20 abril 2025

Confessando a Deus e aos Irmãos: O Dever do Arrependimento Específico na Vida Cristã

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XV. Do Arrependimento Para a Vida 

Seção V. Os homens não devem se contentar com um arrependimento geral, mas é dever de todos procurar arrepender-se particularmente de cada um de seus pecados.

Seção VI. Como cada homem é obrigado a fazer a Deus confissão particular de seus pecados, pedindo-lhe o perdão deles (e abandonando-os achará misericórdia); assim também aquele que escandaliza a seu irmão ou a Igreja de Cristo deve estar pronto, por meio de uma confissão particular ou pública de seu pecado e do pesar que por ele sente, a declarar o seu arrependimento aos que estão ofendidos; isso feito, estes devem reconciliar-se com o penitente e recebê-lo em amor.




A reflexão sobre a natureza do arrependimento e da confissão revela uma dinâmica essencial da vida cristã, que vai além de uma mera constatação genérica de falibilidade humana. As Escrituras e a tradição teológica reformada consistentemente apontam para a necessidade de um engajamento pessoal e específico com os próprios pecados. A Confissão de Fé de Westminster articula essa necessidade, afirmando que os homens não devem se contentar com um arrependimento geral, mas têm o dever de procurar arrepender-se particularmente de cada um de seus pecados. Este mandamento implica um exame de consciência diligente, conforme sugerido em Salmos 19:13, que exorta a buscar libertação de transgressões desconhecidas.

A obrigação de confessar pecados não se limita a um foro íntimo com Deus. Como cada pessoa é obrigada a fazer a Deus uma confissão particular de seus pecados, pedindo-lhe perdão e, crucialmente, abandonando-os para alcançar misericórdia, a dinâmica da confissão se estende ao âmbito das relações interpessoais dentro da comunidade da fé. Aquele que causa escândalo a um irmão ou à Igreja de Cristo tem um dever correlato: estar pronto a declarar seu arrependimento àqueles que foram ofendidos, através de uma confissão particular ou pública de seu pecado e do pesar que por ele sente. Este reconhecimento da transgressão e a demonstração de contrição são passos necessários para que os ofendidos possam se reconciliar com o arrependido e recebê-lo em amor.

Essa perspectiva sobre o arrependimento e a confissão destaca a seriedade do pecado não apenas como uma ofensa vertical contra Deus, mas também como uma ruptura horizontal na comunhão do corpo de Cristo. A busca por reconciliação, portanto, envolve tanto o reconhecimento da culpa diante de Deus quanto a reparação das relações danificadas com o próximo. A prontidão em confessar e o subsequente ato de perdoar e receber o ofensor arrependido refletem o evangelho da reconciliação em ação dentro da igreja. De modo geral, o tema da necessidade de arrependimento particular e confissão, tanto a Deus quanto aos ofendidos, lança luz sobre a profundidade da transformação pessoal e a importância da restauração da comunhão na vida cristã.

1. A Insuficiência do Arrependimento Geral e a Necessidade do Arrependimento Particular

A seção V inicia afirmando categoricamente que "Os homens não devem se contentar com um arrependimento geral, mas é dever de todos procurar arrepender-se particularmente de cada um de seus pecados". Esta declaração destaca a importância de um exame de consciência individual e minucioso, onde cada transgressão é trazida à luz e reconhecida diante de Deus.

Podemos usar como referência bíblica para esta afirmação o Salmos 19:13: "Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então serei irrepreensível, e ficarei livre de grande transgressão". Este versículo demonstra a consciência do salmista sobre pecados específicos, em particular a soberba, e seu desejo de ser guardado deles para ser irrepreensível.

Outro exemplo que podemos citar é o de Lucas 19:8: "Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres metade de meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais". A atitude de Zaqueu ilustra um arrependimento concreto e direcionado a pecados específicos de extorsão e roubo, com a disposição de fazer restituição.

O terceiro texto que podemos nos apoiar é 1 Timóteo 1:13-15: "… a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade. Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal". Paulo reconhece seus pecados passados de blasfêmia, perseguição e insolência de forma particular, destacando como a graça de Deus o alcançou apesar de suas transgressões específicas.

Esses exemplos bíblicos fundamentam a doutrina de que o arrependimento genuíno não se limita a um vago reconhecimento da pecaminosidade humana, mas envolve a identificação e o reconhecimento individual de cada pecado cometido.

2. A Obrigação da Confissão Particular a Deus

A seção seguinte do capítulo 15 enfatiza: "Como cada homem é obrigado a fazer a Deus confissão particular de seus pecados, pedindo-lhe o perdão deles (e abandonando-os achará misericórdia)". Esta afirmação estabelece a confissão individual como um dever para todo crente que busca o perdão divino.

As referências bíblicas que sustentam esta verdade são o Salmos 51:4,7,9,14: "Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau aos teus olhos… Eis que eu nasci em iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe… Esconde a tua face dos meus pecados e apaga todas as minhas iniqüidades… Livra-me do crime de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação, para que a minha língua cante louvores da tua justiça". Este salmo, uma oração de confissão de Davi após seu pecado com Bate-Seba, demonstra uma confissão direta e pessoal a Deus, reconhecendo a natureza específica de suas transgressões. E também Salmos 32:5-6: "Confessei-te o meu pecado e não encobri a minha iniqüidade; dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a culpa do meu pecado. Sendo assim, todo homem piedoso te fará súplicas em tempo oportuno". Este salmo ressalta a importância da confissão para obter o perdão e encoraja todos os piedosos a buscarem a Deus em confissão.

