre a cultura mundana e a cultura do cristianismo. A cultura do mundo, com suas promessas e seduções, pode afastar os indivíduos de Deus e de seus princípios. No entanto, ressaltamos a importância do arrependimento e da restauração, oferecidos pela graça divina, que permite aos indivíduos retornarem ao "lar do Pai", superando as armadilhas da cultura mundana.



31 março 2024

[Exposição] Além do Túmulo | Lucas 24:1-12

Ao lermos a narrativa bíblica da crucificação e as últimas horas do Salvador na cruz, nossos corações se enchem de tristeza. Com enorme dificuldade, Jesus luta para encher seus pulmões com ar suficiente para declarar: "Está consumado!". E então, entrega sua vida.

Sendo judeu, era crucial que seu corpo fosse retirado da cruz e sepultado antes do pôr do sol. Nicodemos e José de Arimatéia obtiveram permissão de Pilatos para realizar tal tarefa. Eles colocaram o corpo de Jesus em um novo túmulo pertencente a José. A entrada do túmulo foi então selada com uma pedra e, posteriormente, um selo romano foi aplicado, com soldados romanos encarregados de vigiar o local.

Ele salvou outros, mas não pôde salvar a si mesmo. Realizou grandes milagres para o bem de muitos, mas agora jazia inerte na morte. Seus discípulos vagavam pelas ruas, chorando e lamentando: "Está tudo acabado. Ele está morto".

Mas a morte não o deteria! Um túmulo de pedra não poderia aprisionar o poderoso Cristo. Um dia se passa, depois outro, e então, uma manhã chega! E chegou a manhã do terceiro dia, num domingo.

Ao amanhecer, algumas mulheres que o amavam dirigiram-se ao túmulo. Para sua grande surpresa, a pedra havia sido removida. Elas correram para o local, temerosas de que alguém tivesse profanado o túmulo de seu Salvador e roubado seu corpo. No entanto, elas encontraram dois anjos com uma mensagem de grande importância: "Por que buscais o vivente entre os mortos? Não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos como vos falou, estando ainda na Galiléia" (Lucas 24:5-6). Era, portanto, uma mensagem que proclamava a vida após a morte!

Esta é a maior mensagem já compartilhada com o mundo: Jesus está vivo! Pois a morte não o deteve! O túmulo está vazio e Jesus vive! Então, nos quarenta dias subsequentes, ele se manifestou em seu corpo ressuscitado diversas vezes para seus amigos. Depois, ele ascendeu ao céu e está lá hoje! Servimos a um Salvador ressuscitado! Não adoramos um Deus morto, mas sim um Deus que vive! Vejamos então, algumas lições disso:

1) A Prova de Vida

As Escrituras Sagradas narram os relatos de diversas pessoas que presenciaram a ressurreição de Jesus Cristo. Ele apareceu a Maria Madalena, que pensou que Ele era o jardineiro em Marcos 16:9. Ele apareceu às outras mulheres em Mateus 28:9. E apareceu aos discípulos no caminho de Emaús em Lucas 24:15. Ele apareceu a Simão Pedro (1 Coríntios 15:5). Ele apareceu aos discípulos sem a presença de Tomé em João 20:26. Apareceu aos onze apóstolos no cenáculo em Lucas 24:36. Ele apareceu no mar da Galiléia em João 21:1. De acordo com 1 Coríntios 15:7, Ele apareceu aos quinhentos irmãos. Ele apareceu a Tiago (1 Coríntios 15:7) e apareceu novamente aos onze em Sua ascensão em Lucas 24:50. Todos foram testemunhas oculares da ressurreição de Cristo, não há dúvida sobre isso!

A mudança na vida dos discípulos é outra prova. Antes da ressurreição, eles morriam de medo das autoridades romanas. Pois, Jesus os encontrou amontoados no cenáculo, temendo por suas vidas. Mas quando viram que Jesus havia vencido a morte, souberam que Ele nunca os decepcionaria.

Saíram com uma nova ousadia e força que não puderam ser superadas com as ameaças das autoridades. Eles conheceram o poder da ressurreição e mudaram seu mundo proclamando a mensagem da vida além do túmulo!

A influência contínua de Cristo no mundo é outra prova irrefutável de sua ressurreição. Saulo, o implacável perseguidor de cristãos, se converteu em Paulo, o grande apóstolo e pregador do Evangelho. Simão Pedro, que negou Jesus por três vezes, se tornou um poderoso proclamador da fé, levando milhares de pessoas a Cristo. Homens e mulheres que antes viviam em vícios e pecados se transformaram em missionários e servos dedicados, tudo por causa do poder transformador da ressurreição de Jesus Cristo. As incontáveis ​​evidências demonstram que Jesus Cristo de fato ressuscitou dos mortos, impactando e transformando o mundo para sempre.

2) A Verdade da Vida

As Escrituras Sagradas proclamam a verdade incontestável das palavras de Cristo. Ele afirmou ser Deus, e na sua ressurreição, essa verdade se manifestou com poder inigualável. Ele proclamou ser o cumprimento das profecias, o Messias com domínio sobre a vida e a morte, e sua ressurreição selou essa promessa com o triunfo final.

As palavras de Jesus, por mais estranhas e maravilhosas que fossem, se mostraram verdadeiras em sua ressurreição. Sua promessa de reconstruir o templo em três dias (João 2:19), sua oferta de vida eterna aos que nele confiam (João 10:28) – tudo se cumpriu na Sua morte e ressurreição e se cumprirá na grandiosidade da ressurreição futura de todos nós.

Ao contrário de outros líderes religiosos, que jazem em seus túmulos, Jesus vive! Vá ao túmulo de Maomé, de Confúcio, do Buda ou qualquer outro líder religioso, e você encontrará apenas a morte e restos mortais. Mas no jardim do sepulcro de Jesus, a mensagem ecoa: "Ele não está aqui, ele ressuscitou!".

O mundo, em sua visão limitada e distorcida da Páscoa, insere elementos estranhos como coelho e ovo, porém é notório que o mundo se concentra na imagem de um Jesus ensanguentado, morto e crucificado, ano após ano, como se repetisse a sua morte, num luto que se repete anualmente. Pessoas em procissões carregando cruzes, focando nos sofrimentos de Cristo e na sua morte, e apenas isso. Mas a verdadeira Páscoa, a que as Escrituras revelam, celebra um Deus vitorioso sobre a morte! Sim, Ele morreu, mas morreu uma única vez “pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus, morto, sim, na carne, mas vivificado no Espírito [...] o qual, depois de ir para o céu, está à destra de Deus…” (1 Pedro 3:18,22). Sua ressurreição nos garante a promessa de vida eterna, a vitória sobre a morte e a redenção completa no mundo vindouro. Nós cristãos temos o verdadeiro motivo para celebrar: A verdadeira Páscoa celebra a vitória de Jesus sobre a morte.

A cruz está vazia! O túmulo está vazio! Precisamos de um Salvador vivo que nos auxilie nos fardos da vida, que nos ofereça esperança quando tudo parece perdido e que interceda por nós diante de um Deus justo e santo. E esse Salvador é Jesus Cristo, ressuscitado e vitorioso!

