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14 outubro 2023

O que é a Teologia Reformada?

Por Jonathan Master 

Você já fez ou recebeu as seguintes perguntas: Você é Reformado? Quando você se tornou Reformado? Esta é uma igreja Reformada? Essas perguntas são comuns, mas podem ser surpreendentemente difíceis de responder.

Então, o que é a teologia Reformada? Em seu nível mais básico, o termo Teologia Reformada refere-se às conclusões teológicas que decorrem da Reforma Protestante. Os primeiros reformadores, como Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino, tinham críticas afiadas e específicas à teologia católica romana do final da Idade Média. Os reformadores rejeitaram o ensino católico romano sobre a natureza da justificação e o lugar da fé salvadora individual. Eles também rejeitaram as reivindicações católicas romanas sobre a autoridade do papa, afirmando que somente a Bíblia detinha o lugar de autoridade final em discussões doutrinárias. Além disso, rejeitaram a compreensão católica romana da adoração e o lugar e significado dos sacramentos do batismo e da comunhão.

Hoje, quando o termo Teologia Reformada é usado, muitas vezes refere-se a algo menos histórico. Frequentemente, refere-se a uma teologia que reconhece a doutrina da predestinação e mantém uma visão elevada da Bíblia como a Palavra inerrante de Deus. Às vezes, também é identificada com os chamados Cinco Pontos do Calvinismo: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Esses são todos ensinamentos importantes da Tradição Reformada, mas não encapsulam completamente ou descrevem a Teologia Reformada.

Um melhor ponto de partida são cinco afirmações chamadas de Cinco Solas da Reforma. Esses cinco solas (sola é a palavra latina para "somente" ou "sozinho") são Sola Scriptura (somente a Escritura), Sola Fide (somente a fé), Sola Gratia (somente a graça), Solus Christus (somente Cristo) e Soli Deo Gloria (a glória somente a Deus). Juntas, essas solas expressam claramente as preocupações centrais da Reforma Protestante, que tratava tanto da adoração quanto da autoridade dentro da igreja, assim como da salvação individual. O "somente" em cada uma é vital e enfatiza a suficiência da Palavra de Deus e a natureza graciosa da salvação, recebida somente pela fé, em Cristo apenas. O último dos cinco solas, Soli Deo Gloria, é a consequência natural dos quatro primeiros. Ele nos lembra que a Teologia Reformada entende toda a vida em termos da glória de Deus. Ser Reformado em nosso pensamento é ser centrado em Deus. A salvação é do Senhor do início ao fim, e até mesmo nossa existência é um presente Dele.

A Teologia Reformada afirma os cinco solas com todas as suas implicações; reconhece a centralidade do pacto nos propósitos salvíficos de Deus; e é expressa em uma confissão de fé histórica e pública. Além dos cinco solas, há mais dois aspectos da Teologia Reformada a serem destacados. O primeiro é a doutrina do pacto. Nas Escrituras, vemos que Deus realiza seus propósitos salvíficos por meio de sucessivos pactos. De fato, a Bíblia fala de um "pacto eterno" abrangente, centrado na cruz de Cristo (Hebreus 13:20). Os pactos fornecem a estrutura bíblica para entender a obra de Deus em Cristo e seus tratos com seu povo ao longo da história. A centralidade dessa estrutura de pacto na Bíblia e na vida cristã dificilmente pode ser exagerada, e as ramificações para reconhecer esse tema central nas Escrituras são bastante significativas. De fato, esta é uma das razões pelas quais simplesmente enfatizar a predestinação, ou mesmo os cinco pontos do calvinismo, não faz justiça ao que significa ser um Cristão Reformado. A Teologia Reformada é uma teologia de toda a Bíblia, e o pacto é o quadro bíblico que mostra a unidade do Antigo Testamento e do Novo, centrando-se no Senhor Jesus Cristo.

Além disso, todas as expressões vibrantes e duradouras do Cristianismo Reformado têm confissões de fé que expressam suas convicções. As mais conhecidas das confissões maduras Reformadas incluem a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort (que juntos são chamados de Três Formas de Unidade), e a Confissão de Westminster, que tem seus próprios catecismos. Desde seus primeiros dias, presumiu-se que a Teologia Reformada seria expressa em confissões de fé. Portanto, ser Reformado é ser confessional, e ser uma Igreja Reformada é ser um lugar onde uma dessas confissões históricas é professada, ensinada e seguida.