Além disso, temos o texto bíblico de Provérbios 28:13: "O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e as abandona alcançará misericórdia". Este versículo estabelece uma clara associação entre a confissão e o abandono do pecado com a obtenção de misericórdia divina.

A passagem de 1 João 1:9 também podemos citar aqui: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça". Este versículo reafirma a promessa de perdão para aqueles que confessam seus pecados a Deus.

François Turretin, na sua obra “Compêndio de Teologia Apologética”, no Volume III, detalha o arrependimento real e salvífica, consistindo em contrição, confissão diante de Deus (interna e externa, com auto acusação, condenação e reprovação do castigo, implorando graça) e propósito de correção. Ele enfatiza que a confissão primária é feita no tribunal da consciência, diante de Deus.

Louis Berkhof, em seu livro "A História das Doutrinas Cristãs", observa que os primeiros Pais da Igreja, em harmonia com o Novo Testamento, ressaltavam o "arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo" como meios para obter as bênçãos da salvação. A fé era vista como o instrumento para receber os méritos de Cristo e o arrependimento envolvia o abandono do pecado.

3. A Confissão a Irmãos e à Igreja em Caso de Escândalo

A seção VI deste capítulo da CFW prossegue: "Assim também aquele que escandaliza a seu irmão ou a Igreja de Cristo deve estar pronto, por meio de uma confissão particular ou pública de seu pecado e do pesar que por ele sente, a declarar o seu arrependimento aos que estão ofendidos". Esta seção trata da responsabilidade do crente em confessar seus pecados quando estes causam escândalo ou ofendem outros membros da comunidade da fé.

As referências bíblicas para esta obrigação são Tiago 5:16: "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. A oração do justo, quando eficaz, pode muito". Este versículo encoraja a confissão mútua de pecados entre os crentes, com o propósito de cura e restauração. Lucas 17:3-4: "Tende cuidado de vós mesmos. Se teu irmão pecar, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se pecar contra ti sete vezes no dia e sete vezes vier ter contigo, dizendo: Arrependo-me, perdoa-lhe". Esta passagem enfatiza a necessidade de repreensão em caso de pecado e a prontidão para perdoar mediante o arrependimento manifestado. Josué 7:19: "Então, disse Josué a Acã: Filho meu, dá, peço-te, glória ao Senhor, Deus de Israel, e confessa-lhe; e dize-me agora o que fizeste; não mo ocultes". O exemplo de Acã sendo chamado a confessar seu pecado demonstra a importância da confissão em um contexto comunitário, especialmente quando o pecado afeta a todos. O Salmo 51:1-19 também serve de modelo para a expressão de profundo pesar e arrependimento após o pecado, buscando a restauração tanto com Deus quanto com a comunidade.

O parágrafo especifica que a confissão pode ser particular ou pública, dependendo da natureza do pecado e do escândalo causado. Pecados que afetam diretamente um indivíduo podem ser tratados com uma confissão particular (Tiago 5:16), enquanto pecados que trazem opróbrio à igreja podem demandar uma confissão pública (1 Timóteo 5:20). O essencial é a manifestação sincera do arrependimento e do pesar pelo pecado cometido.

Mais uma vez, François Turretin, na sua obra "Compêndio de Teologia Apologética”, no Volume III, reconhece que aquele que ofende a igreja publicamente deve confessar seu pecado diante dela para ser reconciliado e admitido à comunhão, após dar prova de seu arrependimento. Contudo, ele nega que a absolvição judicial de um sacerdote/padre/pastor seja necessária para isso. Ele também afirma que, se alguém sente sua consciência perturbada por pecados graves, pode buscar a consolação de seus irmãos fieis, especialmente de um pastor, para obter aconselhamento e absolvição do pecado. No entanto, ele enfatiza que tal confissão deve ser livre e não requerida de todos como uma necessidade divina para a salvação.

Herman Bavinck, na obra "Dogmática Reformada”, no volume 3, menciona a distinção bíblica entre tristeza piedosa que leva ao arrependimento para a salvação e a tristeza do mundo que produz morte. O arrependimento genuíno envolve mais do que mero remorso pelas consequências do pecado, mas uma mudança de coração e uma aversão ao pecado em si.

4. Reconciliação e Recepção em Amor

A conclusão da seção VI declara: "Isso feito, estes devem reconciliar-se com o penitente e recebê-lo em amor". Esta afirmação estabelece a responsabilidade da parte ofendida, seja o indivíduo ou a igreja, em perdoar e restaurar o pecador arrependido à comunhão.

Podemos citar para este aspecto o texto de 2 Coríntios 2:8: "Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor". Este versículo, no contexto da restauração de um pecador que havia causado tristeza à igreja de Corinto, exorta os crentes a reafirmarem seu amor e a receberem o arrependido de volta à comunhão.