3) O Chamado da Vida

A ressurreição de Jesus Cristo não é apenas um evento histórico, mas um chamado à mudança de vida. Ela nos convida a sairmos do pecado e viver uma vida nova em Cristo. Para o crente nascido de novo, todo domingo, Dia do Senhor, é Páscoa. A cada domingo, celebramos a vitória de Jesus sobre a morte e somos lembrados de que também podemos ressuscitar para uma vida nova, livre do pecado.

A ressurreição nos convida a darmos as costas ao pecado e vivermos uma vida santa. Jesus nos ensinou que devemos nos lembrar de seu sacrifício ao participar da Santa Ceia. Veja o que o apóstolo Paulo diz:

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Coríntios 11:23-26).

Ao celebrarmos a Ceia do Senhor, somos lembrados do preço que Ele pagou por nossos pecados e do nosso compromisso de viver uma vida que o honre. Sim, a páscoa foi substituída pela Ceia por Jesus Cristo, sinalizando uma nova aliança para remissão de pecados (Mateus 26:28).

A ressurreição também nos chama a uma vida de amor e serviço ao próximo. Jesus, após sua ressurreição, deu à sua igreja a missão de ir a todos os lugares e proclamar as boas novas da salvação.

Embora nem todos possam pregar ou ir a campos missionários, todos nós somos chamados a compartilhar a mensagem de Jesus com aqueles que nos rodeiam. Podemos falar sobre o amor de Deus e a sua salvação em qualquer lugar e a qualquer hora.

A ressurreição de Jesus Cristo é um evento histórico que nos transforma e nos convida a viver uma vida nova. Que sejamos motivados por este amor e poder a abandonar o pecado, celebrar a vida eterna e compartilhar a mensagem de Jesus com o mundo.

Conclusão

Você conhece o poder da ressurreição de Jesus Cristo? Você aceitou pessoalmente a Sua obra consumada no Calvário como pagamento pelo seu pecado?

Se você morresse, você sabe ao certo onde passaria a eternidade? Você pode conhecê-lo hoje! O convite de hoje é para você vir e receber a Cristo. Em Cristo temos esperança de vida eterna. Sua vitória sobre a morte garante a nossa.

Todos os anos o mundo está de luto. É assim que os ímpios retratam a páscoa. Mas a morte de Jesus não se repete. Não há luto para o cristão! Há vida para nós além do túmulo! A ressurreição de Jesus Cristo, nosso cordeiro pascal (1 Coríntios 5:7), é a base da fé cristã. Ela nos revela um Deus poderoso, amoroso e vitorioso, que nos oferece a oportunidade de ter vida eterna. Que essa verdade fortaleça nossa fé a cada dia! E que, diferente do mundo, possamos declarar que o túmulo está vazio, que a cruz está vazia. Até a Morte morreu na Morte de Cristo e que agora o que temos é Jesus vivo, reinando, onde agora podemos ter vida eterna, longe de tudo que cheire a morte. Essa é a mensagem da cruz. Essa é a mensagem da nossa páscoa!


18 janeiro 2024

[Exposição] Hoje é o Dia da Salvação! | 2 Coríntios 6:1,2

E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também exortamos a que vocês não recebam em vão a graça de Deus. Porque ele diz: “No tempo aceitável escutei você e no dia da salvação eu o socorri.” Eis agora o tempo oportuno! Eis agora o dia da salvação! - 2 Coríntios 6:1,2 


Um certo comentarista bíblico conta uma história de um pastor que estava conversando com uma moça que insistia que tinha tempo de sobra para tomar uma decisão por Cristo. Então, o pastor lhe deu uma folha de papel e perguntou: “você assinaria uma declaração de que está disposta a adiar sua salvação por um ano?”. Ela respondeu que não. “E que tal 6 meses?”. Novamente respondeu que não. “Um mês?” A moça hesitou, mas respondeu “não” outra vez. Daí, ela começou a perceber sua insensatez de sua argumentação, pois a garantia da oportunidade de salvação era apenas “para o dia de hoje”. O comentarista bíblico termina esta história dizendo que aquela moça entregou sua vida a Jesus sem demora. 

O apóstolo Paulo, autor desta carta, nos faz perceber a urgência desta mensagem aos ouvintes para que não venham a procrastinar em acertar as coisas com Deus. Muitas pessoas, embora tenham ouvido o evangelho e estejam cientes de sua necessidade de salvação, ainda assim adiam sua decisão para amanhã ou talvez algum outro dia.

O contexto em que se encontram esses versos pertencem ao assunto sobre a reconciliação, tema iniciado em 5:18 com seu ápice no verso 20. E a urgência desse ministério reconciliador é indicado na necessidade que o apóstolo teve de dar a entender à igreja de Corinto, que até mesmo eles poderiam ter acolhido essa graça reconciliadora em vão. A igreja de Corinto foi resultado do trabalho do próprio Paulo. Eles poderiam ter ouvido e compreendido a mensagem para então decaírem de seus elevados privilégios; ou poderiam ter deixado de ouvir com coração reto, ficando aquém do alvo do evangelho desde o princípio.

Paulo havia mostrado, em 5:17, que a reconciliação leva o indivíduo a uma completa transformação de seu ser. Portanto, até mesmo à igreja local de Corinto ele conclamou à reconciliação com Deus (verso 20), embora sem dúvida Paulo cresse que já se encontrava nesse estado por longo tempo. Porém, uma vez que lhes faltava evidência sólida da transformação, é possível que lhes faltasse ou tivessem perdido a graça da reconciliação.

Esse é o sentido quando Paulo diz que “vocês não recebam a graça de Deus em vão”. Literalmente, o que Paulo quer dizer é isso: “peço com insistência para vocês receberem essa graça e a fazerem alguma com ela”. Ou seja, receber a graça e viver na graça.

Paulo usa o termo “vão”. No grego, “vão” é kenós, que significa “sem conteúdo”, “vazio”, “sem base”, “sem poder”, “sem resultado”, “sem proveito”, “sem efeito”. Isso pode significar que a graça pode ser recebida, e que nela se pode permanecer, mas que, mais tarde, ela pode vir a ser ignorada, e assim, o intuito que ela tinha por propósito cumprir, acaba se perdendo. Então a admoestação de Paulo, nesse caso, é a “reconciliação”, conforme o texto inteiro nos mostra.

Ele cita Isaías 49:8 para mostrar que a era prometida da salvação, feita aos judeus do passado, agora chegou e que por isso os cristãos devem viver de acordo com os seus princípios. Agora é o tempo favorável. Ele quer dizer que “Hoje é o tempo aceitável”. “Agora estamos vivendo nesta nova era em que a salvação e a reconciliação são realidades presentes”.

Daí o tema do nosso sermão é “Hoje é o Dia da Salvação!”. E para aceitar a oferta de salvação ou para aceitar a oferta de reconciliação, precisamos fazer uma pergunta: por que eu devo aproveitar esta oportunidade de salvação? Porque ela é tão urgente e a minha resposta precisa ser imediata? Para responder a esta pergunta, precisamos entender 3 fatores que nos ajudam a assimilar a urgência da salvação ser obtida hoje, neste tempo oportuno.

1) Devemos aceitar a salvação hoje por causa do nosso pecado

A Bíblia afirma que todos os homens estão em pecado, ou seja, em rebelião contra Deus. E por causa dessa rebelião, Deus irá agir com justiça condenando aquele que se encontra em rebelião.