O que é a Teologia Reformada? É uma teologia que 1) afirma os cinco solas com todas as suas implicações; 2) reconhece a centralidade do pacto nos propósitos salvíficos de Deus; e 3) é expressa em uma confissão de fé histórica e pública.

A Teologia Reformada é uma bênção para o povo de Deus. Em nossa salvação, em nossa adoração, em nossas igrejas e em nossas famílias, Deus é soberano, e Ele está trabalhando para cumprir seus propósitos. A Deus seja toda a glória.
Oh, a profundidade das riquezas e da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são seus juízos e quão inescrutáveis são seus caminhos! "Pois quem conheceu a mente do Senhor, ou quem foi seu conselheiro?" "Ou quem deu a ele algum presente para que fosse recompensado?" Porque dele, por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre. Amém. (Romanos 11:33–36)
Fonte: Ligonier


29 agosto 2023

Conselho aos reformados

Por Augustus Nicodemus 

Com o número crescente de pessoas que chegam às igrejas reformadas oriundas de igrejas de outras tradições, gostaria de dar algumas sugestões aos líderes das igrejas reformadas que estão passando por essa experiência.

Primeiro, Deus está agindo no mundo e chamando seus eleitos, a verdadeira igreja de Cristo. Para nós é um grande privilégio receber essas pessoas e acolhê-las junto conosco, pois somos parte do mesmo corpo.

Segundo, essas pessoas virão de tradições diferentes, de igrejas diferentes, de costumes e práticas diferentes. Muitas serão tatuadas, outras pintarão o cabelo de verde, outras vão estranhar o nosso “culto frio”, outras não estão acostumadas com a estrutura de uma igreja presbiteriana e suas sociedades internas. Mas estão vindo porque querem ouvir a Palavra de Deus.

Terceiro, a igreja não nos pertence, mas ao Senhor. Ela não existe como um local confortável e seguro onde nos abrigamos aos domingos, mas como um local de desafio ao nosso conforto e nossa segurança.

Quarto, devemos estar sempre abertos para mudar e adaptar em nossa estrutura e em nosso culto aquilo que não é requerido pela Palavra de Deus e nossos símbolos de fé, com o fim de atendermos e acolhermos melhor a nova geração que chega.

Esse processo é dirigido pelo Espírito de Deus através dos pastores e presbíteros que foram eleitos como líderes espirituais da comunidade, mas sem a participação e o engajamento de cada membro, essas igrejas irão experimentar um fenômeno já conhecido: verão a chegada da primeira onda dos interessados na fé reformada e os verão sem seguida se retirando para se tornarem desigrejados ou crentes de internet.

Fonte: Instagram


29 outubro 2021

Rememorando a Reforma – Reflexão Bíblica

1 Pedro 1.22—2.10 

Introdução 

Dentro de alguns anos, será comemorado o 500º aniversário da Reforma do Século XVI*. Com tantas mudanças que o mundo experimentou nestes últimos cinco séculos, seria o caso de nos perguntarmos: Terá ainda razão de ser o nosso movimento? Justifica-se ainda o protestantismo?

A realidade nos mostra que, passados tantos anos, as verdades fundamentais e solenes redescobertas pelos reformadores continuam sendo desprezadas, tanto fora quanto dentro do movimento evangélico. Podemos exemplificar isso com um dos grandes princípios acentuados pela Reforma: “Solus Christus” ou a plena centralidade e exclusividade de Cristo como único e suficiente Salvador, o único mediador entre Deus e a humanidade.

A Igreja contra a qual se insurgiram os reformadores continua hoje, quase meio milênio mais tarde, a negar a Cristo um lugar exclusivo na fé, no culto e na devoção dos seus fiéis. Por causa da ênfase antibíblica no culto a Maria e aos santos, Jesus Cristo ocupa um lugar inteiramente secundário na vida e devoção de milhões de brasileiros que se dizem cristãos.

Mas as antigas verdades essenciais recuperadas pelos reformadores também têm sido ignoradas dentro das igrejas evangélicas. Se os reformadores voltassem à terra hoje, ficariam chocados com certas doutrinas e práticas correntes entre os evangélicos e com a sua falta de entusiasmo pelas importantes convicções redescobertas no século XVI.

