28 junho 2025

Disciplina na Igreja

A disciplina eclesiástica, um assunto de profunda relevância para a pureza e a saúde da Igreja, emerge como um ponto importante em nossos dias. Precisamos considerar que é um tema bíblico e, por isso, é necessário um estudo abrangente sobre seus fundamentos, evolução histórica, propósitos e desafios contemporâneos. Este texto tem a intenção de mostrar que a disciplina não é uma prática periférica, mas um distintivo intrínseco da verdadeira Igreja de Cristo, conforme articulado em confissões reformadas e nos ensinamentos apostólicos.

Símbolos Confessionais são unânimes em afirmar que a disciplina eclesiástica é uma das marcas essenciais que distinguem a Igreja verdadeira. A Confissão Belga, de 1561, escrita por Guido de Brés, já apontava que, junto à pregação pura do Evangelho e à correta administração dos sacramentos, o exercício da disciplina para castigar os pecados é fundamental. Essa tríplice marca é reforçada pela Confissão de Fé de Westminster que dedica um capítulo inteiro (capítulo XXX) à importância e à responsabilidade dos oficiais da Igreja em sua execução. A negligência dessa marca é vista como um fator que compromete a pureza da Igreja, ofuscando sua identidade e integridade diante do mundo.

A Confissão de Fé Escocesa declara que as marcas da verdadeira Igreja são: a verdadeira pregação da Palavra de Deus, a correta administração dos sacramentos de Jesus Cristo e, finalmente, a disciplina eclesiástica corretamente administrada, como prescreve a Palavra de Deus, para reprimir o vício e estimular a virtude. O Catecismo de Heidelberg explica que as "chaves do reino dos céus" são exercidas pela pregação do evangelho e pela disciplina cristã. Ele afirma que a igreja cristã tem a obrigação de excluir pessoas que se mostram incrédulas e ímpias, até que demonstrem arrependimento. 

A Segunda Confissão Helvética afirma que os ministros legitimamente chamados exercem as "chaves do Reino de Deus" quando "repreendem e exercem a disciplina sobre o povo confiado aos seus cuidados", abrindo o Reino dos Céus aos obedientes e fechando-o aos desobedientes. Além disso, destaca que "a disciplina é absolutamente necessária na Igreja". A Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 menciona que Deus concedeu à Igreja "todo poder e autoridade necessários ao desempenho da forma de adoração e de disciplina por Ele instituídas para a observância na igreja". Os membros da igreja estão sujeitos à "disciplina e ao governo da igreja". Os Cânones de Dort mencionam que os apóstolos e mestres não descuidaram de manter o povo "sob a ministração da Palavra, dos sacramentos e da disciplina". Por fim, a Confissão de Fé de Guanabara descreve o governo da igreja verdadeira como aquele em que os "desvios sejam corrigidos e reprimidos" para manter a pureza da doutrina.

Fundamentação Bíblica da Disciplina

A base para a disciplina eclesiástica é solidamente encontrada nas Sagradas Escrituras, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, por meio do princípio do Progresso da Revelação. No Antigo Testamento, a santidade de Israel, pautada em ordenanças divinas, exigia a eliminação do pecado para manter a distinção do povo de Deus (Levítico 11:44-45). As punições severas serviam como advertência e para o bem-estar da congregação. O exílio na Babilônia é até mesmo interpretado como um modelo de disciplina divina visando arrependimento e obediência, culminando na restauração (Esdras 10:8). Embora as punições literais do Antigo Testamento não sejam válidas hoje, os princípios de que o pecado não deve ficar impune e de que o povo de Deus deve ser santo permanecem.

No Novo Testamento, Jesus e os apóstolos estabelecem o modelo para a aplicação da disciplina. Mateus 18:15-17 é a passagem primordial, delineando os passos: a admoestação particular (v. 15), o envolvimento de uma ou duas testemunhas (v. 16), e, se o pecador persistir, o assunto é levado à igreja (v. 17). Russell P. Shedd, em seu livro Disciplina na Igreja, afirma que não há passagem mais clara no Novo Testamento sobre a importância da disciplina.

Outras passagens cruciais incluem 1 Coríntios 5, que aborda o caso de imoralidade sexual pública na igreja de Corinto, instruindo a excomunhão do ofensor para a destruição da carne e salvação do espírito (1 Coríntios 5:1-5). Paulo também exorta a igreja a "expulsar o malfeitor" (1 Coríntios 5:13). A analogia do fermento (1 Coríntios 5:6-8) é usada para ilustrar como o pecado contamina toda a massa, justificando a ação disciplinar. Tito 3:10-11 instrui a admoestar o homem faccioso duas vezes e depois evitá-lo, indicando a disciplina para aqueles que causam divisões e ensinam heresias. 2 Tessalonicenses 3:6, 14-15 aborda a disciplina de irmãos que vivem desordenadamente, não trabalhando e se intrometendo na vida alheia, indicando o afastamento para que se envergonhem. 1 Timóteo 5:20 enfatiza a repreensão pública de pecadores contumazes "para que também os demais temam".

Um dos conceitos teológicos mais relevantes para a disciplina é o das "chaves do reino dos céus", outorgadas por Jesus à Sua Igreja (Mateus 16:18-19). Essa autoridade, simbolizada pelas chaves, refere-se ao poder de "ligar e desligar" ou "reter e remitir pecados". Estudiosos explicam que "ligar" e "desligar" se aplica tanto à pregação do evangelho e à admissão de penitentes na comunhão da igreja, quanto à exclusão daqueles que persistem no pecado. James Bannerman, em seu livro A Igreja de Cristo, destaca que essa linguagem não confere à Igreja o poder de perdoar a culpa eterna dos pecados, mas sim a autoridade de aplicar e remover censuras eclesiásticas em referência aos privilégios e punições exteriores da transgressão. Essa autoridade é exercida coletivamente pelos oficiais da igreja, como um presbitério, e não por um único indivíduo.

