15 novembro 2025

O Magistrado Civil: Instituição e Deveres do Crente

Este estudo foi proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XXIII. Do Magistrado Civil 

Seção I. Deus, o Senhor supremo e Rei de todo o mundo, para a sua própria glória e para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados civis, a ele sujeitos, e para este fim os armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.

Seção II. Aos cristãos é lícito aceitar e exercer o ofício de magistrado, sendo para ele chamados; e em sua administração, como devem especialmente manter a piedade, a justiça e a paz, segundo as leis salutares de cada Estado, eles, sob a dispensação do Novo Testamento, e para esse fim, podem licitamente fazer guerra, havendo ocasiões justas e necessárias.




A Confissão de Fé de Westminster, no Capítulo XXIII, discute o papel do Magistrado Civil, estabelecendo a doutrina reformada a respeito da origem, do propósito e da esfera de atuação das autoridades governamentais.

As Seções I e II deste capítulo, em particular, afirmam a natureza divina da instituição do governo e a legitimidade da participação cristã nesse ofício, traçando os deveres dos magistrados.

A primeira seção estabelece a base de toda a autoridade humana: Deus, o supremo Senhor e Rei de todo o mundo, ordenou os magistrados civis. O governo civil não é meramente um acordo social, mas uma instituição divina.

1) A Fonte da Autoridade: Deus

Alexander A. Hodge, que foi teólogo presbiteriano americano (1828–1886), filho de Charles Hodge, ao comentar estas seções da Confissão de Fé de Westminster, afirma que “o governo é uma instituição divina, e o dever de obediência aos governantes legítimos é, portanto, um dever devido tanto a Deus quanto aos nossos semelhantes”. O fundamento último da autoridade não reside no "consenso dos governados", nem na "vontade da maioria", nem em qualquer "pacto social" imaginário.

A vontade divina é a fonte de todo governo. Isso é certo porque:

1. Deus é o Criador e o Proprietário absoluto de todos os homens.

2. Deus é o supremo Governante moral e o Senhor da consciência.

3. Deus constituiu o homem como um ser social, tornando o governo civil uma necessidade absoluta para a vida em comunidade.


A Escritura afirma explicitamente essa origem divina, como exposto pelo apóstolo Paulo: "Porque não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus" (Romanos 13:1). Consequentemente, a resistência à autoridade estabelecida é uma resistência à ordenação de Deus, sujeitando os opositores à condenação (Romanos 13:2; 1 Pedro 2:13,14).

Samuel Rutherford, que foi teólogo escocês (1600–1661) foi um dos comissários da Assembleia de Westminster, em seu livro Lex Rex, afirma que “o poder de governo, em geral, vem imediatamente de Deus em sua raiz, pois Deus e a natureza desejam a ordem e a paz da humanidade”. Segundo Abraham Kuyper, teólogo, jornalista e político holandês (1837–1920), no livro Calvinismo, diz que “todo poder civil, portanto, deriva-se da Soberania de Deus”.

2) O Fim e o Propósito do Magistrado

O magistrado civil foi ordenado para a glória de Deus e para o bem público. A glória de Deus é o fim principal, e a ela todos os objetivos e desígnios estão subordinados.

O fim imediato para o qual Deus ordenou os magistrados é a promoção do bem da comunidade. Isso inclui a defesa e encorajamento daqueles que são bons e o castigo dos malfeitores. Isso é evidente na Palavra, que afirma que os governantes não são para temor, quando se faz o bem, mas sim quando se faz o mal, e quem faz o bem terá louvor da autoridade (Romanos 13:3). João Calvino, nas suas Institutas, no livro 4, ensina que “o governo visa o estabelecimento da justiça civil e a justiça exterior dos costumes”. O ofício do magistrado se conforma às duas tábuas da Lei.

Em termos práticos, o magistrado deve procurar o avanço da glória de Deus através da promoção do bem da comunidade nos negócios temporais, incluindo educação, conduta, prosperidade física, proteção à vida e à propriedade, bem como a preservação da ordem.

3) O Poder da Espada

Deus armou os magistrados "com o poder da espada". A espada é o símbolo de sua autoridade e do seu direito de aplicar a punição.

A autoridade é um "ministro de Deus para o bem", mas, se o indivíduo fizer o mal, deve temer, "porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal" (Romanos 13:4). Essa função penal, ao executar o castigo justo, é a execução da ira divina, segundo diz John Murray, que foi um teólogo presbiteriano (1898–1975) nascido na Escócia, no seu comentário de Romanos. Amandus Polanus de Basileia (teólogo calvinista alemão, 1561–1610), na sua obra Syntagma Theologiae Christianae, afirma que “os fins da punição incluem fazer a vontade e a justiça de Deus e remover o mal do meio do povo”.

Novamente Abraham Kuyper diz em seu livro Calvinismo, que o magistrado, como ministro de Deus, tem o terrível direito da vida e da morte, mas não deve matar ninguém injusta e tiranicamente, pois recebeu a espada para punir aquele que tem feito o mal.

