28 junho 2025

Disciplina na Igreja

A disciplina eclesiástica, um assunto de profunda relevância para a pureza e a saúde da Igreja, emerge como um ponto importante em nossos dias. Precisamos considerar que é um tema bíblico e, por isso, é necessário um estudo abrangente sobre seus fundamentos, evolução histórica, propósitos e desafios contemporâneos. Este texto tem a intenção de mostrar que a disciplina não é uma prática periférica, mas um distintivo intrínseco da verdadeira Igreja de Cristo, conforme articulado em confissões reformadas e nos ensinamentos apostólicos.

Símbolos Confessionais são unânimes em afirmar que a disciplina eclesiástica é uma das marcas essenciais que distinguem a Igreja verdadeira. A Confissão Belga, de 1561, escrita por Guido de Brés, já apontava que, junto à pregação pura do Evangelho e à correta administração dos sacramentos, o exercício da disciplina para castigar os pecados é fundamental. Essa tríplice marca é reforçada pela Confissão de Fé de Westminster que dedica um capítulo inteiro (capítulo XXX) à importância e à responsabilidade dos oficiais da Igreja em sua execução. A negligência dessa marca é vista como um fator que compromete a pureza da Igreja, ofuscando sua identidade e integridade diante do mundo.

A Confissão de Fé Escocesa declara que as marcas da verdadeira Igreja são: a verdadeira pregação da Palavra de Deus, a correta administração dos sacramentos de Jesus Cristo e, finalmente, a disciplina eclesiástica corretamente administrada, como prescreve a Palavra de Deus, para reprimir o vício e estimular a virtude. O Catecismo de Heidelberg explica que as "chaves do reino dos céus" são exercidas pela pregação do evangelho e pela disciplina cristã. Ele afirma que a igreja cristã tem a obrigação de excluir pessoas que se mostram incrédulas e ímpias, até que demonstrem arrependimento. 

A Segunda Confissão Helvética afirma que os ministros legitimamente chamados exercem as "chaves do Reino de Deus" quando "repreendem e exercem a disciplina sobre o povo confiado aos seus cuidados", abrindo o Reino dos Céus aos obedientes e fechando-o aos desobedientes. Além disso, destaca que "a disciplina é absolutamente necessária na Igreja". A Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 menciona que Deus concedeu à Igreja "todo poder e autoridade necessários ao desempenho da forma de adoração e de disciplina por Ele instituídas para a observância na igreja". Os membros da igreja estão sujeitos à "disciplina e ao governo da igreja". Os Cânones de Dort mencionam que os apóstolos e mestres não descuidaram de manter o povo "sob a ministração da Palavra, dos sacramentos e da disciplina". Por fim, a Confissão de Fé de Guanabara descreve o governo da igreja verdadeira como aquele em que os "desvios sejam corrigidos e reprimidos" para manter a pureza da doutrina.

Fundamentação Bíblica da Disciplina

A base para a disciplina eclesiástica é solidamente encontrada nas Sagradas Escrituras, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, por meio do princípio do Progresso da Revelação. No Antigo Testamento, a santidade de Israel, pautada em ordenanças divinas, exigia a eliminação do pecado para manter a distinção do povo de Deus (Levítico 11:44-45). As punições severas serviam como advertência e para o bem-estar da congregação. O exílio na Babilônia é até mesmo interpretado como um modelo de disciplina divina visando arrependimento e obediência, culminando na restauração (Esdras 10:8). Embora as punições literais do Antigo Testamento não sejam válidas hoje, os princípios de que o pecado não deve ficar impune e de que o povo de Deus deve ser santo permanecem.

No Novo Testamento, Jesus e os apóstolos estabelecem o modelo para a aplicação da disciplina. Mateus 18:15-17 é a passagem primordial, delineando os passos: a admoestação particular (v. 15), o envolvimento de uma ou duas testemunhas (v. 16), e, se o pecador persistir, o assunto é levado à igreja (v. 17). Russell P. Shedd, em seu livro Disciplina na Igreja, afirma que não há passagem mais clara no Novo Testamento sobre a importância da disciplina.

Outras passagens cruciais incluem 1 Coríntios 5, que aborda o caso de imoralidade sexual pública na igreja de Corinto, instruindo a excomunhão do ofensor para a destruição da carne e salvação do espírito (1 Coríntios 5:1-5). Paulo também exorta a igreja a "expulsar o malfeitor" (1 Coríntios 5:13). A analogia do fermento (1 Coríntios 5:6-8) é usada para ilustrar como o pecado contamina toda a massa, justificando a ação disciplinar. Tito 3:10-11 instrui a admoestar o homem faccioso duas vezes e depois evitá-lo, indicando a disciplina para aqueles que causam divisões e ensinam heresias. 2 Tessalonicenses 3:6, 14-15 aborda a disciplina de irmãos que vivem desordenadamente, não trabalhando e se intrometendo na vida alheia, indicando o afastamento para que se envergonhem. 1 Timóteo 5:20 enfatiza a repreensão pública de pecadores contumazes "para que também os demais temam".