O propósito da disciplina eclesiástica é multifacetado e visa, antes de tudo, à pureza da Igreja. As fontes enumeram diversos objetivos:

• Restauração do pecador: O principal objetivo é levar o pecador ao arrependimento e à reconciliação com Deus e com a comunidade (Mateus 18:15; 1 Coríntios 5:5; Gálatas 6:1; Tiago 5:19-20).

• Manutenção da pureza e da santidade da Igreja: A disciplina serve para purificar a Igreja, removendo o "fermento" do pecado que poderia corromper toda a massa (1 Coríntios 5:6-8).

• Dissuasão de outros: A repreensão pública de pecadores contumazes serve como advertência para que outros não cometam pecados semelhantes (1 Timóteo 5:20).

• Vindicação da honra de Cristo e do Evangelho: A disciplina protege o nome de Cristo da desonra causada pelo pecado não tratado.

• Prevenção da ira de Deus: Ao lidar com o pecado, a Igreja evita que a ira de Deus caia sobre a comunidade por tolerar a profanação de seu pacto e sacramentos.

• Obediência e crescimento espiritual: A prática da disciplina demonstra a obediência da Igreja a Deus e promove o crescimento espiritual dos membros.

Os líderes eclesiásticos, sejam pastores ou presbíteros, têm uma responsabilidade primordial na administração da disciplina. Eles são vistos como pastores que prestarão contas a Deus por cada ovelha sob seu cuidado (Atos 20:28; Hebreus 13:17). A autoridade para "ligar e desligar" é confiada a esses oficiais, que a exercem de forma colegiada, e não individualmente, em contraste com o modelo católico-romano ou episcopal. O conselho da igreja, formado pelo pastor e presbíteros, é o corpo responsável pela aplicação da disciplina. A supervisão moral da congregação é parte integrante do trabalho dos presbíteros.


Tipos de Pecados e Níveis de Disciplina

Podemos distinguir entre diferentes tipos de pecados e os níveis apropriados de disciplina. Pecados podem ser classificados como:

• Pecados Privados/Secretos: Devem ser admoestados secretamente, começando com uma confrontação individual (Mateus 18:15).

• Pecados Públicos/Notórios: Aqueles que causam escândalo e são amplamente conhecidos devem ser tratados publicamente (1 Timóteo 5:20; 1 Coríntios 5).

Os passos da disciplina corretiva, conforme Mateus 18, são:

1. Abordagem individual: O ofendido procura o ofensor em particular, buscando o arrependimento.

2. Admoestação com testemunhas: Se o pecador não ouvir, uma ou duas testemunhas são levadas para que a palavra seja estabelecida.

3. Comunicação à Igreja: Se o pecador ainda assim não atender, o assunto é levado ao conhecimento da igreja (ou seus representantes, como o conselho de presbíteros).

4. Excomunhão/Exclusão: Se o pecador se recusar a ouvir a igreja, deve ser considerado "como gentio e publicano", ou seja, excluído da comunhão (Mateus 18:17). A excomunhão é a medida mais severa, reservada para pecados graves, notórios e impenitentes. No entanto, ela deve ser aplicada com o objetivo final de restauração, não de destruição.

O Legado dos Reformadores (Calvino, Knox, Bucer)

A Reforma Protestante foi crucial para o resgate da disciplina eclesiástica, que havia sido deturpada na Igreja Medieval. Martin Bucer (1491-1551) é reconhecido como uma influência significativa sobre João Calvino (1509-1564), especialmente em temas eclesiológicos e na prática da disciplina. Calvino, durante sua estadia em Estrasburgo (1538-1541), amadureceu seu pensamento teológico e incorporou ênfases de Bucer, embora suas ideias já estivessem em germe em suas obras anteriores, como as Institutas de 1536.

Heber Carlos de Campos Júnior, em seu artigo A Doutrina de Calvino sobre Disciplina Eclesiástica foi Principalmente Resultado da Influência de Martin Bucer?, conclui que, embora a influência de Bucer seja clara em tópicos como o uso dos Pais da Igreja, a reação aos anabatistas e a distinção entre níveis de pecado, não se pode afirmar que essa foi a principal ou única influência, já que as próprias experiências pastorais de Calvino e seu amadurecimento teológico foram determinantes. Contudo, Bucer tinha uma visão mais ampla da disciplina, incluindo instrução religiosa, confissão pública, admoestação fraterna e supervisão moral, e a imposição de penitência ou excomunhão para pecados graves. A criação do Consistório em Genebra por Calvino, um corpo com leigos e clérigos para supervisionar a moral, é vista como um resultado de sua experiência e das ideias de Bucer.

João Knox, principal figura da Reforma na Escócia, também foi influenciado por Calvino, integrando os interesses disciplinares calvinistas na administração da Igreja Presbiteriana da Escócia. O Primeiro Livro da Disciplina, coautorado por Knox, estabeleceu o desenvolvimento inicial da disciplina escocesa, distinguindo entre pecados públicos e privados, e prevendo a excomunhão como a sanção máxima para impenitentes.