François Turretin, na mesma obra já citada, descreve o poder da disciplina eclesiástica como possuindo duas chaves: fechar e atar, abrir e desatar (Mateus 16:19). A segunda chave refere-se àqueles que se arrependem sinceramente, que, após a devida reparação, devem ser recebidos novamente à comunhão da igreja e dos sacramentos (2 Coríntios 2:6-8). Ele enfatiza que a excomunhão (o nível mais alto de disciplina) não é uma separação perpétua, mas temporária, visando o arrependimento e a restauração (Gálatas 6:1).

A disciplina da igreja, conforme descrito na Confissão de Fé Westminster, baseada nas Escrituras, tem como objetivo levar o pecador ao arrependimento e remover maus exemplos (1 Coríntios 5:6-7). Os oficiais da igreja devem proceder com repreensão, suspensão da Ceia do Senhor e, em casos extremos, exclusão do rol de membros (Mateus 18:15-17). No entanto, quando o ofensor dá testemunho de seu arrependimento, ele não deve mais ser pressionado, e a reconciliação deve ocorrer, trazendo-o de volta à membresia e comunhão da igreja (2 Coríntios 2:7-8).

5. Implicações Teológicas e Práticas

O ensino sobre o arrependimento e a confissão particular de pecados tem diversas implicações teológicas e práticas importantes.

Teologicamente, enfatiza a soberania de Deus no perdão, que é concedido mediante a confissão e o abandono do pecado, conforme suas promessas (1 João 1:9). Contrapõe-se a visões que atribuem poder inerente a sacerdotes para perdoar pecados de forma judicial, como mencionado por François Turretin ao refutar a doutrina romanista da penitência e por Herman Bavinck ao discutir a confissão auricular. A justificação é vista como um ato de Deus baseado nos méritos de Cristo, recebido pela fé (Romanos 5:1), e o arrependimento e a confissão são evidências da graça transformadora na vida do crente.

Praticamente, este ensino exorta os crentes a uma vida de constante autoexame, reconhecendo suas falhas e buscando o perdão de Deus de forma contínua (1 Coríntios 11:28). Encoraja a honestidade e a transparência nas relações dentro da comunidade da fé, promovendo a cura e a restauração em casos de ofensa e escândalo (Tiago 5:16). A prontidão para confessar e a disposição para perdoar são vistas como marcas de uma comunidade cristã saudável e alinhada com o Evangelho (Mateus 18:21-22).

James Petigru Boyce, na sua obra "Teologia Sistemática", destaca que a obra do Espírito Santo é a aplicação da redenção comprada por Cristo, levando os eleitos ao arrependimento e à fé. Isso reforça a ideia de que o arrependimento genuíno é uma obra da graça divina na vida do crente e a igreja deve reconhecer isso quando um membro admite que pecou e deseja ser readmitido.

Conclusão

Estas duas seções que acabamos de estudar, sobre o arrependimento e a confissão particular de pecados, fundamentado nas Escrituras e explicitado por outros documentos teológicos, enfatiza a necessidade de um exame de consciência individual e específico, reconhecendo cada pecado diante de Deus em busca de perdão e misericórdia. Além disso, ressalta a importância da confissão diante de irmãos e da igreja quando o pecado causa ofensa ou escândalo, visando a reconciliação e a restauração da comunhão em amor. Este ensino promove uma vida cristã de humildade, responsabilidade e busca constante pela graça divina, bem como relacionamentos saudáveis e restauradores dentro da comunidade da fé.

16 abril 2025

Nem satisfação, nem causa, porém necessário: O Papel do Arrependimento para o Perdão

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XV. Do Arrependimento Para a Vida 

Seção III. Ainda que não devamos confiar no arrependimento como sendo de algum modo uma satisfação pelo pecado ou em qualquer sentido a causa do perdão dele, o que é ato da livre graça de Deus em Cristo, contudo ele é de tal modo necessário aos pecadores que, sem ele, ninguém poderá esperar o perdão.

Seção IV. Como não há pecado tão pequeno que não mereça a condenação, assim também não há pecado tão grande que possa trazer a condenação sobre os que se arrependem verdadeiramente.


A necessidade de reconhecer a própria pecaminosidade e voltar-se para Deus é o pressuposto para a experiência do perdão e da reconciliação com Deus. Vamos entender o conceito de arrependimento e sua relação com o perdão, a natureza do arrependimento como não sendo uma satisfação pelo pecado ou causa do perdão, a livre graça de Deus em Cristo como a fonte do perdão, a indispensabilidade do arrependimento para se esperar o perdão, a universalidade da condenação merecida pelo pecado, e a suficiência do arrependimento verdadeiro para a obtenção do perdão, mesmo para pecados graves.

1) O Arrependimento não como Satisfação pelo Pecado ou Causa do Perdão

A Confissão de Fé de Westminster afirma categoricamente que "não devemos confiar no arrependimento como sendo de algum modo uma satisfação pelo pecado ou em qualquer sentido a causa do perdão dele". Esta declaração estabelece um princípio importante na teologia reformada, distinguindo o arrependimento de noções de auto-justificação ou de mérito humano diante de Deus.