Um dos conceitos teológicos mais relevantes para a disciplina é o das "chaves do reino dos céus", outorgadas por Jesus à Sua Igreja (Mateus 16:18-19). Essa autoridade, simbolizada pelas chaves, refere-se ao poder de "ligar e desligar" ou "reter e remitir pecados". Estudiosos explicam que "ligar" e "desligar" se aplica tanto à pregação do evangelho e à admissão de penitentes na comunhão da igreja, quanto à exclusão daqueles que persistem no pecado. James Bannerman, em seu livro A Igreja de Cristo, destaca que essa linguagem não confere à Igreja o poder de perdoar a culpa eterna dos pecados, mas sim a autoridade de aplicar e remover censuras eclesiásticas em referência aos privilégios e punições exteriores da transgressão. Essa autoridade é exercida coletivamente pelos oficiais da igreja, como um presbitério, e não por um único indivíduo.

O propósito da disciplina eclesiástica é multifacetado e visa, antes de tudo, à pureza da Igreja. As fontes enumeram diversos objetivos:

• Restauração do pecador: O principal objetivo é levar o pecador ao arrependimento e à reconciliação com Deus e com a comunidade (Mateus 18:15; 1 Coríntios 5:5; Gálatas 6:1; Tiago 5:19-20).

• Manutenção da pureza e da santidade da Igreja: A disciplina serve para purificar a Igreja, removendo o "fermento" do pecado que poderia corromper toda a massa (1 Coríntios 5:6-8).

• Dissuasão de outros: A repreensão pública de pecadores contumazes serve como advertência para que outros não cometam pecados semelhantes (1 Timóteo 5:20).

• Vindicação da honra de Cristo e do Evangelho: A disciplina protege o nome de Cristo da desonra causada pelo pecado não tratado.

• Prevenção da ira de Deus: Ao lidar com o pecado, a Igreja evita que a ira de Deus caia sobre a comunidade por tolerar a profanação de seu pacto e sacramentos.

• Obediência e crescimento espiritual: A prática da disciplina demonstra a obediência da Igreja a Deus e promove o crescimento espiritual dos membros.

Os líderes eclesiásticos, sejam pastores ou presbíteros, têm uma responsabilidade primordial na administração da disciplina. Eles são vistos como pastores que prestarão contas a Deus por cada ovelha sob seu cuidado (Atos 20:28; Hebreus 13:17). A autoridade para "ligar e desligar" é confiada a esses oficiais, que a exercem de forma colegiada, e não individualmente, em contraste com o modelo católico-romano ou episcopal. O conselho da igreja, formado pelo pastor e presbíteros, é o corpo responsável pela aplicação da disciplina. A supervisão moral da congregação é parte integrante do trabalho dos presbíteros.


Tipos de Pecados e Níveis de Disciplina

Podemos distinguir entre diferentes tipos de pecados e os níveis apropriados de disciplina. Pecados podem ser classificados como:

• Pecados Privados/Secretos: Devem ser admoestados secretamente, começando com uma confrontação individual (Mateus 18:15).

• Pecados Públicos/Notórios: Aqueles que causam escândalo e são amplamente conhecidos devem ser tratados publicamente (1 Timóteo 5:20; 1 Coríntios 5).

Os passos da disciplina corretiva, conforme Mateus 18, são:

1. Abordagem individual: O ofendido procura o ofensor em particular, buscando o arrependimento.

2. Admoestação com testemunhas: Se o pecador não ouvir, uma ou duas testemunhas são levadas para que a palavra seja estabelecida.

3. Comunicação à Igreja: Se o pecador ainda assim não atender, o assunto é levado ao conhecimento da igreja (ou seus representantes, como o conselho de presbíteros).

4. Excomunhão/Exclusão: Se o pecador se recusar a ouvir a igreja, deve ser considerado "como gentio e publicano", ou seja, excluído da comunhão (Mateus 18:17). A excomunhão é a medida mais severa, reservada para pecados graves, notórios e impenitentes. No entanto, ela deve ser aplicada com o objetivo final de restauração, não de destruição.

O Legado dos Reformadores (Calvino, Knox, Bucer)

A Reforma Protestante foi crucial para o resgate da disciplina eclesiástica, que havia sido deturpada na Igreja Medieval. Martin Bucer (1491-1551) é reconhecido como uma influência significativa sobre João Calvino (1509-1564), especialmente em temas eclesiológicos e na prática da disciplina. Calvino, durante sua estadia em Estrasburgo (1538-1541), amadureceu seu pensamento teológico e incorporou ênfases de Bucer, embora suas ideias já estivessem em germe em suas obras anteriores, como as Institutas de 1536.