Deus não ignora o pecado e nem o pecador: “Está perto o grande Dia do Senhor; está perto e vem chegando depressa. Atenção! O Dia do Senhor é amargo, e nele clamarão até os poderosos. Aquele dia será um dia de ira, dia de angústia e tribulação, dia de ruína e destruição, dia de trevas e escuridão, dia de nuvens e densas trevas, dia de toque de trombeta e gritos de guerra contra as cidades fortificadas e contra as torres altas. Trarei angústia sobre as pessoas, e elas andarão como se estivessem cegas, porque pecaram contra o Senhor. O sangue dessas pessoas será derramado como pó, e a sua carne será espalhada como esterco. Nem a prata nem o ouro poderão livrá-las no dia da ira do Senhor, mas, pelo fogo do seu zelo, a terra será consumida. Porque ele certamente fará destruição total e repentina de todos os moradores da terra" (Sofonias 1:14-18).

A Palavra de Deus descreve o pecado humano de três formas distintas:

1- O pecado é uma dívida. Uma omissão em fazer o que era nossa obrigação. Se alguém contraiu uma dívida, deve efetuar o pagamento.

2- O pecado é um sinal de inimizade. Quando pecamos contra Deus, rompemos esse relacionamento. Se há inimizade em um relacionamento, se ele foi violado, deve ser restaurado.

3- O pecado é tratado como um crime contra Deus, uma ofensa à sua santidade, uma transgressão da sua Lei. Se houve crime, temos que lidar com as sanções penais.

A Palavra de Deus diz que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3:23). Mas o que é pecado? “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei” (1 João 3:4).

Portanto, os homens precisam ouvir que são pecadores e que precisam ser libertos do pecado hoje mesmo. O alerta é que não devemos adiar o tempo de buscar o Salvador que pode nos libertar do pecado.

Como é terrível o pecado! A quebra da Lei de Deus se tornou normativo entre os homens. Os homens possuem outros deuses além do único Deus vivo e verdadeiro; os homens adoram a objetos sem vida; têm seus corações voltados para outras coisas e não para Deus; possuem amor à avareza, ao dinheiro, aos prazeres e luxúrias da vida; fazem mau uso do nome de Deus; não busca a santidade de vida; não honram os pais, são assassinos, são roubadores, proferem mentiras e difamam contra o próximo; são cobiçadores e desejam ardentemente ter o que os outros têm de forma ilícita…etc.

O pecado é horrível. Observe como o apóstolo Paulo retrata o pecador que está distante de Deus:

Como está escrito: "Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus. Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua enganam, veneno de víbora está nos seus lábios. A boca, eles a têm cheia de maldição e amargura; os seus pés são velozes para derramar sangue. Nos seus caminhos, há destruição e miséria; eles não conhecem o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos" (Romanos 3:10-18).

Thomas Watson, um pregador e autor puritano inglês que viveu no século XVII, em seu livro “A Malignidade do Pecado”, vai dizer que o pecado é capaz de abater o homem na estima sobre Deus, abate o homem em seu intelecto, abate o homem na aflição, abate em melancolia, abate o homem em males espirituais, abate o homem na tentação, no desespero…etc. O pecado é um verdadeiro abatedouro para o homem!

Por isso que estamos vivendo na melhor época para aceitar a oferta do evangelho, pois Jesus veio a o mundo. O Messias prometido veio e nos deixou a sua Palavra. A salvação está entre nós através do evangelho de Cristo! É chegada a hora! Chegou o momento apropriado! Chegou o dia da salvação, o dia que Deus pode nos socorrer e nos libertar da escravidão ao pecado!

2) Devemos aceitar a salvação hoje porque ela é oferecida a nós mediante Cristo

Uma vez que reconhecemos que somos pecadores, pelo que vimos no primeiro ponto, segue-se então o entendimento que necessitamos de um Salvador. O evangelho é a mensagem que fala de um Salvador que nos resgata de uma grande calamidade, na verdade, da maior calamidade que o homem sofrerá, a não ser que o homem faça uma única coisa: “...esperar dos céus o seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura” (1 Tessalonicenses 1:10).

Somos salvos pelo Senhor Jesus Cristo. Nenhum ser humano tem recursos, poder, dinheiro ou méritos para se salvar. O poder necessário para o resgate não está em nós. Ele vem de Deus. A salvação é em Jesus Cristo, nosso Senhor. Somente Cristo pode nos salvar.

O maior desafio para os homens é serem convencidos de que precisam de um salvador. Alguns homens até podem achar que estão em pecado. Alguns podem até concordar que estão vivendo uma vida depravada, ímpia, corrupta…, mas, ainda assim, eles podem dizer que não sentem que precisam de Jesus. Não precisam de uma igreja, não precisam de cristianismo.

Precisamos entender duas coisas: 1) Deus é santo. 2) O pecado é uma ofensa a Deus. Os homens podem até não gostar de pensar que não precisam de um salvador, mas a cruz e o cristianismo operam com base na premissa de que necessitamos desesperadamente de um salvador. Quem corre para Jesus tem paz com Deus e está livre de toda a condenação.

Vimos no primeiro ponto que a Palavra de Deus descreve o pecado humano de três formas distintas. Agora, observem como podemos ser salvos das três formas de pecado apresentadas:

1- O pecado é uma dívida. Uma omissão em fazer o que era nossa obrigação. Sendo impossível que os homens venham a pagar essa dívida, nossa única esperança de pagamento está em alguém que se comporte como “fiador”, uma “garantia” e a Bíblia apresenta Jesus Cristo como esse “fiador”, como nossa “garantia”: “Por isso mesmo, Jesus se tornou fiador de superior aliança” (Hebreus 7:22).

2- O pecado é um sinal de inimizade. Quando pecamos contra Deus, rompemos esse relacionamento. Desobedecemos porque temos uma hostilidade a Deus. Somos inimigos por natureza. Daí, precisamos de alguém para nos intermediar, alguém para nos reconciliar com Deus. Somente Jesus Cristo pode fazer esse papel de conciliador e mediador: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando a palavra da reconciliação. Portanto, somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por meio de nós. Em nome de Cristo, pois, pedimos que vocês se reconciliem com Deus” (2 Coríntios 5:17, comparar com 1 Timóteo 2:5,6).

3- O pecado é tratado como um crime contra Deus, uma ofensa à sua santidade, uma transgressão da sua Lei. O que cada ofensa, cada transgressão merece? Merece ser tratada com rigor. Como se paga por um crime? O crime de pecado contra Deus é penalizado com a morte. E encontramos na Palavra de Deus que Jesus veio exatamente para morrer por nós como pagamento pelo crime que cometemos contra Deus. “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6:23. comparar com João 3:16).

3) Devemos aceitar a salvação hoje porque ela muda nossa história

A finalidade da salvação é nos reposicionar diante de Deus como amigos, não mais como inimigos ou criminosos. O objetivo da Salvação em Jesus Cristo é de nos levar até Deus e permanecermos diante dEle, usufruindo das bênçãos provenientes dessa salvação.

Uma das bênçãos da salvação em Jesus Cristo é de estar na presença dEle. Foi o próprio Cristo que nos prometeu que nós um dia estaríamos em sua presença:

Que o coração de vocês não fique angustiado; vocês creem em Deus, creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu já lhes teria dito. Pois vou preparar um lugar para vocês. E, quando eu for e preparar um lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, vocês estejam também. E vocês conhecem o caminho para onde eu vou. Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou; não lhes dou a paz como o mundo a dá. Que o coração de vocês não fique angustiado nem com medo. Vocês ouviram que eu disse: "Vou e volto para junto de vocês” (João 14:1-4,27,28).