O Declínio da Disciplina na Igreja Contemporânea

No entanto, devemos expressar grande preocupação com o declínio e a negligência da disciplina em muitas igrejas evangélicas hoje. Este fenômeno é atribuído a vários fatores:

• Pobreza Bíblica e Falta de Preparo Pastoral: Muitos pastores carecem de preparo sobre como implementar a disciplina eclesiástica, e os currículos de seminários tendem a subenfatizá-la em contraste com a pregação e os sacramentos.

• Evangelho Diluído e Pensamento Pós-moderno: Há uma resistência à disciplina devido a um evangelho diluído que enfatiza a felicidade terrena e o crescimento numérico, bem como o relativismo moral pós-moderno, onde "a verdade é relativa e cada pessoa tem sua própria verdade".

• Medo de Ações Legais e Diminuição de Membros: O medo de litígios e a preocupação com a redução do número de membros fazem com que as igrejas evitem a aplicação formal da disciplina.

• Tecnicismo e Linguagem Jurídica: A complexidade dos manuais disciplinares, com sua linguagem técnica e extensos procedimentos, pode ser um impedimento para a liderança.

A negligência da disciplina é vista como uma desobediência a Deus que compromete a saúde da igreja e sua existência.

A Importância da Harmonia, Unidade e Amor Fraternal

Embora a disciplina seja corretiva, precisamos destacar que ela deve ser aplicada com amor, gentileza e com o objetivo de reconciliação e restauração. O Concílio de Jerusalém em Atos 15 é apresentado como um modelo de como a Igreja Primitiva lidava com controvérsias e desavenças de forma consensual e pastoral, fundamentada na Palavra de Deus. A busca pela unidade e harmonia, pautada na fé comum e na oração, cria um ambiente propício para a resolução de conflitos e para a aplicação eficaz da disciplina. A disciplina deve ser um "remédio de salvação" para o pecador, visando seu arrependimento.

A disciplina não é apenas uma tarefa dos oficiais, mas um ministério de toda a Igreja. Começa com a autodisciplina individual. Jay E. Adams, em seu livro Handbook of Church Discipline, e Stephen Davey, em seu livro Disciplina Eclesiástica, corroboram que a palavra "disciplina" compreende métodos educativos e instrutivos, além de atitudes corretivas. A santidade é algo comunitário, e cada crente é responsável por zelar pela pureza da Igreja. O livro Entendendo a Disciplina da Igreja, de Jonathan Leemanenfatiza que cada membro tem um trabalho a fazer, incluindo participar da disciplina, confrontando o pecado em amor, inicialmente de forma privada, e progredindo para os níveis mais públicos se o arrependimento não ocorrer. A disciplina funciona melhor em uma cultura eclesiástica marcada pelo encorajamento e pelo amor, onde as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras.

Em resumo, a disciplina eclesiástica é uma ordenança divina e uma bênção para o povo de Deus, fundamental para a preservação da pureza da Igreja, a honra do nome de Cristo e a restauração do pecador. Seu fiel exercício, enraizado em princípios bíblicos e temperado pelo amor pastoral, é um imperativo para qualquer congregação que deseje ser fiel ao Senhor e manifestar um testemunho eficaz no mundo.


26 junho 2025

A Nação de Israel nos Símbolos de Fé de Westminster

Este texto tem a intenção de mostrar o entendimento dos Puritanos, através dos documentos que eles mesmo redigiram no século XVII, sobre o que eles pensavam a respeito da nação de Israel. As declarações da Confissão de Fé, do Catecismo Maior e do Breve Catecismo são exposições do pensamento puritano, o qual entendo ser a interpretação mais próxima das Escrituras.

Os Símbolos de Fé de Westminster esclarecem que Israel, como nação, foi historicamente o povo de Deus no Antigo Testamento. Contudo, o conceito de "povo de Deus" se expandiu para incluir a Igreja, composta por crentes de todas as nações, após a vinda de Cristo. Este estudo pretende detalhar essa compreensão, abordando o papel de Israel no plano divino e a transição para a universalidade da Igreja no pensamento puritano.

1) Israel como Povo de Deus no Antigo Testamento

Os Símbolos de Fé de Westminster explicitam que Israel era o povo escolhido por Deus para um propósito especial no Antigo Testamento.

✔ Pacto Divino: Deus estabeleceu um pacto específico com Israel, libertando-os da escravidão. O prefácio dos Dez Mandamentos, conforme a Pergunta 43 do Breve Catecismo de Westminster e a Pergunta 101 do Catecismo Maior de Westminster, declara: “Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. O Catecismo Maior de Westminster ainda enfatiza que, nessas palavras, Deus se manifesta como "um Deus em pacto com todo o seu povo e com o Israel antigo".

✔ Igreja sob Tutela: Israel era considerado uma "Igreja sob sua tutela". A Confissão de Fé de Westminster (Capítulo III, Seção IV) afirma que Deus deu a Israel "leis cerimoniais que contêm diversas ordenanças típicas", considerando-os uma Igreja sob sua orientação.

✔ Guardiões das Escrituras: As Escrituras do Antigo Testamento foram originalmente escritas em hebraico, a "língua original do antigo povo de Deus" (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo I, Seção VIII). Além disso, "aos judeus foram confiados os oráculos de Deus", como citado na Confissão de Fé de Westminster (Capítulo I, Seção III, com referência a Romanos 3:2; e Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 4).

✔ Origem da Salvação: A salvação teve sua origem nos judeus, como afirmado em João 4:22 e no Capítulo XXI, Seção V da Confissão de Fé de Westminster: “a salvação vem dos judeus”.

