Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE.
ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
Capítulo XV. Do Arrependimento Para a Vida
Seção III. Ainda que não devamos confiar no arrependimento como sendo de algum modo uma satisfação pelo pecado ou em qualquer sentido a causa do perdão dele, o que é ato da livre graça de Deus em Cristo, contudo ele é de tal modo necessário aos pecadores que, sem ele, ninguém poderá esperar o perdão.
Seção IV. Como não há pecado tão pequeno que não mereça a condenação, assim também não há pecado tão grande que possa trazer a condenação sobre os que se arrependem verdadeiramente.
A necessidade de reconhecer a própria pecaminosidade e voltar-se para Deus é o pressuposto para a experiência do perdão e da reconciliação com Deus. Vamos entender o conceito de arrependimento e sua relação com o perdão, a natureza do arrependimento como não sendo uma satisfação pelo pecado ou causa do perdão, a livre graça de Deus em Cristo como a fonte do perdão, a indispensabilidade do arrependimento para se esperar o perdão, a universalidade da condenação merecida pelo pecado, e a suficiência do arrependimento verdadeiro para a obtenção do perdão, mesmo para pecados graves.
1) O Arrependimento não como Satisfação pelo Pecado ou Causa do Perdão
A Confissão de Fé de Westminster afirma categoricamente que "não devemos confiar no arrependimento como sendo de algum modo uma satisfação pelo pecado ou em qualquer sentido a causa do perdão dele". Esta declaração estabelece um princípio importante na teologia reformada, distinguindo o arrependimento de noções de auto-justificação ou de mérito humano diante de Deus.
Temos referências bíblicas que sustentam esta perspectiva. Ezequiel 36.31-32 descreve um tempo futuro em que o povo de Deus se lembrará de seus maus caminhos e terá nojo de si mesmo por causa de suas iniquidades e abominações, enfatizando que isso não será feito por amor a eles, mas pela graça divina. Similarmente, Ezequiel 16.61-63 destaca que o reconhecimento da própria maldade e a vergonha precederão o estabelecimento da aliança divina e o perdão, sendo este último um ato da livre graça de Deus.
Louis Berkhof concorda com esta distinção ao criticar a teoria anselmiana da expiação por apresentar erroneamente a punição e a satisfação como alternativas e por reputar os sofrimentos de Cristo como um "tributo voluntário à honra de Deus, um mérito supérfluo que teria servido para compensar pelos deméritos alheios", assemelhando-se à "idéia católico-romana da penitência, aplicada à obra de Cristo". Berkhof enfatiza o caráter objetivo da expiação, baseada na natureza imutável de Deus, e a doutrina penal substitutiva, onde Cristo suportou a penalidade devida ao pecado, e não meramente ofereceu um tributo voluntário. Portanto, a satisfação pela justiça divina é realizada pela obra de Cristo, e não pelo arrependimento do pecador.
2) O Perdão como Ato da Livre Graça de Deus em Cristo
A passagem inicial declara que o perdão "é ato da livre graça de Deus em Cristo", e temos os textos de Oséias 14.2-4, Romanos 3.24 e Efésios 1.7 como fundamentos bíblicos. A ideia central é que o perdão não é algo que o pecador possa merecer ou conquistar através do seu arrependimento, mas sim um dom gracioso de Deus, tornado possível através da obra redentora de Jesus Cristo.
François Turretini reforça essa noção ao afirmar que "a magnitude da corrupção e da impotência introduzidas pelo pecado" demonstram a necessidade de uma ação divina para a conversão e o perdão. A salvação é apresentada como sendo pela graça, em contraste com as obras. Turretini cita Bernardo de Claraval, que afirmava: "A justiça de outro é designada àquele a quem faltava justiça pessoal" e o "meu mérito, pois, é a compaixão do Senhor".
A teologia sistemática de Charles Hodge também enfatiza que a salvação é pela graça, e não pelas obras, entendendo que "ela em nada se fundamenta no próprio crente". O dom do Filho de Deus para a redenção é apresentado como a "mais portentosa exibição de um amor imerecido". A justificação, portanto, não se baseia em algo inerente ao pecador, mas na justiça de Cristo imputada através da fé.
3) A Necessidade do Arrependimento para Esperar o Perdão
Apesar de não ser a causa do perdão, o arrependimento é descrito como "de tal modo necessário aos pecadores que, sem ele, ninguém poderá esperar o perdão", com referências a Lucas 13.3-5 e Atos 17.30-31. Isso aponta para a natureza transformadora da graça divina, que opera no coração do pecador, levando-o ao reconhecimento do seu pecado e ao desejo de voltar-se para Deus.
Wayne Grudem explica que qualquer "proclamação genuína do evangelho deve incluir um convite para fazer uma decisão consciente de abandonar os pecados pessoais e voltar a Cristo na fé, para perdão dos pecados". Ele observa que, embora a fé seja frequentemente mencionada como necessária para a salvação, o arrependimento genuíno e a fé genuína estão tão intrinsecamente ligados que muitas vezes apenas o arrependimento é mencionado, com a fé subentendida.