Outra grande bênção de ser salvo por meio de Jesus Cristo é que somos tratados como filhos adotivos de Deus. Deus nos adota em sua família!

Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque vocês não receberam um espírito de escravidão, para viverem outra vez atemorizados, mas receberam o Espírito de adoção, por meio do qual clamamos: "Aba, Pai". O próprio Espírito confirma ao nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo, se com ele sofremos, para que também com ele sejamos glorificados. Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós”. (Romanos 8:14-17).

Existe um elo forte entre a nossa adoção em Cristo e nosso futuro abençoado na glória e isso está expresso em 1 João 3:1-3: “Vejam que grande amor o Pai nos tem concedido, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece, porque não o conheceu. Amados, agora somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1 João 3:1,2).

Neste texto, temos as seguintes realidades de quem é salvo em Cristo:

1- Experimentamos o incomensurável amor de Deus.

2- Somos tratados como filhos de Deus em contraste com o mundo pois o mundo deixará de nos conhecer.

3- Somos tratados como forasteiros neste mundo O grande pastor Russel Shedd disse certa vez que estamos por aqui temporariamente. Pertencemos à família de Deus e nossa morada será nos céus.

4- No futuro, seremos iguais a Cristo quando formos para a glória.

Um trecho de um hino do Hinário Novo Cântico (108 - Aflição e paz) que expressa exatamente que aquele que aceitou a oferta de salvação de Jesus, vive feliz com Jesus apesar das aflições, vive feliz porque o seu pecado foi pago por Jesus e que por tudo isso anseia estar com Jesus:

Embora me assalte o cruel Satanás
E ataque com vis tentações;
Oh! Certo eu estou, apesar de aflições,
Que feliz eu serei com Jesus!

Meu triste pecado, por meu Salvador
Foi pago de um modo cabal!
Valeu-me o Senhor! Oh! Mercê sem igual!
Sou feliz, graças dou a Jesus!

A vinda eu anseio do meu Salvador!
Em breve virá me levar
Ao céu, onde eu vou para sempre morar
Com remidos na luz do Senhor!

Conclusão

Portanto, como escaparemos se negligenciarmos tão grande salvação? (Hebreus 2:1-4). Temos aqui mais duas ultimas palavras para meditarmos na mensagem que ouvimos.

A primeira meditação é para aqueles que se consideram crentes. O texto de 2 Coríntios 6:1 diz que não devemos receber a graça de Deus em vão. Nós estamos aqui, domingo após domingo, ouvindo o evangelho, participando da Ceia do Senhor. Porém, o apóstolo deixa claro que existe uma grande possibilidade de estarmos fazendo isso em vão, se nós estivermos desperdiçando esses meios de graça.

A segunda meditação é para aqueles que estão longe de Deus. O tempo está favorável a vocês, descrentes, porque o Dia da Salvação chegou. O Senhor está dando outra chance e não há um momento a perder, porque, conforme lemos: “Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo!” (Hebreus 10:31). Entenda que Deus tem um tempo aceitável para cada um aceitar Jesus como Salvador e torná-Lo o Senhor de sua vida, mas a paciência de Deus não durará para sempre.

Eis que agora é o tempo oportuno! Eis agora o dia da salvação!


22 outubro 2023

[Exposição] Despertem e Lembrem-se | 2 Pedro 1.12-21

A vida autêntica é a melhor defesa contra os falsos ensinamentos. Uma igreja em crescimento dificilmente se torna vítima de apóstatas e de seu cristianismo falsificado. No entanto, a vida cristã deve ser baseada na Palavra de Deus, pois ela está investida de autoridade. Para os falsos mestres, é fácil seduzir pessoas sem conhecimento da Bíblia, principalmente àqueles que desejam ter algum tipo de “experiências” com o Senhor. É perigoso edificar a fé somente sobre experiências subjetivas e ignorar a revelação objetiva.

Pedro trata da experiência cristã na primeira parte do primeiro capítulo (1-11) e na outra metade (12-21) vai abordar a revelação da Palavra de Deus. Seu objetivo é mostrar a importância de conhecer as Escrituras, a Palavra de Deus, e de se firmar inteiramente nela. O cristão que sabe em que crê e por que crê, raramente será seduzido por falsos mestres e por suas doutrinas errôneas. Pedro vai ressaltar a confiabilidade e durabilidade da Palavra de Deus fazendo um contraste entre as Escrituras e os homens, as experiências e o mundo.

Esta carta foi escrita aos cristãos da Ásia Menor, de acordo com 1 Pedro, no período de 67 dC, já no fim do reinado de Nero. É considerada uma “literatura de heresia”, ou seja, um dos livros do NT escrito para combater heresias. E talvez o tipo de heresia combatido nesta carta tenha sido o Gnosticismo¹ que já no séc 1 “rondava” círculos cristãos. Apesar das controvérsias, o autor é geralmente atribuído a Simão Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo (1.1), que foi testemunha ocular da transfiguração de Jesus e que o negou por 3 vezes.

No texto que lemos, percebemos a preocupação de Pedro em levar os seus leitores a um patamar de edificação espiritual que fosse seguro contra os falsos mestres. E esse patamar só seria alcançado mediante o “despertamento” e o constante “lembrete” das verdades recebidas, do verdadeiro ensino. Daí temos o tema: Despertem e Lembrem-se!

1) Os homens morrem, mas a Palavra vive (v. 12-15)

Sabemos que os apóstolos e profetas do Novo Testamento lançaram os alicerces da Igreja (Ef 2.20) através da pregação e do ensino, e nós, de gerações posteriores, edificamos sobre esses alicerces. No entanto, os homens não constituem a fundação. Jesus é a fundação (1Co 3.11). Ele é a pedra angular que dá coesão ao edifício (Ef 2.20). Se a Igreja deseja permanecer de pé, não pode ter sua base construída sobre homens; antes, deve ser edificada sobre Jesus Cristo.

Podemos perceber pelo menos três motivações que dão razão ao ministério de Pedro ao escrever esta carta.

1) Obediência às ordens de Cristo, “sempre estarei pronto” (verso 12). Jesus havia dito a ele que quando ele se convertesse, deveria fortalecer os irmãos (ver Lc 22.32). Estar sempre pronto é o contrário de viver em preguiça, uma vez que a preguiça leva à destruição eterna (Pv 13.4; 24.30-34) e ser diligente leva à glória eterna. Pedro tencionava lembrá-los sempre. Mesmo que haja o conhecimento e determinação, há a necessidade de motivação e exortação.

2) Esta lembrança era a coisa certa a fazer (verso 13). “Considero justo…”, ou seja, “creio que é correto e apropriado”. É sempre correto estimular os crentes e lembrá-los da Palavra de Deus.

3) Diligência (verso 15). A palavra que o apóstolo usa aqui é a mesma que usou os versos 5 e 10. Significa “apressar-se em fazer algo”, “ser zeloso em fazer algo”. Pedro sabia que iria morrer em breve (ver João 21.18), por isso, desejava cumprir suas responsabilidades espirituais antes que fosse tarde demais. Pedro tinha consciência que a brevidade do seu mandato, aumenta o peso da sua responsabilidade diante de seus leitores. Uma vez que não sabemos quando iremos morrer, deveríamos começar a ser diligentes hoje mesmo!