Temos referências bíblicas que sustentam esta perspectiva. Ezequiel 36.31-32 descreve um tempo futuro em que o povo de Deus se lembrará de seus maus caminhos e terá nojo de si mesmo por causa de suas iniquidades e abominações, enfatizando que isso não será feito por amor a eles, mas pela graça divina. Similarmente, Ezequiel 16.61-63 destaca que o reconhecimento da própria maldade e a vergonha precederão o estabelecimento da aliança divina e o perdão, sendo este último um ato da livre graça de Deus.

Louis Berkhof concorda com esta distinção ao criticar a teoria anselmiana da expiação por apresentar erroneamente a punição e a satisfação como alternativas e por reputar os sofrimentos de Cristo como um "tributo voluntário à honra de Deus, um mérito supérfluo que teria servido para compensar pelos deméritos alheios", assemelhando-se à "idéia católico-romana da penitência, aplicada à obra de Cristo". Berkhof enfatiza o caráter objetivo da expiação, baseada na natureza imutável de Deus, e a doutrina penal substitutiva, onde Cristo suportou a penalidade devida ao pecado, e não meramente ofereceu um tributo voluntário. Portanto, a satisfação pela justiça divina é realizada pela obra de Cristo, e não pelo arrependimento do pecador.

2) O Perdão como Ato da Livre Graça de Deus em Cristo

A passagem inicial declara que o perdão "é ato da livre graça de Deus em Cristo", e temos os textos de Oséias 14.2-4, Romanos 3.24 e Efésios 1.7 como fundamentos bíblicos. A ideia central é que o perdão não é algo que o pecador possa merecer ou conquistar através do seu arrependimento, mas sim um dom gracioso de Deus, tornado possível através da obra redentora de Jesus Cristo.

François Turretini reforça essa noção ao afirmar que "a magnitude da corrupção e da impotência introduzidas pelo pecado" demonstram a necessidade de uma ação divina para a conversão e o perdão. A salvação é apresentada como sendo pela graça, em contraste com as obras. Turretini cita Bernardo de Claraval, que afirmava: "A justiça de outro é designada àquele a quem faltava justiça pessoal" e o "meu mérito, pois, é a compaixão do Senhor".

A teologia sistemática de Charles Hodge também enfatiza que a salvação é pela graça, e não pelas obras, entendendo que "ela em nada se fundamenta no próprio crente". O dom do Filho de Deus para a redenção é apresentado como a "mais portentosa exibição de um amor imerecido". A justificação, portanto, não se baseia em algo inerente ao pecador, mas na justiça de Cristo imputada através da fé.

3) A Necessidade do Arrependimento para Esperar o Perdão

Apesar de não ser a causa do perdão, o arrependimento é descrito como "de tal modo necessário aos pecadores que, sem ele, ninguém poderá esperar o perdão", com referências a Lucas 13.3-5 e Atos 17.30-31. Isso aponta para a natureza transformadora da graça divina, que opera no coração do pecador, levando-o ao reconhecimento do seu pecado e ao desejo de voltar-se para Deus.

Wayne Grudem explica que qualquer "proclamação genuína do evangelho deve incluir um convite para fazer uma decisão consciente de abandonar os pecados pessoais e voltar a Cristo na fé, para perdão dos pecados". Ele observa que, embora a fé seja frequentemente mencionada como necessária para a salvação, o arrependimento genuíno e a fé genuína estão tão intrinsecamente ligados que muitas vezes apenas o arrependimento é mencionado, com a fé subentendida.

Herman Bavinck argumenta que a igreja cristã sempre reconheceu que a salvação recebida era um "dom de Deus". A reflexão sobre esse fato levou à compreensão de que a fé e o arrependimento não são meros atos humanos autônomos, mas são originados na "graça eficaz de Deus", precedendo a fé e o arrependimento, inclusive nos adultos.

No entanto, François Turretini ressalta que a graça de Deus não está atada aos sacramentos, e que o batismo, por exemplo, não é absolutamente necessário à salvação, podendo ser substituído pelo desejo e pelo martírio. Isso sugere que, embora o arrependimento interior seja essencial, a ausência de ritos externos por impossibilidade não necessariamente impede o perdão.

4) A Universalidade da Condenação Merecida pelo Pecado

A Confissão afirma que "não há pecado tão pequeno que não mereça a condenação” e podemos comprovar em passagens como Romanos 6.23; Romanos 5.12 e Mateus 12.36. Esta declaração sublinha a seriedade de toda transgressão aos olhos de um Deus santo e justo.

Charles Hodge enfatiza a "espiritualidade da lei divina e a imutabilidade de seus requerimentos", que condenam "qualquer falta de conformidade com a norma de perfeição absoluta exibida na Bíblia". Ele cita diversas passagens bíblicas que atestam que "todos os homens são pecadores". A doutrina do pecado original, como apresentado na Teologia Sistemática de Alan Myatt e Franklin Ferreira, baseia-se em Gênesis 3 e na evidência de que "somos pecadores a partir do nascimento" (Sl 51.5) e que "todos somos pecadores" (Rm 3.10-12). A conexão entre o pecado de Adão e a situação da raça humana em Romanos 5.12-19 reforça a ideia de que o pecado, em sua raiz, traz consigo a condenação.