✔ Cristo como Rei de Israel: Cristo, como Redentor, exerce o ofício de Rei e é reconhecido como "o Rei de Israel!" conforme João 1:49, citado na Pergunta 23 do Breve Catecismo de Westminster.

2) A Transição e a Igreja como o Povo de Deus no Novo Testamento

Com a vinda de Cristo, houve uma mudança fundamental na relação de Deus com seu povo, culminando na universalização da Igreja.

✔ Abolição das Leis Cerimoniais e Judiciais: As leis cerimoniais e judiciais dadas a Israel foram "todas abolidas sob o Novo Testamento" (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XIX, Seção III), e as leis judiciais "deixaram de vigorar quando o país daquele povo também deixou de existir" (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XIX, Seção IV). Isso indica uma mudança na forma de relacionamento de Deus com seu povo e o cumprimento do propósito nacional de Israel em sua forma anterior.

✔ Pacto da Graça Universal: O pacto da graça, base da relação de Deus com seu povo, é feito "com Cristo, como o segundo Adão; e, nele, com todos os eleitos, como sua semente" (pergunta 31 do Catecismo Maior de Westminster). Este pacto é uma continuidade da promessa feita a Abraão, visando que a "bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo" (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo VII, Seção VI e pergunta 34 do Catecismo Maior de Westminster, também Gálatas 3:14). A justificação de Deus é "mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem; porque não há distinção" entre judeus e gentios (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo VII, Seção VI; pergunta 70 do Catecismo Maior de Westminster e pergunta 35 do Catecismo Maior de Westminster).

✔ Natureza Universal da Igreja: A Igreja visível não está mais restrita a uma nação. Sob o Evangelho, a graça e a salvação são manifestadas "em maior plenitude, evidência e eficácia a todas as nações" (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo VII, Seção VI; Catecismo Maior de Westminster, pergunta 35). Jesus ordenou que se fizessem discípulos de "todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". A pregação do arrependimento para a remissão de pecados deve ser feita "a todas as nações, começando de Jerusalém".

✔ Terminologia Aplicada à Igreja: A Igreja é descrita com termos que antes se aplicavam a Israel, como "raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus" (1 Pedro 2:9), mostrando que os crentes, tanto judeus quanto gentios, agora formam o povo de Deus. A Igreja visível, sob o Evangelho, "não sendo restrita a uma nação, como antes, sob a Lei", agora é "católica ou universal", composta por "todos aqueles que, pelo mundo inteiro, professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos" (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XXV, Seção II; Catecismo Maior de Westminster, pergunta 62).

✔ Batismo como Sinal da Nova Aliança: O Batismo, como sinal e selo da aliança, é aplicado não apenas aos que professam fé, mas também aos "filhos de pais crentes (ainda que só um deles o seja)" (Confissão de Fé de Westminster Capítulo XXVIII, Seção IV). Isso é análogo à circuncisão no Antigo Testamento (Confissão de Fé de Westminster Capítulo XXVIII, Seção I; Catecismo Maior de Westminster pergunta 165; Breve Catecismo de Westminster pergunta 94), que era o "selo da justiça da fé" para Abraão, tornando-o "o pai de todos os que creem", independentemente de serem circuncidados ou não. Isso reitera a inclusão de todos os crentes e seus descendentes na aliança.

✔ Essa continuidade demonstra a inclusão de todos os crentes e seus descendentes na aliança, uma vez que o pacto da graça, sob o evangelho, manifesta-se "com mais plenitude, evidência e eficácia espiritual a todas as nações – tanto aos judeus como aos gentios" (Confissão de Fé de Westminster Capítulo VII, Seção VI; Catecismo Maior de Westminster pergunta 35). A justificação de Deus é "mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem; porque não há distinção" entre judeus e gentios (Rm 3.22; Confissão de Fé Capítulo VII, Seção VI). De fato, a justificação dos crentes, tanto sob o Antigo Testamento quanto sob o Novo Testamento, é, em todos os aspectos, "uma e a mesma" (Confissão de Fé Capítulo XI, Seção VI).

✔ Inclusão de Judeus na Igreja Universal: As orações na Oração Dominical incluem o pedido para que o evangelho seja propagado por todo o mundo, os "judeus, chamados, e que a plenitude dos gentios seja trazida à Igreja" (Catecismo Maior de Westminster, pergunta 191). Isso indica que o plano de Deus para Israel, como povo, é que eles sejam chamados e integrados na mesma Igreja que inclui os gentios. A Igreja invisível é definida como "o número completo dos eleitos que foram e que serão reunidos em um corpo sob Cristo, o Cabeça" (Catecismo Maior de Westminster, pergunta 64), reforçando a ideia de uma unidade futura do povo de Deus sob Cristo.

Portanto...

Os Símbolos de Fé de Westminster não defendem que a nação de Israel ainda possua um propósito específico, à parte da Igreja, no sentido de uma missão ou função nacionalmente distinta. Pelo contrário, eles indicam que o propósito de Deus é que os judeus, assim como os gentios, sejam chamados eficazmente e se unam à Igreja de Cristo, formando um único "povo de Deus" universal (Confissão de Fé de Westminster Capítulo XXV, Seção II; Catecismo Maior de Westminster pergunta 191).

Os Símbolos de Westminster afirmam que Israel foi a nação escolhida por Deus para revelar sua lei e salvação, sendo o "antigo povo de Deus". No entanto, com a Nova Aliança em Jesus Cristo, o conceito de "povo de Deus" universalizou-se e expandiu-se para incluir crentes de todas as nações, formando a Igreja. Essa expansão não anula a eleição histórica de Israel, mas demonstra a plenitude do plano de Deus para justificar e chamar a si pessoas de toda a humanidade "mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem".