Essas razões já são suficientes para justificar a atual relevância e necessidade da obra restauradora realizada pelos pioneiros da Reforma. Um aspecto interessante desses pioneiros é o fato de que eles, embora compartilhassem os mesmos princípios, tiveram diferentes experiências, que os levaram também a diferentes ênfases nos princípios que defenderam.

Gostaríamos de ilustrar três desses princípios através da experiência de três grupos reformados, tomando como ponto de partida os capítulos iniciais da primeira carta de Pedro. Nessa carta, o apóstolo lembra aos cristãos da Ásia Menor os fatos centrais da sua fé (1.3-12) e suas implicações para a vida (1.13-17). Em seguida, ele fala sobre as conseqüências disso para a sua identidade como grupo, como povo de Deus (1.22—2.10). Vemos nessa passagem três grandes ênfases da Reforma.

1. Graça e Fé

O fundamento da vida cristã é o fato de que somos salvos pela graça de Deus, recebida por meio da fé. Deus nos amou, por isso nos deu seu Filho; crendo nesse amor e nesse Filho, somos salvos. Essa é uma das ênfases mais importantes do capítulo inicial de 1 Pedro, especialmente nos versos 18-21, mas também em vários outros versículos. Esse ponto reúne três grandes princípios esposados pelos reformadores: “solus Christus”, “sola Gratia” e “sola Fide”. Embora não encontremos aqui uma referência explícita à justificação pela fé como nas cartas aos Romanos e aos Gálatas, ela é pressuposta em todo o contexto.

O reformador que teve uma experiência pessoal e profunda dessas verdades foi Martinho Lutero. Inicialmente, seu pai desejou que ele seguisse a carreira jurídica. Um dia, ao escapar por pouco da morte, fez um voto a “Santa Ana” de que entraria para a vida religiosa. Ingressou em um mosteiro agostiniano e pôs-se a lutar pela sua salvação, sem alcançar a paz interior que tanto almejava. Até que, ao estudar a Epístola aos Romanos, deparou-se como a promessa de que “o justo viverá pela fé” (Rm 1.17). Teve uma nova visão de Deus e da salvação. Esta já não era o alvo da vida, mas o seu fundamento. Essa nova convicção o levou a questionar a teologia medieval e a iniciar o movimento da Reforma.

Isso nos mostra a importância de uma vida de fé, na plena dependência da graça de Deus, mas também de uma vida de compromisso, que se manifesta na forma de frutos que honram a Deus.

2. A Palavra de Deus

A seção seguinte de 1 Pedro contém outra ênfase importante dos reformadores: a centralidade da Palavra de Deus (1.23-25). A Palavra de Deus é a mensagem que nos fala da graça de Deus e da redenção realizada por Cristo, e nos convida a crer nesse amor. Essencialmente, é o “evangelho” (verso 12), também descrito como a “verdade” (verso 22). Essa palavra ou evangelho é viva, permanente e eficaz porque é a própria “Palavra do Senhor”.

Se o item anterior nos faz pensar em Lutero, este nos lembra de modo especial João Calvino. Calvino não teve uma experiência dramática de conversão como Lutero. Sua experiência foi profunda, mas sem grandes lutas interiores. Ele mesmo pouco escreveu sobre o assunto, dizendo apenas que teve uma conversão repentina (“conversio súbita”). Mas desde o início esse reformador foi tomado por uma forte convicção acerca da majestade de Deus e da importância da sua palavra. Calvino foi, dentre todos os reformadores, aquele que mais energias dedicou a estudo e à exposição sistemática das Escrituras – nas Institutas, nos seus comentários bíblicos, em suas preleções e em seus sermões.

Nos seus escritos, Calvino insiste na suprema autoridade das Escrituras em matéria de fé e vida cristã (“sola Scriptura”). Essa autoridade decorre do fato de que Deus mesmo nos fala na sua Palavra. Ele faz uma distinção interessante entre Escritura e Palavra de Deus, ao dizer que é somente através da atuação do Espírito Santo que a Escritura é reconhecida pelo pecador como a Palavra de Deus viva e eficaz.

Esse ponto nos mostra a necessidade de obediência à Palavra do Senhor para vivermos uma vida cristã genuína e frutífera.