5) A Suficiência do Arrependimento Verdadeiro para o Perdão de Pecados Graves

Em contraste com a universalidade da condenação merecida, a Confissão declara que "assim também não há pecado tão grande que possa trazer a condenação sobre os que se arrependem verdadeiramente” (Is 55.7; Rm 8.1; Is 1.16-18). Esta promessa oferece esperança e segurança para aqueles que, conscientemente, se voltam de seus pecados para Deus.

A misericórdia divina é um tema central aqui. François Turretini explica que expiar, da parte de Deus, é "aceitar uma expiação feita por um sacerdote por meio do perdão e da remissão do pecado". A reconciliação com Deus, conquistada por Cristo através de sua morte, pressupõe a superação da divergência causada pelo pecado.

Wayne Grudem enfatiza que o convite do evangelho é para abandonar os pecados e voltar-se para Cristo "para perdão dos pecados", sem restringir o alcance desse perdão. A suficiência da expiação de Cristo é tal que pode cobrir até mesmo os pecados mais graves, contanto que haja um arrependimento genuíno.

No entanto, é importante notar que alguns textos bíblicos podem parecer desafiar essa ideia, como as passagens que falam da impossibilidade de restauração para o arrependimento em certos casos (Hb 6.4-8; Hb 10.26-31). Herman Bavinck argumenta que essas passagens se referem a um "pecado muito particular", a "blasfêmia contra o Espírito Santo", e não invalidam a possibilidade de perdão para outros pecados mediante o arrependimento.

6) O Papel da Graça Divina no Arrependimento

É crucial reconhecer que o próprio ato de arrependimento, embora uma resposta humana, é também fruto da graça divina. Como mencionado anteriormente, Bavinck argumenta que o arrependimento se origina na "graça eficaz de Deus". François Turretini afirma que o mesmo Deus que ordena o afastamento da iniquidade opera esse afastamento em nós por seu Espírito.

A capacidade de se arrepender não é inerente ao ser humano caído, mas é um dom de Deus. A “bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento” (Rm 2.4). Assim, o arrependimento verdadeiro é tanto um ato de volição humana quanto uma obra da graça divina no coração do pecador.

Conclusão

O estudo destes parágrafos da CFW revela uma compreensão rica e equilibrada do arrependimento e do perdão na teologia reformada. O arrependimento, embora essencial e necessário para se esperar o perdão, não é em si mesmo uma satisfação pelo pecado ou a causa do perdão. Vimos que o perdão é um ato soberano da livre graça de Deus, tornado possível tão somente através da obra redentora de Jesus Cristo. A seriedade do pecado é inegável, com toda transgressão merecendo a condenação divina. Contudo, a misericórdia de Deus é tal que nenhum pecado é grande demais para ser perdoado quando acompanhado de um arrependimento verdadeiro, que é, em última instância, capacitado pela própria graça divina. Esta compreensão teológica oferece uma base sólida para a prática da confissão de pecados e para a confiança na promessa do perdão para todos aqueles que se voltam sinceramente para Deus em Cristo.



15 abril 2025

[Exposição] Uma Falsa Paz | Mateus 7.21-23

21 Nem todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
22 Muitos dirão a mim naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profetizado em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos milagres?’
23 Então lhes declararei: Nunca os conheci. Afastai-vos da minha presença, vós que praticais o mal. (Mateus 7.21-23) 


Aqui estamos diante do fim do Sermão do Monte. Nas últimas palavras do Sermão, o próprio Filho de Deus nos confronta com a realidade de que a mera profissão de fé nem sempre garante a entrada no reino dos céus. A mensagem central desses versículos é o perigo do auto engano e da auto ilusão, um tema que ele conecta diretamente à advertência contra os falsos profetas no parágrafo anterior. Ele também ressalta que esses versículos servem para enfatizar que nada tem valor diante de Deus, exceto a verdadeira retidão e santidade.

Consideremos agora esta advertência em 3 pontos, pois ela nos chama para examinar o cerne de nossa relação com Deus.

1) Primeiramente, reflitamos sobre o significado de clamar "Senhor, Senhor"

Muitos podem invocar o nome de Cristo, professar a religião cristã, professar sujeição a Ele e até mesmo usar Seu nome em ministérios públicos, buscando reconhecimento e aceitação. Contudo, nem todos que proferem essas palavras com os lábios possuem um amor sincero e uma fé verdadeira em Cristo — "... este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim…" (Isaías 29:13).

A verdadeira entrada no reino dos céus não se resume a uma declaração verbal, mas sim a fazer a vontade do Pai que está nos céus — "Por que me chamais Senhor, Senhor, não fazem o que eu mando?" (Lucas 6:46). Essa vontade, no que concerne aos cristãos, envolve especialmente a fé em Cristo para vida e salvação, a fonte de toda verdadeira obediência evangélica — "E esta é a vontade daquele que me enviou: que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna" (João 6:40).

A ortodoxia, a crença correta sobre Jesus, é essencial — "Todo aquele que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus" (1 João 4:15), mas depender apenas dela é um perigo, pois até os demônios creem — "Crês tu que Deus é um só? Fazes bem. Também os demônios o crêem e estremecem" (Tiago 2:19).