23 junho 2025

O Que é o Princípio Regulador do Culto?

O Princípio Regulador do Culto diz respeito à forma do culto público e ao modo como Deus deve ser adorado. Ele afirma que o culto público deve ser bíblico. Em oposição a outras visões (como o princípio normativo defendido por católicos romanos e anglicanos), que sustentam que o que não é diretamente proibido nas Escrituras é permitido no culto, o Princípio Regulador sustenta que o que não for diretamente ensinado nas Escrituras ou necessariamente inferido de seu ensino é proibido no culto. Colocado de forma positiva, o princípio regulador afirma que só é permitido no culto aquilo que tiver real fundamentação bíblica.

Este princípio é, na verdade, a aplicação das doutrinas reformadas da autoridade e da suficiência das Escrituras ao culto. A fé reformada sustenta que as Escrituras são plenamente suficientes em matéria de fé e prática, contendo tudo o que é necessário para a salvação e para viver de modo agradável a Deus. Portanto, nada deve ser acrescentado à Palavra de Deus. Os reformadores e puritanos entendiam que o próprio Deus revela este princípio em Sua Palavra.

Fundamentação Bíblica

Podemos citar diversas passagens bíblicas como base para o Princípio Regulador:

1. Deuteronômio 4:1,2 e 12:32:

Deuteronômio 4:1,2: "Agora pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino... Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela...". Embora não se trate de uma referência especificamente relacionada apenas ao culto, ela evidentemente também inclui o culto público. John Knox argumentou que esta passagem proíbe o homem de fazer a Deus o que pensa ser apropriado, exigindo obediência a todas as Suas Leis, incluindo estatutos, ritos e cerimônias.

Deuteronômio 12:32: "Tudo o que eu te ordeno, observarás; nada lhe acrescentarás nem diminuirás". Este versículo diz respeito exatamente ao culto, sendo a conclusão de um capítulo que trata especificamente do culto público. É considerado um versículo bíblico clássico na defesa reformada do princípio regulador.

2. Levítico 10:1,2 (Nadabe e Abiú): 

O exemplo de Nadabe e Abiú oferecendo fogo estranho que Deus não havia ordenado demonstra que no culto a Deus não pode haver nada apresentado a Deus que Ele não tenha ordenado. Tudo o que se pratica no culto a Deus deve ter fundamentação proveniente da Palavra de Deus. Oferecer "fogo estranho" (não autorizado) é visto como abominação.

3. Mateus 15:9 (citando Isaías 29:13): 

Jesus considera vã (despropositada) a adoração resultante do ensino e tradições humanas: "E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens". Isso demonstra a condenação bíblica de doutrinas e práticas de culto que não são derivadas da Escritura.

4. Colossenses 2:16-23: 

Este texto do Novo Testamento também é citado em defesa do princípio regulador puritano. Paulo condena a "religião auto-imposta" ou "culto da vontade" (ethelothreskeia), que significa culto que se origina da própria vontade do homem. As regras e regulamentos feitos pelo homem "não têm valor algum". Paulo aplica rigorosamente o princípio regulador aqui, condenando qualquer adição ao que Deus ordenou ou autorizou. A passagem, assim como Mateus 15, espelha a condenação às tradições humanas quanto à doutrina, ética e culto.

5. João 4:24: 

Jesus diz que "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade". "Em verdade" denota conformação à verdade revelada de Deus, submissão à Sua Palavra, e aponta especialmente para a conformação às formas externas de culto prescritas por Deus na Sua Palavra. Este princípio de adoração "em espírito e em verdade" estava em vigor na velha e nova alianças. Adorar adequadamente a Deus significa fazê-lo em conformidade com Sua natureza e caráter, achegando-se a Ele em Seus próprios termos e regras, o que significa que o culto deve ser prescrito pela Escritura e não por homens.

O Que é Permitido Segundo o Princípio?

O Princípio Regulador não é a ideia simplista de que "se não está ordenado, está proibido". A definição mais ampla e correta do princípio reformado histórico e confessional afirma que só é permitido no culto o que for expressamente declarado na Escritura ou que possa ser lógica e claramente deduzido dela. Isso inclui:

• Mandamento direto: Como "fazei isto em memória de mim" (Lucas 22:19).

• Inferência lógica e clara: Doutrinas importantes como a Trindade ou a união hipostática são inferidas logicamente das Escrituras. A admissão de mulheres à mesa do Senhor é citada como um exemplo de inferência lógica para uma prática de culto. O significado da Escritura, incluindo suas implicações lógicas, é autoritativo.

• Exemplo histórico aprovado: Uma prática de culto pode ser sancionada por um exemplo histórico aprovado na Bíblia. A mudança do dia de culto público do sétimo para o primeiro dia é um exemplo citado. Exemplos como a oferta de Abel (Gênesis 4:3) ou Noé (Gênesis 8:20) são vistos como baseados em prévia comunicação ou sanção divina, mesmo que não registrada explicitamente como um mandamento para todos.

Elementos Comuns de Culto

Com base na Escritura e no Princípio Regulador, as igrejas reformadas históricas identificaram elementos comuns de culto, práticas específicas válidas para a dispensação do evangelho. A Confissão de Fé de Westminster reflete esta posição. Alguns desses elementos comuns incluem:

• A leitura bíblica.

• A pregação da Palavra.

• A reverente atenção a ela.

• A oração.