3. Sacerdócio Real

Finalmente, Pedro fala da grande dimensão comunitária da nossa fé. Unidos a Cristo e alimentados por sua Palavra (2.2-4), somos chamados a viver como edifício de Deus e como povo de Deus (2.5, 9). Nas duas referências, os cristãos são descritos como sacerdócio: “sacerdócio santo” e “sacerdócio real”. A conclusão é óbvia: todo cristão é um sacerdote. Não existe mais a distinção entre sacerdotes e “leigos” que havia no Antigo Testamento, mas agora todos têm acesso livre e direto acesso à presença de Deus, por meio de Cristo. Esse sacerdócio deve ser exercido principalmente em duas áreas: no culto e na proclamação. Todos os crentes podem e devem oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (v. 5); todos os cristãos devem proclamar as virtudes daquele que o chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (v. 9).

Os que conhecem alguma coisa sobre a Reforma reconhecem facilmente aqui o princípio do “sacerdócio universal dos fiéis”. Um grupo reformado que ilustra muito bem essa verdade foram os anabatistas. Todos os protestantes valorizaram o sacerdócio universal, mas ele foi especialmente importante para esse grupo incompreendido e horrivelmente perseguido que insistia que a Igreja devia ser uma associação voluntária de crentes, inteiramente separada do Estado e caracterizada pela mais plena igualdade e solidariedade entre todos. Uma bela aplicação do ensino de que todo cristão é um sacerdote de Deus.

Esse aspecto nos mostra a importância da comunhão cristã no corpo de Cristo. Como dizia a placa de uma igreja nos Estados Unidos: “Pastor: reverendo tal; ministros: todos os membros”.

Conclusão

A Reforma do Século XVI foi, mais que uma simples reforma, uma obra de restauração. Restauração de antigas verdades que haviam sido esquecidas ou obscurecidas ao longo dos séculos, e agora foram recuperadas. Essa obra deve continuar em cada geração, seguindo um lema dos reformadores: “Ecclesia reformata, semper reformanda” (igreja reformada, sempre se reformando).

Louvemos a Deus e honremos a memória dos nossos predecessores na fé resgatando esses valores e vivendo de acordo com os mesmos nos dias atuais. Tornemos nossa fé relevante para os nossos contemporâneos, sem fazer concessões que comprometam a pureza do evangelho de Cristo.

*No dia 31 de outubro de 2021 comemoramos o 504º aniversário da Reforma Protestante

Fonte: CPAJ

25 outubro 2020

Devem os Pastores de Hoje se Importarem com a Reforma?

Por D.A. Carson

Pastores dedicados ao ministério têm tantas coisas a fazer. Além da preparação semanal cuidadosa de novos sermões e estudos bíblicos, das horas reservadas ao aconselhamento, do cuidado no desenvolvimento de relacionamentos excelentes, do evangelismo cuidadoso e atencioso (e prolongado!), da mentoria da próxima geração, das incessantes exigências de administração e supervisão, para não mencionar a nutrição de sua própria alma, há uma série regular de prioridades familiares, que incluem o cuidado de pais idosos e de netos preciosos e um cônjuge doente (ou qualquer número de permutações de tais responsabilidades), e, para alguns, com níveis de energia diminuídos em proporção inversa aos anos que vão avançando.

Portanto, por que deveria eu reservar horas valiosas para ler sobre a Reforma, que teve início há cerca de 500 anos? É verdade que os Reformadores viveram em tempos de mudanças rápidas, mas quantos deles pensaram seriamente sobre a epistemologia pós-moderna, sobre o transgenderismo ou a nova (in)tolerância? Se desejamos aprender com os antepassados, não seria mais sábio escolher algum mais recente? Não necessariamente.

O Pastor como Clínico Geral 

Um pastor é, por definição, algo semelhante a um clínico geral. Não é especialista em, digamos, divórcio e novo casamento, história de missões, análise cultural ou períodos específicos da história da igreja. No entanto, a maioria dos pastores necessita desenvolver conhecimentos básicos mínimos em todas estas áreas, como parte da aplicação da Palavra de Deus às pessoas ao seu redor. Isto significa que ele tem obrigação de dedicar algum tempo a cada ano à leitura em áreas abrangentes. Uma destas áreas é a teologia histórica. A literatura histórica bem selecionada nos expõe a diferentes culturas e tempos, expande nossos horizontes e nos permite ver como os cristãos de outros tempos e locais refletiram sobre o que a Bíblia diz e como aplicar o evangelho a toda a vida. Continue a ler!