Herman Bavinck argumenta que a igreja cristã sempre reconheceu que a salvação recebida era um "dom de Deus". A reflexão sobre esse fato levou à compreensão de que a fé e o arrependimento não são meros atos humanos autônomos, mas são originados na "graça eficaz de Deus", precedendo a fé e o arrependimento, inclusive nos adultos.
No entanto, François Turretini ressalta que a graça de Deus não está atada aos sacramentos, e que o batismo, por exemplo, não é absolutamente necessário à salvação, podendo ser substituído pelo desejo e pelo martírio. Isso sugere que, embora o arrependimento interior seja essencial, a ausência de ritos externos por impossibilidade não necessariamente impede o perdão.
4) A Universalidade da Condenação Merecida pelo Pecado
A Confissão afirma que "não há pecado tão pequeno que não mereça a condenação” e podemos comprovar em passagens como Romanos 6.23; Romanos 5.12 e Mateus 12.36. Esta declaração sublinha a seriedade de toda transgressão aos olhos de um Deus santo e justo.
Charles Hodge enfatiza a "espiritualidade da lei divina e a imutabilidade de seus requerimentos", que condenam "qualquer falta de conformidade com a norma de perfeição absoluta exibida na Bíblia". Ele cita diversas passagens bíblicas que atestam que "todos os homens são pecadores". A doutrina do pecado original, como apresentado na Teologia Sistemática de Alan Myatt e Franklin Ferreira, baseia-se em Gênesis 3 e na evidência de que "somos pecadores a partir do nascimento" (Sl 51.5) e que "todos somos pecadores" (Rm 3.10-12). A conexão entre o pecado de Adão e a situação da raça humana em Romanos 5.12-19 reforça a ideia de que o pecado, em sua raiz, traz consigo a condenação.
5) A Suficiência do Arrependimento Verdadeiro para o Perdão de Pecados Graves
Em contraste com a universalidade da condenação merecida, a Confissão declara que "assim também não há pecado tão grande que possa trazer a condenação sobre os que se arrependem verdadeiramente” (Is 55.7; Rm 8.1; Is 1.16-18). Esta promessa oferece esperança e segurança para aqueles que, conscientemente, se voltam de seus pecados para Deus.
A misericórdia divina é um tema central aqui. François Turretini explica que expiar, da parte de Deus, é "aceitar uma expiação feita por um sacerdote por meio do perdão e da remissão do pecado". A reconciliação com Deus, conquistada por Cristo através de sua morte, pressupõe a superação da divergência causada pelo pecado.
Wayne Grudem enfatiza que o convite do evangelho é para abandonar os pecados e voltar-se para Cristo "para perdão dos pecados", sem restringir o alcance desse perdão. A suficiência da expiação de Cristo é tal que pode cobrir até mesmo os pecados mais graves, contanto que haja um arrependimento genuíno.
No entanto, é importante notar que alguns textos bíblicos podem parecer desafiar essa ideia, como as passagens que falam da impossibilidade de restauração para o arrependimento em certos casos (Hb 6.4-8; Hb 10.26-31). Herman Bavinck argumenta que essas passagens se referem a um "pecado muito particular", a "blasfêmia contra o Espírito Santo", e não invalidam a possibilidade de perdão para outros pecados mediante o arrependimento.
6) O Papel da Graça Divina no Arrependimento
É crucial reconhecer que o próprio ato de arrependimento, embora uma resposta humana, é também fruto da graça divina. Como mencionado anteriormente, Bavinck argumenta que o arrependimento se origina na "graça eficaz de Deus". François Turretini afirma que o mesmo Deus que ordena o afastamento da iniquidade opera esse afastamento em nós por seu Espírito.
A capacidade de se arrepender não é inerente ao ser humano caído, mas é um dom de Deus. A “bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento” (Rm 2.4). Assim, o arrependimento verdadeiro é tanto um ato de volição humana quanto uma obra da graça divina no coração do pecador.
Conclusão
O estudo destes parágrafos da CFW revela uma compreensão rica e equilibrada do arrependimento e do perdão na teologia reformada. O arrependimento, embora essencial e necessário para se esperar o perdão, não é em si mesmo uma satisfação pelo pecado ou a causa do perdão. Vimos que o perdão é um ato soberano da livre graça de Deus, tornado possível tão somente através da obra redentora de Jesus Cristo. A seriedade do pecado é inegável, com toda transgressão merecendo a condenação divina. Contudo, a misericórdia de Deus é tal que nenhum pecado é grande demais para ser perdoado quando acompanhado de um arrependimento verdadeiro, que é, em última instância, capacitado pela própria graça divina. Esta compreensão teológica oferece uma base sólida para a prática da confissão de pecados e para a confiança na promessa do perdão para todos aqueles que se voltam sinceramente para Deus em Cristo.
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