• O louvor (cântico de Salmos, hinos e cânticos espirituais).

• A ministração das duas ordenanças: Batismo e Ceia do Senhor.

• A bênção apostólica.

• A apresentação de dízimos e ofertas.

Circunstâncias do Culto

É crucial distinguir entre os elementos (partes do culto que requerem sanção divina específica) e as circunstâncias do culto. Há algumas circunstâncias, comuns às ações e sociedades humanas (como o tipo de edifício, horários, cadeiras, etc.), que não são ordenadas nem proibidas na Palavra de Deus. Estas devem ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra. As circunstâncias não afetam diretamente o conteúdo ou as partes do culto religioso. A tentativa de confundir elementos e circunstâncias é vista como um meio de burlar o princípio regulador e introduzir inovações humanas no culto.

Princípio Libertador

Na concepção reformado-puritana, o princípio regulador não tolhe ou limita a liberdade cristã; pelo contrário, ele a preserva da imposição do cerimonialismo do qual Cristo nos libertou e de quaisquer imposições litúrgicas à liberdade de consciência. Adotar ou obedecer a mandamentos humanos em matéria de consciência é visto como trair a verdadeira liberdade de consciência.

Importância

O Princípio Regulador é considerado um dos pilares da Reforma Calvinista. Sem ele, não haveria uma regra suficiente e autoritativa para o culto, tornando difícil definir o que é permitido e preservar o culto das tradições, invenções e superstições humanas. A luta pela reforma do culto, baseada neste princípio, precisa continuar nos dias atuais.

Em resumo, o Princípio Regulador do Culto Reformado estabelece que a adoração a Deus no culto público deve ser baseada exclusivamente no que Deus ordenou em Sua Palavra, seja por mandamento direto, inferência necessária ou exemplo bíblico aprovado, distinguindo-o das circunstâncias que são ordenadas pela prudência sob regras gerais da Escritura. Este princípio visa garantir que o culto seja conforme a vontade revelada de Deus, e não baseado na imaginação ou tradição humana.


07 junho 2025

A Base da Perseverança dos Crentes

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XVII. Da Perseverança dos Santos 

Seção II. Esta perseverança dos santos não depende do próprio livre-arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles e da natureza do pacto da graça; de todas essas coisas vem a sua certeza e infalibilidade. 



A doutrina da perseverança dos santos ensina que aqueles que Deus aceitou, chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente. Esses crentes têm a certeza de que hão de perseverar nesse estado até ao fim e estarão eternamente salvos. Essa doutrina se refere a cada indivíduo chamado eficazmente, garantindo que nenhum deles se apostatará finalmente ou se perderá, mas cada um certamente perseverará e será salvo. 

Vamos agora compreender que esta perseverança não depende de fatores humanos, mas de ações e atributos divinos: 

1) Esta perseverança dos santos não depende do próprio livre-arbítrio deles 

As Escrituras enfatizam que a salvação, incluindo a perseverança, não se baseia na capacidade ou vontade humana, mas na soberana vontade de Deus, ou seja, eles não decidem nascer de novo, não isso não depende deles (João 1:12-13; Romanos 9:16). Se deixado por si mesmo, o cristão certamente cairia devido à sua fraqueza natural, propensão ao pecado e às tentações. Por natureza o coração do homem é enganoso, não merece confiança (Jeremias 17:9; Marcos 14:38). 

A graça divina é eficaz e, em vez de depender da vontade humana, o Espírito opera para que os crentes queiram obedecer (Filipenses 2:13). 

A perseverança é um dom de Deus, não uma atividade contínua inerente ao homem (João 10:28-29). A ideia de que a perseverança depende da incerta obediência humana é negada, como se vê historicamente no contraste com posições semipelagianas e arminianas (Efésios 2:8-9). 

2) Depende da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai 

A perseverança baseia-se no firme fundamento de Deus, que é a eleição divina (2 Timóteo 2:19). Essa eleição é um decreto imutável, que brota do livre e imutável amor de Deus Pai (Jeremias 31:3). A eleição não se baseia em obras ou fé previstas no homem, mas no soberano beneplácito de Deus, sendo eterna e incondicional (Efésios 1:4-5; Romanos 9:11-13). 

A imutabilidade de Deus em seu Ser, atributos, propósitos, motivos e promessas assegura a salvação dos eleitos (Malaquias 3:6; Hebreus 6:17-18). Deus conhece os que lhe pertencem, tendo-os escolhido para a vida eterna (2 Timóteo 2:18-19; João 10:14). O amor de Deus por seu povo é peculiar e o induziu a enviar seu Filho para a redenção deles (João 3:16; Romanos 5:8). Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (Romanos 11:29), e Ele nunca se arrepende de havê-los dado (Números 23:19; 1 Samuel 15:29). Quando Deus ama, é com um amor eterno. Não é um amor temporal ou passageiro. Uma vez que o homem se torna alvo do amor de Deus, sempre será alvo deste amor eterno (Jeremias 31:3). 

3) Depende da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo 

A perseverança dos santos é assegurada pela obra de Cristo. Cristo veio para salvar seu povo de seus pecados, não meramente para tornar a salvação possível, mas para efetivamente livrá-los (Mateus 1:21; João 10:11). Aqueles que o Pai deu a Cristo virão a Ele com certeza e Ele de modo nenhum deixará que escapem (João 6:37). Cristo dá vida eterna às suas ovelhas, e ninguém as tirará da sua mão, muito menos da mão do Pai (João 10:28-29). Ele morreu por aqueles que lhe foram dados pelo Pai para que pudesse lhes dar vida eterna e não perder um só deles (João 17:2,11,12,24). 