Em segundo lugar e mais especificamente, um conhecimento progressivo da teologia histórica é uma maravilha para destruir a ilusão de que a exegese perspicaz e rigorosa começou nos séculos XIX ou XX. Nem tudo o que foi escrito há 500 anos, ou há 1.500 anos, é completamente admirável e vale a pena repetir, da mesma maneira como nem tudo escrito hoje é completamente admirável e vale a pena repetir. Mas tal leitura histórica é o único antídoto efetivo para a trágica atitude de um seminário (nome retido para proteger os culpados) que por muito tempo argumentou que seus alunos somente necessitavam aprender a fazer uma boa exegese e uma hermenêutica responsável: não necessitavam aprender o que os outros pensam, pois dominando a exegese e a hermenêutica, bastava virar a manivela e uma teologia fiel sairia por si só. Quanta ingenuidade de pensar que a exegese e a hermenêutica são disciplinas neutras e livres de valores! A verdade é que necessitamos estudar outros pastores teólogos, tanto de nossos dias quanto do passado, se quisermos crescer em riqueza, nuance, insight, autocorreção e fidelidade ao evangelho.

Por que a Reforma? 

Mas por que focar especificamente na Reforma? Embora tenha sido desencadeada pela questão das indulgências, o debate sobre indulgências logo levou, direta ou indiretamente, a debates exploratórios sobre a autoridade, o lócus da revelação (Podemos desfrutar de um depósito ostensivamente dado à igreja abrangendo tanto as Escrituras quanto a Tradição, ou nos ater somente às Escrituras?), sobre o purgatório e a autoridade pela qual pecados são perdoados, sobre o tesouro de satisfações, sobre a natureza e o lócus da igreja, a natureza e autoridade de sacerdotes/presbíteros, a natureza e função da Eucaristia, sobre os santos, a justificação, a santificação, a natureza do novo nascimento, o poder escravizador do pecado, e muito mais.

Todas estas questões ainda são centrais no currículo teológico atual. Mesmo a questão das indulgências ainda é importante: tanto o Papa Bento quanto o Papa Francisco ofereceram indulgências plenárias especiais sob certas circunstâncias (embora em uma estrutura mais restrita do que a adotada por Tetzel). Além disso, o estudo da Reforma é especialmente salutar como resposta àqueles que pensam que a chamada “Grande Tradição”, preservada nos primeiros credos ecumênicos, é invariavelmente uma base adequada para a unidade ecumênica, como se não houvesse heresias inventadas após o século IV. Nesta frente, o estudo da Reforma é benéfico para gerar um pouco de realismo histórico.

Além da hermenêutica característica da Reforma que brotou da “sola Scriptura”, os Reformadores batalharam arduamente para desenvolver uma hermenêutica rigorosa que se afastasse dos caprichos da hermenêutica quádrupla que chegou ao topo durante a Idade Média. Isto não significa que fossem literalistas simplistas, incapazes de apreciar diferentes gêneros literários, metáforas sutis, e outras figuras simbólicas da fala; significa, ao contrário, que eles se esforçaram muito para deixar a Escritura falar em seus próprios termos, sem permitir que métodos externos fossem impostos ao texto como se fosse um filtro extra-textual projetado para garantir as respostas “certas”. Em parte, isso estava ligado à compreensão de “claritas Scripturae”, a perspicuidade ou clareza das Escrituras.

A teoria católica sobre a espiritualidade geralmente distingue entre a vida dos católicos comuns e a vida espiritual daqueles que são católicos realmente profundamente comprometidos. É quase uma versão católica da teologia da “vida superior”. Diz-se que leva à conexão mística com Deus, e que se caracteriza por práticas espirituais e disciplinas extraordinárias. Mas embora eu tenha lido bem, digamos, Julian de Norwich, encontrei grande quantidade de misticismo subjetivo e praticamente nenhum fundamento nas Escrituras ou no evangelho. E, por tudo que me é precioso, não consigo imaginar Pedro ou Paulo recomendando a retirada monástica para alcançar uma maior espiritualidade: é sempre um perigo quando certas práticas ascéticas se tornam caminhos normativos para a espiritualidade, quando não há apoio apostólico para elas.