Qual era o objetivo de Pedro? A resposta encontra-se em duas palavras usadas nos versos 12, 13 e 15 - lembrados e lembranças. Pedro desejava gravar a Palavra de Deus na mente dos seus leitores a fim de que jamais se esquecessem dela. “Despertai-vos com essas lembranças” (verso 13). O termo “despertar” significa estimular, acordar.

Os leitores desta carta conheciam a verdade e eram até confirmados na verdade (verso 12), mas isso não garantiam que se lembrariam para sempre dela e que a aplicariam. É por isso que o Espírito Santo foi dado à igreja, entre outros motivos, para lembrar os cristãos das lições que o Senhor Jesus ensinou (João 14.26). Lembrem-se: os homens morrem, mas a Palavra de Deus permanece!

Se não tivéssemos a revelação escrita confiável, estaríamos à mercê da memória humana. Felizmente é possível sim depender da Palavra de Deus pois ela está escrita e continuará escrita até a vinda de Jesus Cristo. É através desta Palavra escrita que somos salvos (1Pe 1.23-25). É através desta Palavra escrita que somos nutridos por ela (1Pe 2.2). É através desta Palavra escrita que somos guiados e protegidos ao crer e obedecer.

2) As experiências passam, mas a Palavra permanece (v.16-18)

Dos versos 16 a 18 temos como tema central a transfiguração de Jesus Cristo. Esse relato encontramos em Mateus 17, Marcos 9 e Lucas 9. No entanto, esses autores não estavam lá presentes quando ela ocorreu. Mas Pedro estava lá. Pedro traz à memória sua experiência de ter presenciado aquele evento.

Importante ressaltar o uso da primeira pessoa no plural. Trata-se de uma referência a Pedo, Tiago e João, os únicos apóstolos que presenciaram a Transfiguração. E serve para autenticar o testemunho apostólico, pois o evento descrito não foi visto apenas por Pedro. E também serve de testemunho para não acusar Pedro de ter criado essa “fábula engenhosa”. E cabe uma pergunta aqui: qual o significado da Transfiguração?

1) Confirmou o testemunho de Pedro acerca de Jesus Cristo (ver Mt 16.13-16). Pedro viu o Filho em sua glória e ouviu o Pai dizer do céu: “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (2 Pe 1.17).

2) A Transfiguração teve um significado especial para Jesus Cristo, que se aproximava do Calvário. Foi a forma do Pai fortalecer o Filho para a provação terrível de ser sacrificado pelos pecados do seu povo. A Transfiguração foi prova de que, quando estamos dentro da vontade de Deus, o sofrimento conduz à glória.

3) Mensagem relacionada ao Reino prometido. Note que para cada relato da Transfiguração em Mateus, Marcos e Lucas, o relato começa com uma declaração sobre o Reino de Deus. Jesus prometeu que antes de morrerem, alguns discípulos veriam o Reino de Deus em poder (ver Mateus 16.28, Marcos 9.1, Lucas 9.27). E isso se cumpriu no monte da transfiguração.

Agora podemos entender porque Pedro usa esse acontecimento: para refutar falsos ensinos que dizia que o Reino de Deus nunca viria (ver 2 Pe 3.3 em diante). Daí Pedro apresenta um resumo do que viu e ouviu no monte da transfiguração. Viu a glória de Jesus e ouviu o testemunho do Pai sobre o Filho.

Nós não testemunhamos pessoalmente a Transfiguração, mas Pedro estava lá e apresenta um registro preciso de sua experiência na sua carta. As experiências passam, mas a Palavra de Deus permanece. As experiências são subjetivas, mas a Palavra de Deus é objetiva. As experiências podem ser interpretadas de diferentes formas pelos participantes, mas a Palavra de Deus apresenta uma única mensagem clara. As memórias de nossas experiências podem ser distorcidas inconscientemente, mas a Palavra de Deus não muda e permanece para sempre.

Ao lembrar da Transfiguração, Pedro afirma várias doutrinas importantes da fé cristã. Declara que Jesus Cristo é o Filho de Deus, da Sua Divindade. Declara a obra que Jesus Cristo veio fazer na terra, sua morte e ressurreição, trazendo redenção dos pecadores. Declara a veracidade das Escrituras, pois a Lei e os Profetas (Moisés e Elias) apontavam para Jesus Cristo (Hb 1.1-3). Declara a realidade do Reino de Deus, que o sofrimento conduziria à glória e que a cruz resultaria na sua coroação.

Pedro não pôde dividir essa experiência conosco, mas registrou essa experiência para que o tivéssemos gravado permanentemente na Palavra de Deus. Não é possível reproduzir essa experiência, porém temos o relato que nos devem conduzir à reflexão e meditação.

3) O mundo escurece, mas a Palavra resplandece (v.19-21)

O mundo tem-se deteriorado a cada nova geração. O mundo está mergulhado em trevas e isso não deveríamos nos espantar. Jesus advertia seus ouvintes que a igreja seria alvo de impostores que ensinariam falsas doutrinas (Mt 7.13-29), Paulo faz uma alerta semelhante aos presbíteros de Éfeso (At 20.28-35) e também em suas cartas (Rm 16.17-20; 2Co 11.1-15; Gl 1.1-9; Fp 3.17-21; Cl 2; 1Tim 4; 2Tm 3-4) e até mesmo João faz esse tipo de advertência (1Jo 2.18-29; 4.1-6). Ou seja, temos admoestações claras de que o mundo moral, espiritual, só iria de mal a pior e que afetaria a Igreja.

O mundo só escureceria cada vez mais, e a Palavra de Deus resplandeceria cada vez mais. Pedro faz três declarações acerca dessa Palavra:

É a Palavra confirmada (verso 19a). A experiência de Pedro no monte da transfiguração foi real e o registro bíblico é confiável. A Transfiguração foi uma demonstração da promessa da Palavra profética e hoje essa promessa é ainda mais certa por causa do que Pedro experimentou. A Transfiguração confirmou as promessas proféticas. Os apóstatas tentariam desacreditar a promessa da vinda de Cristo, mas as Escrituras são fiéis. A promessa do Reino foi reafirmada por Moisés, por Elias, pelo próprio Jesus Cristo e pelo Pai. E o Espírito Santo registrou essa verdade para ser lida para a sua Igreja. Pedro faz um tributo à validade das Escrituras, onde elas são mais dignas de crédito do que uma voz ouvida do céu. Aqui temos uma censura aos falsos mestres que, indo além das Escrituras, criam de forma artificial, teorias místicas. A experiência pela qual Pedro passou deu certeza da realidade futura.

“O testemunho do Senhor é fiel” (Sl 19.7). “Fidelíssimos são os teus testemunhos” (Sl 93.5). “Fiéis todos os seus preceitos” (Sl 111.7). “Por isso, tenho por, em tudo, retos os teus preceitos todos…” (Sl 119.128).

É a Palavra resplandecente (verso 19b). Pedro chama o mundo de “lugar tenebroso”. A palavra “tenebroso” aqui tem o sentido de algo “obscuro”. É um retrato de um porão escuro ou de um pântano sinistro. A história da humanidade começou em um jardim, belíssima, e hoje essa história está obscura, tenebrosa e sinistra. O sistema desse mundo indica a condição espiritual do nosso coração. Ainda podemos ver a beleza de Deus na criação, mas não vemos beleza alguma no que a humanidade faz com essa criação.