A intercessão de Cristo diante do Pai é constante (Hebreus 7:25) e eficaz, pois o Pai sempre ouve as suas orações (João 11:42). Por meio da sua intercessão, a fé dos eleitos não pode falhar (Lucas 22:32). Cristo orou em favor de Pedro, para que a sua fé não desfalecesse, comportamento bem diferente com relação a Judas Iscariotes. Nada pode separar os crentes do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Romanos 8:38-39). 

Como agora Ele vive para interceder por nós (Hebreus 12:25), a preservação da nossa fé é assegurada pelo contínuo suprimento de Sua graça, suprimento esse que, de outra forma, não seria suficiente para a nossa preservação. Está manifesto que Paulo tinha essas mesmas coisas em mente quando escreveu aos filipenses: "Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus" (Filipenses 1:6). 

4) Depende da permanência do Espírito e da semente de Deus neles 

A perseverança depende da habitação permanente do Espírito em oposição a uma presença temporária (João 14:16). O Espírito Santo habita nos crentes, controla sua vida interior e exterior, iluminando, guiando, santificando, fortalecendo e confortando (Romanos 8:9; Gálatas 5:16-18; João 16:13-14). 

O Espírito é o autor imediato da regeneração, fé e todos os santos exercícios, infundindo novas qualidades no coração (Tito 3:5; 1 Coríntios 12:3). Ele sela os crentes para o dia da redenção (Efésios 1:13; Efésios 4:30), o que confirma a certeza das promessas de Deus e implica a constância da fé. 

A unção que os crentes recebem permanece neles, ensinando-os interior e imediatamente (1 João 2:27). A semente divina que permanece naquele que é nascido de Deus faz com que ele não viva na prática do pecado (1 João 3:9). O que acontece na regeneração dura para sempre, é imortal: o homem interior do coração é incorruptível, porquanto gerado é da semente incorruptível (1 Pedro 3:4). "Fostes regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente" (1 Pedro 1:23). 

A graça no coração é aqui representada como sendo incorruptível e permanente, livrando o crente do pecado, isto é, de uma vida de pecados, na qual vivem as pessoas não regeneradas. Assim sendo, Deus coloca seu Espírito no crente e faz com que ele ande nos seus estatutos (Ezequiel 36:26-27). 

A mesma verdade é ensinada nas seguintes palavras de Cristo: "Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida" (João 5:24). A nova vida que a graça produz é aqui chamada de "vida eterna", é uma possessão do crente desde o presente. A sua perpetuidade é declarada nas palavras: "Não entra em juízo". Se quem já foi feito uma nova criatura e foi justificado mediante a fé pudessem voltar ao mesmo estado do qual foi resgatado pela graça, esse alguém estaria novamente sob o juízo de Deus. Mas Jesus afirmou ser isso impossível. 

Se os que já passaram da morte para a vida podem voltar novamente à morte, então a presente vida que possuem não é eterna, e a declaração "não entra em juízo" fica sem fundamento. 

Aquele que começou a boa obra no crente há de completá-la até ao dia da vinda de Cristo Jesus (Filipenses 1:6). O Espírito utiliza meios como a Palavra de Deus para operar e confirmar a fé e a santidade (2 Timóteo 3:16-17; 1 Pedro 1:23). 

5) Depende da natureza do pacto da graça 

A perseverança dos santos também é assegurada pela natureza do pacto da graça. Este pacto é firme e imutável e nunca poderá ser anulado, pois está fundado unicamente na graça de Deus e não na obediência do homem (Hebreus 13:20-21). 

Deus garante no pacto que tudo o que deve acontecer para a salvação será alcançado (Isaías 55:10-11). No pacto da graça, Deus promete colocar a sua lei nos corações do seu povo e pôr o seu temor dentro deles para que não se apartem dEle (Jeremias 31:33-34; Hebreus 8:10). Podemos acrescentar a passagem de Jeremias 32:40, onde Deus promete que aqueles a quem Ele fez uma aliança jamais se afastarão dEle. O conceito de Deus agindo ativamente no crente para garantir sua fidelidade e não se apostatar é central para a descrição do novo pacto encontrada nas passagens já citadas. 

Conclusão: De todas essas coisas vem a sua certeza e infalibilidade 

A certeza e infalibilidade da perseverança derivam da eleição imutável de Deus, do mérito e intercessão eficaz de Cristo, da permanência do Espírito e da semente divina, e da natureza do pacto da graça. A certeza não se baseia na constância humana, mas no propósito de Deus, na obra de Cristo, na habitação do Espírito e no amor imutável de Deus. 

Os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento, assegurando que aqueles que Ele justificou nunca serão condenados (Romanos 11:29). O selo do Espírito confirma a certeza das promessas de Deus e da salvação (Efésios 1:13-14). Deus é fiel e guardará os crentes do Maligno (2 Tessalonicenses 3:3). 

A apostasia de alguns não invalida a fidelidade de Deus e a certeza do seu conselho para com os eleitos (1 João 2:19). As ovelhas de Cristo jamais perecerão, e ninguém as arrebatará das mãos dEle (João 10:28). Esta certeza não leva à licenciosidade, mas ao zelo e à santidade (Romanos 6:1-2). 


A Doutrina da Perseverança dos Santos

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XVII. Da Perseverança dos Santos 

Seção I. Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente, mas com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente salvos. 