Nossa geração contemporânea, cansada de abordagens meramente cerebrais ao cristianismo, é atraída por padrões patrísticos tardios ou medievais de espiritualidade. Que alívio, então, acorrer aos mais calorosos escritos dos Reformadores, e descobrir de novo a busca de Deus e sua justiça bem fundamentada nas sagradas Escrituras. É por isto que a carta de Lutero ao seu barbeiro permanece tão clássica: está cheia de aplicação piedosa do evangelho aos cristãos comuns, elaborando uma concepção de espiritualidade que não é reservada à elite dos eleitos, mas disponível a todos os irmãos e irmãs em Cristo. Da mesma forma, os capítulos de abertura do Livro III das Institutas de Calvino proporcionam uma reflexão mais profunda sobre a verdadeira espiritualidade do que muitos volumes contemporâneos muito mais extensos.

A Reforma é de importância central para a compreensão da história ocidental moderna. Três movimentos em grande escala prepararam o cenário para o mundo ocidental contemporâneo: o Renascimento, a Reforma e o Iluminismo. Cada um dos três é complexo, e os estudiosos continuam a debater suas muitas facetas. No entanto, a reivindicação básica do papel fundamental destes três movimentos não pode ser facilmente contestada.

Por que esta Reforma? 

Há lições a serem aprendidas com a Reforma sobre a soberania de Deus em movimentos de reavivamento e reforma. Afinal de contas, houve outros reformadores e movimentos de reforma que eram promissores, mas basicamente se dissiparam. John Wycliffe (c.1320 – 1384) era um teólogo, filósofo, eclesiástico, reformador eclesiástico e tradutor bíblico, e o trabalho que ele fez prenunciou a Reforma, mas não se pode dizer que a precipitou. Jan Hus (1369 – 1415) foi um padre checo, reformador, estudioso, reitor da Universidade Charles em Praga, e arquiteto de um movimento reformador, muitas vezes chamado de “hussitismo”, mas como seria de esperar, foi martirizado e seu movimento, embora importante na Boêmia, alcançou pouco mais na Europa do que um status de antecessor.

Por que razão Lutero, Calvino e Zwinglio viveram, o tempo suficiente para dar direção a uma Reforma maciça, enquanto o tradutor bíblico William Tyndale (1494—1536) foi assassinado? A retrospectiva histórica oferece muitas razões pelas quais este viveu e aquele morreu, por que uma ação reformadora se esgotou e outra acendeu uma chama irreprimível. Vale a pena entender os detalhes históricos mas os olhos da fé verão a mão de Deus na reforma genuína e nos recordarão de oferecer nossos louvores pelo que Ele fez, e nossas petições pelo que ainda lhe pedimos que faça.

Exponha a Bíblia, envolva-se com a Teologia 

A Reforma se destaca como um movimento que buscou integrar a exegese dos livros bíblicos com o que hoje chamaríamos de teologia sistemática. Nem todos os Reformadores fizeram isso da mesma maneira. Alguns agiram como se estivessem expondo os textos bíblicos, mas tendiam, na realidade, a saltar de uma palavra ou frase seminal para a próxima palavra ou frase seminal, parando em cada ponto para descarregar tratamentos teológicos dos vários “loci”.

Outros, como Bucer, seguiram o texto mais de perto, mas também descarregaram seu tratamento dos “loci” no caminho, tornando seus comentários extraordinariamente longos e densos. Calvino se esforçou em seus comentários para o que chamou de “brevidade lúcida”, e reservou sua teologia sistemática principalmente para aquilo que se encorpou e se tornou os quatro volumes de Institutas da Religião Cristã. Na verdade, os comentários de Calvino são tão “simples” que não poucos estudiosos o criticaram por não incluir teologia suficiente neles.

Mas o que é impressionante sobre todos estes Reformadores, independentemente de seus sucessos ou fracassos para realizar uma integração adequada, é a maneira como eles simultaneamente tentaram expor a Bíblia e se envolver em análise teológica séria. Em contraste, hoje poucos sistemáticos são excelentes exegetas, e poucos exegetas manifestam muito interesse pela teologia sistemática. As exceções apenas comprovam a regra.

Compreender o tempo deles — e o nosso 

Os Reformadores entendiam seus tempos muito bem. Embora se apoiassem na “norma normativa” das Sagradas Escrituras, eles realmente entendiam onde estavam as linhas sísmicas em seu época e locais. Alguns dos mesmos problemas permanecem hoje. Por outro lado, o que devemos retirar dos Reformadores a este respeito não é simplesmente uma lista de tópicos sobre os quais eles se concentraram, mas a importância de entender nossos tempos e aprender como engajar nossa época com a verdade das Escrituras.

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