O que devemos ter é a ortopraxia, que é a conduta correta baseada na doutrina bíblica ensinada por Jesus — "Se vocês sabem estas coisas, bem-aventurados serão se as praticarem" (João 13:17). A palavra ortopraxia vem do grego orthopraxia, que significa "prática correta", e é essa prática que evidencia a fé viva — "Assim também a fé, se não tiver obras, por si só está morta" (Tiago 2:17).

2) Em segundo lugar, ponderemos sobre as falsas evidências de salvação que podem nos enganar

No dia do juízo, muitos dirão a Cristo: "Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas obras maravilhosas?". É possível pregar a doutrina correta em nome de Cristo, expulsar demônios e realizar muitos milagres, e ainda assim ser excluído do reino. Essas obras, mesmo as mais extraordinárias, podem ser realizadas com motivos errados, buscando a própria glória e não a de Cristo — "Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens" (Colossenses 3:23) — ou impulsionadas pela carne e não pelo Espírito — "Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus" (Romanos 8:14).

Até mesmo a operação de milagres não é prova de que um homem tem fé salvadora. A ênfase naquilo que fazemos em nome de Cristo não deve obscurecer a necessidade de um relacionamento genuíno com o próprio Cristo — "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17:3).

Vejamos alguns exemplos na Bíblia que comprovam que realizar “obras maravilhosas” em nome de Cristo não garante a salvação:

Balaão, embora fosse um profeta que recebeu revelações de Deus, agiu por ganância e foi posteriormente condenado — "Tendo abandonado o reto caminho, desviaram-se e seguiram pelo caminho de Balaão, filho de Beor, que amou o pagamento pela injustiça. Mas ele foi repreendido pela sua transgressão: um animal de carga mudo, falando com voz humana, refreou a insensatez do profeta" (2 Pedro 2:15,16).

Caifás, o sumo sacerdote que profetizou que Jesus morreria pela nação, falou uma verdade espiritual sem sequer compreender seu real significado — "Mas um deles, Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vocês não sabem nada, nem entendem que é melhor para vocês que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação. Ora, Caifás não disse isto por conta própria, mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação” (João 11:49–51). Ainda assim, foi cúmplice na crucificação do Messias.

Os apóstolos, incluindo Judas Iscariotes, realizaram milagres, curas e expulsaram demônios — "Tendo Jesus convocado os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios e para curar doenças" (Lucas 9:1). Judas recebeu poder e autoridade sobre todos os demônios, mas ainda assim, traiu Jesus e se perdeu.

Os setenta discípulos também voltaram alegres dizendo que até os demônios se submetiam a eles em nome de Jesus — "Senhor, em seu nome os próprios demônios se submetem a nós!" (Lucas 10:17). Mas Jesus os advertiu: "... alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, e sim porque o nome de cada um de vocês está registrado no céu" (Lucas 10:20), revelando que o verdadeiro motivo de alegria não são as obras, mas a salvação.

Os judeus exorcistas, especialmente os filhos de Ceva, tentaram expulsar demônios usando o nome de Jesus sem o conhecerem de fato — "Os que faziam isto eram sete filhos de um judeu chamado Ceva, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno lhes respondeu: Conheço Jesus e sei quem é Paulo; mas vocês, quem são? E o possuído do espírito maligno saltou sobre eles, dominando a todos e, de tal modo prevaleceu contra eles, que, nus e feridos, fugiram daquela casa" (Atos 19:14-16). Foram envergonhados e atacados pelo espírito maligno, demonstrando que o uso do nome de Jesus sem relacionamento com Ele é inútil.

Esses exemplos mostram claramente que operar sinais e milagres ou até mesmo falar verdades espirituais não é garantia de salvação. O que importa é ser conhecido por Cristo — "... se alguém ama a Deus, esse é conhecido por ele" (1 Coríntios 8:3).

3) Em terceiro e último lugar, confrontemo-nos com a terrível declaração: "Nunca vos conheci"

Cristo, o juiz, declara abertamente nunca ter tido amor ou afeição por aqueles que, apesar de suas obras em Seu nome, praticavam a iniquidade. Essa iniquidade pode residir em fazer a obra do Senhor enganosamente, pregando a si mesmos e buscando seus próprios interesses — "Evitem praticar as suas obras de justiça diante dos outros para serem vistos por eles" (Mateus 6:1,2) evidencia que a intenção do coração não pode ser mascarada por obras superficiais.

A ausência da presença de Cristo é o próprio inferno, demonstrando que sem um relacionamento genuíno com Ele, não há verdadeira luz ou vida — "Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha" (Mateus 12:30) reforça o perigo da separação espiritual.

O teste final não são as aparências externas ou os feitos realizados, mas sim a realidade íntima do coração e a genuína busca pela justiça e santidade — "...o Senhor não vê como o ser humano vê. O ser humano vê o exterior, porém o Senhor vê o coração" (1 Samuel 16:7).

John Wesley, parafraseando sobre o verso 23, diz: “nunca houve um tempo que eu o aprovasse; por mais que eles tenham salvado tantas almas, eles próprios nunca foram salvos de seus pecados. Senhor, é o meu caso?”.