4) A Licitude do Ofício Civil para o Cristão

A Seção II trata da permissão para que os cristãos exerçam o ofício civil e detalha os deveres inerentes a essa posição, incluindo o direito de fazer a guerra.

É lícito para os cristãos aceitar e exercer o ofício de magistrado, quando para ele são chamados. O ofício do magistrado não é apenas aprovado e aceitável ao Senhor, mas também ele o honrou com títulos muito honrosos (Mateus 8:9,10).

As Escrituras Sagradas mostram que reis, como Davi, Josias e Ezequias, e outros oficiais, como José, Daniel, Moisés, Josué e os juízes, tiveram seus ofícios aprovados pelo Senhor. Adicionalmente, a sabedoria de Deus afirma que é obra d'Ele que reis e príncipes decretam justiça (Provérbios 8:15,16).

Alexander A. Hodge faz uma afirmação contundente ao comentar a Confissão de Fé de Westminster ao dizer que “aos cristãos, ninguém é mais lícito do que eles para ser magistrado, visto que é uma violação da vontade de Deus que qualquer pessoa não seja cristã”.

5) Deveres na Administração: Piedade, Justiça e Paz

Na administração do ofício, os magistrados devem "especialmente manter a piedade, a justiça e a paz, segundo as leis justas de cada comunidade".

• Piedade e Religião: Os magistrados cristãos devem buscar promover a piedade (Salmos 2:10-12; Atos 10:1,2). Isso envolve o reconhecimento explícito de Deus e de Jesus Cristo "como Soberano entre as nações". Eles são, por promessa, "aios para a igreja" (Isaías 49:23), constituídos para a defesa da sã doutrina e do estado da Igreja em sua integridade (João Calvino, As Institutas de João Calvino - Livro 4). Devem servir a Deus governando o povo segundo as ordenanças divinas e devem reprimir a blasfêmia (Abraham Kuyper, Calvinismo).

• Justiça: O magistrado é ordenado a fazer justiça ao fraco e ao órfão, procedendo retamente para com o aflito e o desamparado. Eles devem socorrer o necessitado, tirando-o das mãos dos ímpios (Salmos 82:3,4). Os reis são exortados a dominar com justiça, no temor de Deus (2 Samuel 23:3).

• Paz: Devem cuidar da ordem pública e da tranquilidade. O propósito do governo inclui permitir que o povo viva "vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito" (1 Timóteo 2:2).

6) A Guerra Justa e Necessária

A Confissão afirma que, sob a dispensação do Novo Testamento, os magistrados podem licitamente fazer guerra, havendo ocasiões justas e necessárias. O direito e o dever da autodefesa são estabelecidos pelos inalienáveis instintos da natureza, da razão e da Palavra de Deus.

Se é lícito para um indivíduo tirar a vida em defesa própria, é igualmente certo para uma comunidade agir assim. A guerra é justa e necessária para reprimir a injustiça e a espoliação (João Calvino, As Institutas de João Calvino - Livro 4). O propósito é defender os domínios confiados à sua proteção, caso sejam atacados, ou recuperar o reino, a liberdade e a segurança pública (Amandus Polanus de Basileia, Syntagma Theologiae Christianae).

A legitimidade da guerra não foi anulada no Novo Testamento. Quando soldados perguntaram a João Batista o que deveriam fazer, ele lhes instruiu a não extorquir nem fazer denúncias falsas, mas a se contentarem com o seu soldo (é o salário básico para militares, que varia de acordo com a patente e a graduação., Lucas 3:14), sem ordenar que abandonassem sua profissão, o que implica que o ofício militar era lícito. O poder coercitivo da espada (Romanos 13:4) também sanciona a guerra para defender a honra, os direitos e os interesses do Estado contra seus inimigos (Abraham Kuyper, Calvinismo).

A doutrina aqui exposta estabelece que a autoridade civil é um instrumento de Deus, atuando para o bem e a ordem da sociedade, e que os cristãos, ao participarem dela, devem servir como vigários autorizados do céu, como disse William Symington (ministro escocês, 1795–1862, da Igreja Presbiteriana Reformada), em seu livro Messiah the Prince, buscando a glória de Deus em todas as suas administrações.

Aplicação

Podemos entender o Magistrado Civil como um zelador de um grande jardim público (a sociedade). O Proprietário (Deus) deu ao zelador (o Magistrado) ferramentas (a espada e as leis) e instruções claras (a Palavra e os princípios de justiça). O zelador deve usar essas ferramentas não para criar flores novas (o que seria a função da Igreja, tratando de questões de fé), mas para manter a ordem existente: podar o que é mau (castigo dos malfeitores), proteger as plantas frutíferas (defesa dos bons) e garantir que o caminho esteja livre e seguro para que todos possam desfrutar do jardim em paz e beleza. Sua autoridade vem diretamente do Proprietário, e seu dever é seguir as instruções d'Ele, garantindo o bem-estar de todos que ali vivem.