Deus é luz e a sua Palavra é luz: “Lâmpada para os meus pés é a tua Palavra e luz para os meus caminhos” (Sl 119.105). Jesus Cristo iniciou seu ministério “aos que viviam na região e sombra da morte e resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.16). Sua vinda a este mundo foi a aurora de um novo dia (Lc 1.78). Para a igreja, Jesus Cristo é “a brilhante estrela da manhã” (Ap 22.16). Ele é o “sol da justiça” (Mt 4.1,2).

É a Palavra dada pelo Espírito (versos 20,21). Pedro aqui declara a doutrina da inspiração das Escrituras. Pedro afirma que as Escrituras não foram redigidas por homens que usaram as próprias idéias e palavras, mas sim por homens “movidos pelo Espírito Santo”, ou de acordo com a palavra grega pheromenói (“controlados e conduzidos”), eles foram conduzidos pelo Espírito Santo. As Escrituras não foram inventadas por homens, mas sim inspiradas por Deus.

Mais uma vez, vemos Pedro refutando os falsos mestres que ensinavam “palavras fictícias” (2Pe 2.3) e distorciam as Escrituras de modo a fazê-las significar outras coisas (2Pe 3.16) e que negavam a promessa da vinda de Cristo (2Pe 3.3,4). Uma profecia das Escrituras deve ser interpretada não com base nos pensamentos arraigados da velha natureza humana, tal como aquela dos falsos mestres, mas com base no que o Espírito Santo torna claro sobre o seu significado, já que Jesus enviou o Espírito para guiar os crentes à verdade (Jo 16.13). As Escrituras não resultam de um desvendamento particular. Os profetas não inventaram, pela força do desejo humano, aquilo que escreveram.

Deus é o Autor das Escrituras. Foi Ele quem as deu, bem como Ele é a correta interpretação, mediante iluminação.

Conclusão

Os homens morrem, mas a Palavra de Deus vive. As experiências passam, mas a Palavra permanece. O mundo escurece, mas a luz da Palavra de Deus resplandece. O cristão que edifica a vida pela Palavra de Deus e que espera a vinda do Salvador Jesus Cristo dificilmente será enganado por falsos mestres.

A mensagem de Pedro é: “despertem e lembrem-se!”. Há igrejas que, sem saber, dão espaço para o diabo atuar. Lembram da parábola do joio em Mateus 13.24-30? “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto todos estavam dormindo, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e foi embora”.

Devemos ter o cuidado com as falsificações de Satanás. Ele possui cristãos falsos (2Co 11.26) que acreditam num evangelho falso (Gl 1.6-9), estimula uma falsa justificação (Rm 10.1-3) e tem até mesmo uma igreja falsa (Ap 2.9). No final dos tempos, chegará ao cúmulo de produzir um falso cristo (2Ts 2.1-12).

Devemos permanecer alertas para que os ministros de Satanás não se infiltrem e causem estragos na congregação dos cristãos verdadeiros (2Pe 2; 1Jo 4.1-6). Nem tudo que é feito dentro do cristianismo é um produto de cristãos verdadeiros. Quando nós “dormimos”, Satanás se põe a trabalhar. Devemos nos opor a Satanás com a mesma diligência que ele se opõe ao verdadeiro ensino. Despertemos e lembremo-nos!

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¹
O gnosticismo do primeiro século era um movimento religioso e filosófico que se desenvolveu no Império Romano durante os primeiros séculos do cristianismo. Os gnósticos acreditavam em uma dualidade entre o espírito e a matéria, e que o mundo material era mau e satânico. O espírito humano, portanto, era prisioneiro do corpo. A salvação, para os gnósticos, era alcançada por meio do conhecimento (gnosis), que era transmitido a um iniciado por um mestre gnóstico. Os gnósticos acreditavam que Jesus Cristo era um ser espiritual, e não um ser humano. Eles acreditavam que Jesus Cristo era uma emanação da divindade superior, e que havia descido ao mundo material para libertar o espírito humano. Os gnósticos rejeitavam a crença cristã de que Jesus Cristo havia se tornado humano e que havia sofrido e morrido na cruz e negavam a ressurreição de Jesus Cristo.


02 fevereiro 2023

[Exposição] A Conversão de Naamã | 2 Reis 5.1-19

2 Reis 5.1-19 

Aqui temos a história de Naamã, o comandante militar do exército do rei da Síria. O relato da sua conversão é contada em termos dramáticos, impressionantes e memoráveis.

O verso 1 começa explicando quem era Naamã e qual a sua posição no reino da Síria: “Naamã, comandante do exército do rei da Síria, era grande homem diante do seu senhor e de muito conceito, porque por meio dele o Senhor tinha dado a vitória à Síria. Ele era herói de guerra, porém sofria de lepra”.

Naamã era um comandante valente nas batalhas, era retratado com grandeza pelo seu rei, Ben-Hadade II. Pelo posto que ocupava, era o segundo no poder. Era também honrado pelo povo sírio. Porém, mesmo com todo prestígio, autoridade e riqueza, ele era um homem condenado, pois debaixo do seu uniforme escondia-se um corpo de um leproso.

Na Síria, a lepra apenas incapacitava as pessoas das suas obrigações; Naamã, estando leproso, já não podia mais obter vitória para a Síria, o que já causava sérias preocupações. Pelo contexto, pode-se dizer que a lepra estava em seu estágio inicial, pois no verso 11 é dito que a infecção estava limitada a um único lugar. No entanto, a doença tem a tendência de se espalhar caso não seja tratada e até levar à morte.

Um ponto a se observar aqui, é quando o texto diz: “..por meio dele [Naamã] o Senhor tinha dado a vitória à Síria”. Este ponto específico da narrativa revela que o Senhor já havia operado em seu favor, dando-lhe a vitória. É um testemunho da soberania e providência de Deus mesmo sobre aqueles que não o reconhecem como Deus. Os comentaristas não são unânimes, mas há quem diga que essa vitória foi sobre os assírios. Jeová é o Deus de Israel e da aliança com seu povo e pode usar qualquer pessoa, salvo ou não, israelita ou não, para realizar sua vontade (ver Is 44.28; 45.13; Ez 30.24,25).

No verso 2, temos um relato que aparentemente não tem nada a ver com a narrativa, porém, é um relato que revela os atos de Deus sendo executado na história dos homens. Um pequeno registro que mostra a forma sutil como Deus trabalha em sua providência: “Tropas saíram da Síria, e da terra de Israel levaram cativa uma menina, que ficou ao serviço da mulher de Naamã”.

A menina havia sido trazida de uma vila saqueada para servir à mulher de Naamã. E isso revela a bondade do Senhor ao permitir que Naamã sequestrasse a menina israelita para casa a fim de servir à sua esposa.

No verso 3, temos o ponto crucial da providência divina que marcaria para sempre a história de Naamã: “Um dia a menina disse à sua senhora: — Quem dera o meu senhor estivesse na presença do profeta que está em Samaria; ele o curaria da sua lepra”. A criança testemunhou humildemente de sua fé para a sua senhora. É como se ela tivesse dito: “em Israel há um Deus que pode curá-lo”. Ela mostrou compaixão pela doença de Naamã. Suas palavras foram tão convincentes que fez a mulher contar esse testemunho ao marido que por sua vez foi contar ao rei.