John Gill explica que o "conhecer" de Cristo implica afeição e aprovação. Ele também oferece uma interpretação do talmud da frase "Eu nunca te conheci" como significando que Cristo não os admitiria em Sua presença e glória. Gill ainda contextualiza a "iniquidade" praticada por essas pessoas não necessariamente como pecados abertos, mas como fazer a obra do Senhor enganosamente, buscando seus próprios interesses em vez da glória de Cristo.

Aplicação 

• Não confiar apenas na profissão verbal de fé: Meramente chamar Jesus de "Senhor, Senhor" não garante a salvação. É essencial que essa declaração seja acompanhada de um amor sincero por Cristo e uma fé verdadeira nele. Como Paulo esclarece, ninguém pode dizer "Senhor Jesus", senão pelo Espírito Santo. Não podemos confiar na nossa ortodoxia se não há ortopraxia!

• Examinar a motivação por trás do serviço cristão: Mesmo aqueles que pregam, expulsam demônios ou realizam milagres em nome de Cristo podem ser excluídos do reino dos céus se seus motivos forem impuros, buscando agradar aos homens, engrandecer a si mesmos ou promover seus próprios interesses em vez da glória de Cristo. A ênfase deve estar no próprio Cristo e no que Ele fez, e não apenas no que nós fazemos em Seu nome. Pregadores devem ser fieis dispensadores da palavra, buscando a glória de Deus e não a sua própria.

• Desconfiar de evidências superficiais de salvação: Não devemos nos iludir com o fervor emocional ou com a realização de obras impressionantes como garantia de salvação. O fervor pode ser meramente carnal. O poder de realizar milagres ou expulsar demônios pode ser concedido mesmo àqueles que não têm uma fé genuína. O próprio Judas Iscariotes tinha poder para expulsar demônios, mas se perdeu. Devemos alegrar-nos não pelos resultados aparentes, mas por termos o nosso nome escrito nos céus.

• Buscar genuína retidão e santidade: A verdadeira fé em Cristo se manifesta em fazer a vontade do Pai, o que implica uma vida de obediência evangélica e busca por santidade. Coisa alguma tem valor diante de Deus, exceto a verdadeira retidão. Qualquer coisa diferente disso, será como um “Senhor, Senhor!”. Se a nossa ideia de justificação pela fé não incluir a busca pela santificação, então não é o ensino bíblico.

• Aplicar testes de caráter e natureza interior: Em vez de focar apenas nas aparências externas, devemos examinar o caráter interior, buscando os sinais distintivos de um verdadeiro crente, como humildade, mansidão e fome e sede de justiça, conforme ensinado no Sermão do Monte.

• Reconhecer o perigo do autoengano: A auto decepção sobre a nossa salvação geralmente ocorre quando dependemos de falsas evidências. É crucial enfrentar honestamente essa verdade e buscar em Cristo a verdadeira fome e sede de justiça. No dia do juízo, haverá muitas surpresas, com pessoas que foram louvadas neste mundo sendo excluídas do reino.

09 abril 2025

[Opinião] A IPB, confessionalidade e o cuidado com espantalhos

Por Ewerton B. Tokashiki 

Quando você ouvir ou ler um pastor ou qualquer oficial da IPB Ihe advertindo sobre "colocar a nossa confessionalidade acima do evangelho", lembre-se que no capítulo I "Natureza, Governo e fins lgreja", o artigo 1º. declara que "a lgreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamentos e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e exerce o seu governo por meio de concílios e indivíduos, regularmente instalados"[1].

Não colocamos a nossa confessionalidade acima das Escrituras. Bem como não desprezamos os nossos Padrões de Fé por crer somente nas Escrituras, pois aceitamos que a CFW e os Catecismos Breve e Maior é o "sistema expositivo de doutrina e prática" fielmente extraídos da Bíblia. Apesar da limitação cognitiva ou mera desonestidade de alguns não entenderem isso.

Espera-se e exige-se fidelidade bíblica e honestidade confessional para ser um oficial presbiteriano. Sejamos honradamente, sem espantalhos e sem mentiras, sejamos fiéis em nossos votos e em nossa palavra. A Palavra de Deus nos adverte que "não mintam uns aos outros, uma vez que vocês se despiram da velha natureza com as suas práticas e se revestiram da nova natureza que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que a criou."(Cl 3.9-10). Que o SENHOR Deus nos preserve em seu temor e santidade.


Fonte: Instagram


31 março 2025

O Arrependimento para a Vida

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XV. Do Arrependimento Para a Vida 


Seção I. O arrependimento para a vida é uma graça evangélica, doutrina esta que deve ser pregada por todo ministro do Evangelho, tanto quanto a da fé em Cristo. 

II. Movido pelo reconhecimento e sentimento não só do perigo, mas também da impureza e odiosidade de seus pecados como contrários à santa natureza e justa lei de Deus e apreendendo a misericórdia divina manifestada em Cristo aos que são penitentes, o pecador, pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados que, deixando-os, volta-se para Deus, tencionando e procurando andar com ele em todos os caminhos de seus mandamentos.



A doutrina do arrependimento ocupa um lugar central na teologia cristã, sendo inseparável da fé e essencial para a salvação. As duas primeiras seções do capítulo 15 da Confissão de Fé de Westminster nos oferece uma rica compreensão sobre o "arrependimento para a vida", abordando sua natureza evangélica, a necessidade de sua pregação, a experiência subjetiva do pecador e suas implicações para a vida cristã.