Heber Carlos de Campos Júnior, em seu artigo A Doutrina de Calvino sobre Disciplina Eclesiástica foi Principalmente Resultado da Influência de Martin Bucer?, conclui que, embora a influência de Bucer seja clara em tópicos como o uso dos Pais da Igreja, a reação aos anabatistas e a distinção entre níveis de pecado, não se pode afirmar que essa foi a principal ou única influência, já que as próprias experiências pastorais de Calvino e seu amadurecimento teológico foram determinantes. Contudo, Bucer tinha uma visão mais ampla da disciplina, incluindo instrução religiosa, confissão pública, admoestação fraterna e supervisão moral, e a imposição de penitência ou excomunhão para pecados graves. A criação do Consistório em Genebra por Calvino, um corpo com leigos e clérigos para supervisionar a moral, é vista como um resultado de sua experiência e das ideias de Bucer.

João Knox, principal figura da Reforma na Escócia, também foi influenciado por Calvino, integrando os interesses disciplinares calvinistas na administração da Igreja Presbiteriana da Escócia. O Primeiro Livro da Disciplina, coautorado por Knox, estabeleceu o desenvolvimento inicial da disciplina escocesa, distinguindo entre pecados públicos e privados, e prevendo a excomunhão como a sanção máxima para impenitentes.

O Declínio da Disciplina na Igreja Contemporânea

No entanto, devemos expressar grande preocupação com o declínio e a negligência da disciplina em muitas igrejas evangélicas hoje. Este fenômeno é atribuído a vários fatores:

• Pobreza Bíblica e Falta de Preparo Pastoral: Muitos pastores carecem de preparo sobre como implementar a disciplina eclesiástica, e os currículos de seminários tendem a subenfatizá-la em contraste com a pregação e os sacramentos.

• Evangelho Diluído e Pensamento Pós-moderno: Há uma resistência à disciplina devido a um evangelho diluído que enfatiza a felicidade terrena e o crescimento numérico, bem como o relativismo moral pós-moderno, onde "a verdade é relativa e cada pessoa tem sua própria verdade".

• Medo de Ações Legais e Diminuição de Membros: O medo de litígios e a preocupação com a redução do número de membros fazem com que as igrejas evitem a aplicação formal da disciplina.

• Tecnicismo e Linguagem Jurídica: A complexidade dos manuais disciplinares, com sua linguagem técnica e extensos procedimentos, pode ser um impedimento para a liderança.

A negligência da disciplina é vista como uma desobediência a Deus que compromete a saúde da igreja e sua existência.

A Importância da Harmonia, Unidade e Amor Fraternal

Embora a disciplina seja corretiva, precisamos destacar que ela deve ser aplicada com amor, gentileza e com o objetivo de reconciliação e restauração. O Concílio de Jerusalém em Atos 15 é apresentado como um modelo de como a Igreja Primitiva lidava com controvérsias e desavenças de forma consensual e pastoral, fundamentada na Palavra de Deus. A busca pela unidade e harmonia, pautada na fé comum e na oração, cria um ambiente propício para a resolução de conflitos e para a aplicação eficaz da disciplina. A disciplina deve ser um "remédio de salvação" para o pecador, visando seu arrependimento.

A disciplina não é apenas uma tarefa dos oficiais, mas um ministério de toda a Igreja. Começa com a autodisciplina individual. Jay E. Adams, em seu livro Handbook of Church Discipline, e Stephen Davey, em seu livro Disciplina Eclesiástica, corroboram que a palavra "disciplina" compreende métodos educativos e instrutivos, além de atitudes corretivas. A santidade é algo comunitário, e cada crente é responsável por zelar pela pureza da Igreja. O livro Entendendo a Disciplina da Igreja, de Jonathan Leemanenfatiza que cada membro tem um trabalho a fazer, incluindo participar da disciplina, confrontando o pecado em amor, inicialmente de forma privada, e progredindo para os níveis mais públicos se o arrependimento não ocorrer. A disciplina funciona melhor em uma cultura eclesiástica marcada pelo encorajamento e pelo amor, onde as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras.

Em resumo, a disciplina eclesiástica é uma ordenança divina e uma bênção para o povo de Deus, fundamental para a preservação da pureza da Igreja, a honra do nome de Cristo e a restauração do pecador. Seu fiel exercício, enraizado em princípios bíblicos e temperado pelo amor pastoral, é um imperativo para qualquer congregação que deseje ser fiel ao Senhor e manifestar um testemunho eficaz no mundo.


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