No verso 4 lemos: “Então Naamã foi contar isso ao seu senhor, dizendo: — Assim e assim falou a jovem que é da terra de Israel”. Talvez Naamã se alegrou com a possibilidade de ser curado e contou ao rei na esperança de receber autorização para sair da Síria.

Nos versos 5 e 6 temos: “O rei da Síria respondeu: — Vá! Eu enviarei uma carta ao rei de Israel. Então Naamã partiu e levou consigo trezentos e quarenta quilos de prata, setenta e dois quilos de ouro e dez mudas de roupa. Levou também ao rei de Israel a carta, que dizia: ‘Tão logo esta carta chegar a você, saiba que eu lhe enviei Naamã, meu servo, para que você o cure da sua lepra’.".

Obviamente que o rei Ben-Hadade II seguiu o protocolo de enviar uma carta ao rei Jorão, pois essa era a prática que existia nas relações internacionais. Mas tanto Naamã quanto Ben-Hadade II cometeram pelo menos 2 equívocos aqui. Primeiro, ao pensarem que a atuação do profeta Eliseu estivesse debaixo das ordens do rei Jorão, pois a carta foi direcionada ao rei. Segundo, ao pensarem que, ao pedirem um favor, estariam sujeitos a darem presentes pelo favor recebido.

Na comitiva, foi levado mais de 300 kg de prata e mais de 60 kg de ouro, além de roupas e vestidos caros. A menina não mencionou nada a respeito de “presentes” para que o profeta fizesse um milagre.

No verso 7 lemos a atitude do rei Jorão à visitação da comitiva síria: “Quando o rei de Israel acabou de ler a carta, rasgou as suas roupas em sinal de medo e disse: — Por acaso sou Deus, com poder de tirar a vida ou dá-la, para que este envie a mim um homem para eu curá-lo de sua lepra? Como vocês podem notar e ver, ele está procurando um pretexto contra mim”.

O rei Jorão poderia ter se aproveitado do pedido de favor do inimigo para honrar ao Senhor e construir a paz entre a Síria e Israel, mas ele não aproveitou essa chance. Mesmo sabendo que em Israel havia um profeta que poderia curar Naamã, o rei de Israel Jorão ignorou esse fato. Ele sabia que a missão de Israel era dar testemunho às nações ímpias ao seu redor (ver Is 42.6; 49.6). Mas as preocupações de Jorão não eram de caráter espiritual, e sim pessoal e político e ele interpretou a carta como uma declaração de guerra.

Ao que parece, Jorão encarava a vida de modo pessimista, isso fica claro pela perspectiva que ele expressou ao tirar as conclusões precipitadas. Além disso, o período de reinado de Jorão foi marcado pela baixa espiritualidade em Israel, e quando ficaram sem água, ele não creu que Eliseu seria capaz de prover água para os três exércitos (ver 2 Reis 3.10,13).

Nos versos 8 e 9 lemos: “Mas, quando Eliseu, homem de Deus, ouviu que o rei de Israel havia rasgado as suas roupas, mandou dizer ao rei: — Por que o senhor rasgou as suas roupas? Deixe-o vir a mim, e ele saberá que há profeta em Israel.

Então Naamã foi com os seus cavalos e os seus carros e parou à porta da casa de Eliseu”. O profeta Eliseu estava em sua casa, em Samaria, mas sabia o que estava acontecendo no palácio do rei Jorão pois Deus não esconde nada dos seus servos daquilo que precisam saber (ver Am 3.7).

O rei não poderia fazer coisa alguma, mas o profeta era um canal do poder de Deus. Eliseu sabia que Naamã precisava ser humilhado antes de receber a cura. Acostumado com os protocolos do palácio, o comandante estimado esperava ser reconhecido publicamente e receber expressões de honrarias exageradas pelos presentes que havia trazido consigo.

O profeta fez Naamã percorrer mais 50 km até a sua casa. Porém, Eliseu sequer saiu de casa para receber Naamã. Em vez disso, enviou um mensageiro instruindo o comandante a percorrer mais 50km até o rio Jordão. Lá ele deveria mergulhar 7 vezes para se purificar e ficar curado da lepra. É o que vemos no verso 10: “Eliseu lhe mandou um mensageiro, dizendo: — Vá e lave-se sete vezes no Jordão, e a sua carne será restaurada, e você ficará limpo”.

Provavelmente Naamã já estivesse meio que se chateando com a situação. Primeiro se dirigiu ao rei, na cidade de Samaria (distante de Damasco, capital da Síria, uns 150km). Daí, os eventos que se sucederam fizeram ele ir até a casa do profeta. Chegando lá, o profeta, através de um mensageiro, pede pra ele ir até a um rio que dista mais 50 km!

Daí lemos no versos 11 e 12 sobre o aborrecimento de Naamã: “Mas Naamã ficou indignado e se foi, dizendo: — Eu pensava que ele certamente sairia para falar comigo, ficaria em pé, invocaria o nome do Senhor, seu Deus, passaria a mão sobre o lugar da lepra e restauraria o leproso. Por acaso não são Abana e Farfar, rios de Damasco, melhores do que todas as águas de Israel? Será que eu não poderia me lavar neles e ficar limpo? Deu meia-volta e foi embora muito irritado”.

O general Naamã enfurece-se e a causa fundamental dessa ira foi o seu orgulho. Ele já havia decidido em sua mente como o profeta iria curá-lo, mas não é assim que Deus trabalha.

Deus já havia começado a trabalhar no orgulho de Naamã. Ele percebeu que o rei Jorão não era capaz de curá-lo, percebeu que o profeta, além de não ter ido ao palácio, mandou mensagem que fosse até a casa dele. Chegando na casa do profeta, foi recebido não pelo dono da casa mas sim por um mensageiro. Além disso, deveria mergulhar num rio sujo não uma, mas sete vezes.

E pensar que ele era um grande general, o segundo no comando da Síria! Naamã já havia determinado de que modo o profeta deveria realizar a cura e se zangou pelo fato do homem de Deus não seguir com aquilo que ele esperava.

Por acaso é diferente dos dias de hoje? As pessoas desejam ser salvas de seus pecados participando de rituais religiosos, filiando-se a uma denominação, dando dinheiro à igreja, mudando de vida, fazendo boas obras e outras práticas semelhantes… Tudo isso em substituição a uma ação bem simples: depositar sua fé em Jesus Cristo. Só isso! É exatamente isso que Tito nos ensina: “... não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia. Ele nos salvou…” (Tt 3.5).

Naamã tinha um outro problema: preferia os rios de Damasco em vez do lamacento rio Jordão. Acreditava que a cura viria da água, de modo que o mais lógico era pensar que, quanto melhor a água, melhor a cura! As águas em Abana e Farfar vinham das neves das montanhas ao redor de Damasco, de modo que era pura e fresca. Talvez ele estivesse pensando que seria melhor percorrer 160 km de volta para Damasco a percorrer só mais 50 km e obedecer a Deus. Ele estava tão perto da salvação, e ao mesmo tempo longe! Mas Naamã precisava aprender que os caminhos do Senhor são mais elevados que os nossos (ver Is 55.8,9).