A doutrina da perseverança final dos santos afirma que aqueles que foram chamados eficazmente por Deus para exercer a fé genuína certamente permanecerão firmes até a salvação final. Isso não se aplica a uma classe geral de pessoas de forma usual, mas a cada indivíduo dentro dessa classe, de modo que nenhum deles apostatará ou se perderá definitivamente; cada um certamente perseverará e será salvo. As Escrituras ensinam essa salvação final de todos os crentes.

As Escrituras, e a CFW se baseia nelas, indicam que esta perseverança não se deve à excelência ou poder do crente, mas sim ao propósito e poder de Deus e à graça que Ele concede.

Reconhece-se a fraqueza do homem, que, se deixado por si só, certamente cairia, um perigo contra o qual o crente é constantemente advertido. Mesmo os mais instruídos e santificados estão sujeitos a esse perigo, evidenciado pelos pecados cometidos, que podem, por vezes, ser graves, chegando até mesmo à negação real da fé e ao afastamento de Deus. Entretanto, do perigo inerente a si mesmo, o crente é resgatado pelo poder e pela graça de Deus, que, por Sua vigilante preservação, guarda Seus filhos indignos, impedindo que se afastem totalmente dEle e os conduzindo finalmente à salvação que Ele planejou. Ao fazer isso, Deus não age independentemente da cooperação do crente, mas os conduz à salvação através de sua própria perseverança na fé e santidade.

Diversas passagens bíblicas são apresentadas para apoiar esta doutrina. Por exemplo, João 10.27-29 declara: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar". Este texto é usado para mostrar a segurança das ovelhas nas mãos de Cristo e do Pai.

Outro texto fundamental é Filipenses 1.6: "Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus". Este verso apoia a ideia de que a obra de Deus na vida do crente é contínua e será concluída.

A certeza da salvação do crente é atribuída ao propósito de Deus. As Escrituras afirmam que aqueles que creem foram "ordenados à vida eterna" (Atos 13.48), e aqueles que são finalmente glorificados foram preordenados para serem conformados à imagem de Cristo e, portanto, chamados (Romanos 8.29).

O próprio Jesus declarou que é a vontade do Pai que Ele "não perca nada de tudo o que ele me deu, mas o ressuscite no último dia" (João 6.39). E ainda temos 1 Pedro 1:5,9: "Vocês são guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para ser revelada no último tempo. (...) Pois vocês estão alcançando o alvo da fé, a salvação da alma". Esta salvação final é, portanto, vista como uma inferência necessária dessas doutrinas.

Além do poder de Deus, a perseverança também é atribuída à graça de Deus. Romanos 4.16 afirma que a salvação deve ser pela fé, "a fim de que a promessa seja certa para toda a descendência". Aqueles que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus (Romanos 8.14), e a salvação não depende do querer ou do correr do homem, "mas de Deus" (Romanos 9.16).

Deus implanta no seu eleito uma semente que se torna garantia de que ele é um nascido de Deus e que por isso ele irá perseverar nos caminhos dEle, como diz 1 João 3:9: "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado, pois o que permanece nele é a semente divina; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus".

A operação do Espírito Santo nos crentes, descrita como "selagem" (Efésios 1.13; 4.30), também é apresentada como prova da "certeza da salvação e da perseverança". Este selo é considerado "indestrutível" e para "o dia da redenção", ou seja, até o fim. A selagem para a obtenção infalível da salvação implica a selagem para a contínua constância da fé. O Espírito habita perpetuamente nos crentes, consolando- os e sustentando-os continuamente até o fim.

Cristo também intercede constantemente pelos crentes (Hebreus 7.25), e Suas orações são eficazes, pois o Pai sempre as ouve (João 11.42). O Espírito Santo também intercede por nós (Romanos 8.26). Temos aqui a Trindade agindo em conjunto para conformar a obra de salvação para todos os eleitos.

A doutrina da perseverança final está repleta de consolação para o crente prestes a desfalecer em seu conflito espiritual. Ao encontrar evidências do amor de Deus em seu coração, o crente é autorizado a considerar essa graça como um penhor de sua herança futura. No entanto, as Escrituras Sagradas, a Palavra de Deus, também mencionam advertências contra a apostasia encontradas nas Escrituras (Mateus 24.3-14, Colossenses 1.21-23a, 1 Coríntios 10.12, Hebreus 2.1).

Essas advertências não são vistas como prova de que um crente verdadeiramente regenerado possa perder a salvação, mas sim como meios que Deus usa para motivar os crentes a permanecerem comprometidos com Ele. Observe 2 Pedro 1:10: "Por isso, irmãos, empenhem-se cada vez mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês; porque, fazendo isso, vocês jamais tropeçarão".

A necessidade de perseverar na fé deve ser usada como advertência contra abandonar a fé, indicando que quem a abandona dá evidência de que sua fé nunca foi real. Textos das Escrituras que parecem apresentar casos de apostasia real podem ser argumentados como não provando que essas pessoas realmente receberam a graça da regeneração ou que a perderam de forma permanente. Quanto a esses textos iremos analisar em uma EBD logo após a conclusão deste capítulo. Podem me cobrar!

Em resumo, esta doutrina, conforme apresentada na Confissão e baseada na Palavra de Deus, sustenta que a perseverança dos santos é uma obra segura de Deus em favor daqueles que Ele eficazmente chamou e santificou, garantindo que eles não cairão final ou totalmente do estado de graça, mas serão preservados pelo poder, propósito e graça divina até a salvação final. Esta doutrina oferece grande consolação e as advertências nas Escrituras servem como um meio para encorajar e manter o crente no caminho da fé e santidade.