Lemos nos versos 13-15a: “Então os seus oficiais se aproximaram e lhe disseram: — Meu pai, se o profeta tivesse dito alguma coisa difícil, por acaso o senhor não faria? Muito mais agora que ele apenas disse: ‘Lave-se e você ficará limpo.’ Então, Naamã desceu e mergulhou no Jordão sete vezes, conforme a palavra do homem de Deus; e a sua pele se tornou como a pele de uma criança, e ficou limpo. Depois ele voltou ao homem de Deus, ele e toda a sua comitiva”.

Mas uma vez vemos o Senhor usando pessoas ímpias para cumprir com os seus propósitos. Os servos de Naamã (pagãos) o persuadiram a desistir do orgulho humano e, sendo convencido, foi curado. A fé que não conduz à obediência na verdade não é fé. Quando o comandante saiu da água, viu que havia se curado da lepra e sua pele estava como a pele de uma criança. Usando a linguagem do Novo Testamento, havia nascido de novo (ver Jo 3.3-8). O orgulhoso Naamã tinha se tornado um homem novo, humilde, puro, semelhante a uma criança. No Novo Testamento é comum usar a figura de uma criança para representar a pessoa convertida, regenerada, nascida do alto: “Em verdade lhes digo: se vocês não se converterem e não se tornarem como crianças, de maneira nenhuma entrarão no Reino dos Céus” (Mt 18.3).

Neste momento, Naamã perdeu o orgulho e perdeu a lepra. Essa é a sequência pela qual os pecadores orgulhosos e rebeldes são convertidos.

Vemos nos versos 15b-17: “Veio, pôs-se diante dele e disse: — Eis que, agora, reconheço que em toda a terra não há Deus, a não ser em Israel. E agora, por favor, aceite um presente deste seu servo. Porém ele respondeu: — Tão certo como vive o Senhor , em cuja presença estou, não aceitarei nada. Naamã insistiu com ele para que aceitasse, mas ele recusou. Então Naamã disse: — Se você não quer, então peço que seja permitido a este seu servo levar duas mulas carregadas de terra; porque este seu servo nunca mais oferecerá holocausto nem sacrifício a outros deuses, a não ser ao Senhor”.

Como todo convertido, Naamã tinha muito a aprender. Os primeiros comportamentos após a conversão refletem isso. Seu desejo de recompensar o profeta foi natural, mas se o Eliseu tivesse aceitado os presentes, daria a entender que todo o crédito da cura fosse dele e tiraria a glória que pertencia a Deus. Além disso, teria passado uma imagem para Naamã a impressão de que seus presentes de alguma forma tinham relação com a cura. Toda a glória deve ser dada a Deus, tão somente. O Senhor nos salva para o louvor da glória de sua graça (ver Ef. 1.6, 12, 14). Abraão recusou os presentes do rei de Sodoma, Daniel recusou a oferta do rei, Pedro e João rejeitaram o dinheiro de Simão (ver Gn 14.17-24; Dn 5.17; At 8.18-24).

Depois, Naamã perguntou se poderia levar consigo uma porção da terra de Israel para a Síria, a fim de usá-la em sua adoração. Naquele tempo, as pessoas acreditavam que os deuses de uma nação habitavam naquela terra, e quem saísse daquela terra deixava o deus para trás. Por causa desse entendimento, Naamã queria uma porção da terra como lembrança de sua “bênção”.

Nos versos finais 18 e 19, vemos Naamã surpreendendo com um pedido. Pela sua posição de comandante do exército sírio, muito provavelmente ele acompanhava o rei Ben-Hadade II ao templo de Rimom, um deus sírio equivalente ao deus Baal. E ele faz o seguinte pedido: “Mas que o Senhor Deus perdoe o seu servo uma coisa: quando meu senhor, o rei, entrar no templo de Rimom para ali adorar, e ele se encostar no meu braço, e eu também tiver de me encurvar no templo de Rimom, quando assim me prostrar no templo de Rimom, que o Senhor Deus perdoe este seu servo por isso. Eliseu lhe disse: — Vá em paz. Quando Naamã tinha se afastado certa distância…”.

Naamã estava disposto a realizar esses rituais externamente, mas queria que Eliseu soubesse que não o faria de coração. Ele anteviu que sua cura e sua vida transformada teriam impacto sobre a corte do rei. Ao ouvir o pedido de Naamã, Eliseu apenas disse: “vá em paz”. Essa era a bênção habitual da aliança que os israelitas invocavam quando as pessoas partiam de viagem. Vemos Naamã com a sensibilidade de não mostrar que estaria adorando ídolos. Ele recebeu garantias de que Deus compreendia o seu coração. O profeta iria sim interceder por ele e confiar que Deus o usaria em seu novo ministério na Síria. Que grande testemunho Naamã poderia ser naquele país de trevas!

Aplicações práticas

A experiência de Naamã com Eliseu ilustra para nós a obra da graça de Deus ao salvar os pecadores perdidos.

1) Assim como a lepra, o pecado não se atém à superfície, mas atinge as camadas mais profundas, espalha-se, contamina, isola e só serve para ser queimado pelo fogo (ver Lv 13).

2) Vemos a perspectiva em desenvolvimento do Senhor como controlador de todos os eventos, mesmo os eventos de ímpios, nos caso da vitória da Síria do verso 1 e do conselho dos servos de Naamã no verso 13.

3) Temos o evento que corrobora com o ensino do Novo Testamento registrado em Romanos 8.28: “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” no caso da menina raptada. Deus aprouve que aquela criança fosse sequestrada e raptada para servir de escrava numa casa onde ela seria usada para dar o "pontapé inicial” dos eventos futuros que acarretaria na conversão de Naamã.

4) Nunca subestime o poder de um simples testemunho, pois Deus pode pegar as palavras dos lábios de uma criança e levá-las aos ouvidos do rei.

5) Ainda sobre o testemunho da criança, ela não levou para o lado pessoal o fato de ter sido tirada de sua família. Ela se lembrou que Deus poderia salvar aquele que o sequestrou e mesmo assim “soltou” a possibilidade de salvação de Naamã. Não desejou que ele morresse de lepra, mas se comoveu e não permitiu que seu coração se enchesse de vingança.

6) Nossa salvação não é obtida dando presentes a Deus, mas sim recebendo pela fé sua dádiva de vida eterna (ver Ef 2.8; Jo 3.16, 36; Rm 6.23). Não sejamos presunçosos de achar que a melhor maneira de Deus agir é de acordo com o nosso “achismo”, pois quem decide como agir é Ele, e não nós.

7) Quanto mais nos afastamos de Deus e de sua Palavra, mais longe ficaremos de enxergar as oportunidades que Deus coloca diante de nossos olhos para anunciar salvação aos perdidos, e muito menos de ver os atos providenciais de Deus em nossa vida.

8) Humildade e fé produzem libertação a todos. Arrogância, soberba e orgulho são fatores cruciais para nos afastarmos de Deus e nos aproximarmos da perdição. Antes de os pecadores poderem receber a graça de Deus, devem sujeitar-se à vontade do Senhor. Como diz Donald Grey Barnhouse: “Todos têm o privilégio de ir para o céu à maneira de Deus ou para o inferno à sua própria maneira”.

9) Devemos ficar alertas à constante exposição em ambientes que nos enfraquecem para que não subestimemos nosso poder de resistência.