1. A Natureza Evangélica e a Necessidade da Pregação do Arrependimento

O Arrependimento como Graça Evangélica. O texto inicia declarando que "O arrependimento para a vida é uma graça evangélica". Esta afirmação destaca a origem divina do arrependimento. Ele não é meramente um ato da vontade humana, mas sim um dom de Deus, concedido por sua graça. O profeta Zacarias, em Zc 12.10, profetiza o derramamento de um espírito de graça e súplicas que levará o povo a lamentar aquele a quem traspassaram. De modo semelhante, em Atos 11.18, após Pedro relatar a conversão dos gentios, a igreja reconhece que "Deus concedeu também aos gentios o arrependimento para a vida". Portanto, o arrependimento que conduz à salvação é uma obra da graça divina no coração do pecador.

O Mandato da Pregação do Arrependimento. A CFW prossegue afirmando que esta é uma "doutrina esta que deve ser pregada por todo ministro do Evangelho, tanto quanto a da fé em Cristo". Esta ênfase na pregação do arrependimento demonstra sua inseparabilidade da mensagem do Evangelho. Jesus Cristo, em suas instruções finais aos discípulos, ordenou que "em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém" (Lc 24.47). Da mesma forma, o precursor de Cristo, João Batista, e o próprio Jesus iniciaram seus ministérios conclamando ao "arrependimento e [à] crença no evangelho" (Mc 1.15). O apóstolo Paulo, resumindo sua missão, declara ter testemunhado "tanto a judeus como aos gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus [Cristo]" (At 20.21). A Escritura consistentemente associa o arrependimento e a fé como respostas necessárias à proclamação do Evangelho, sendo ambos indispensáveis para a salvação.

2. A Gênese do Arrependimento no Pecador

Reconhecimento do Perigo, Impureza e Odiosidade do Pecado. A Confissão descreve o pecador movido por "reconhecimento e sentimento não só do perigo, mas também da impureza e odiosidade de seus pecados como contrários à santa natureza e justa lei de Deus". Em Romanos 7.12 ficamos sabendo que “...a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom". O verdadeiro arrependimento inicia-se com a convicção do pecado e suas consequências diante de um Deus que é Santo, conforme Salmos 51.3-4: "Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mau diante dos teus olhos". O pecador passa a compreender a transgressão não apenas como uma falha pessoal, mas como uma afronta direta à natureza divina e à sua lei santa e justa, como vemos em Isaías 59.2: "Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus, e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça". Esta percepção da gravidade do pecado é essencial para um genuíno arrependimento (Atos 3.19). A pregação da lei de Deus tem um papel importante em trazer esta convicção. Observe o raciocínio de Paulo em Romanos 3.20: "Porquanto, pelas obras da lei, nenhum ser humano será justificado diante dele; porque pela lei vem o conhecimento do pecado".

Apreensão da Misericórdia Divina em Cristo. O texto continua mencionando que o pecador é movido por "apreendendo a misericórdia divina manifestada em Cristo aos que são penitentes". Em Efésios 2.4-5 lemos: "Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo — pela graça sois salvos". A compreensão da misericórdia de Deus, revelada plenamente em Jesus Cristo, é um elemento crucial que impulsiona o pecador ao arrependimento, como podemos notar em Romanos 2.4: "Ou desprezas tu as riquezas da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus te leva ao arrependimento?". A salvação não é alcançada por mérito próprio, mas pela graça divina oferecida àqueles que se voltam para Deus em contrição, como diz Efésios 2.8-9: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie". A obra redentora de Cristo é o fundamento da esperança de perdão e reconciliação para o pecador arrependido e vemos isso em Colossenses 1.13-14: "Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, em quem temos a redenção, a remissão dos pecados".

3. A Experiência e a Ação do Verdadeiro Arrependimento

Sentimento e Aborrecimento do Pecado. Agora podemos detalhar a experiência do pecador arrependido: "o pecador, pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados". Este sentimento de tristeza e horror pelo pecado é descrito em diversas passagens bíblicas. Em Salmos 51.4, Davi expressa sua contrição: "Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau aos teus olhos". O apóstolo Paulo distingue entre a "tristeza segundo Deus [que] produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte" (2Co 7.10). O verdadeiro arrependimento envolve uma profunda tristeza pelo pecado em si, e não apenas por suas consequências.

O Abandono do Pecado e o Retorno a Deus. A Confissão prossegue afirmando que o pecador arrependido "deixando-os, volta-se para Deus". O arrependimento genuíno não é apenas um sentimento, mas uma mudança de direção, um abandonar o pecado e voltar-se para Deus. O profeta Ezequiel exorta: "Convertei-vos e desviai-vos de todas as vossas transgressões, para que a iniquidade não vos seja tropeço. Lançai de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes e fazei-vos um coração novo e um espírito novo; pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel?" (Ez 18.30-31). Em Ezequiel 36.31, o Senhor declara: "Então, vos lembrareis dos vossos maus caminhos e dos vossos feitos que não foram bons; e tereis nojo de vós mesmos, por causa das vossas iniquidades e das vossas abominações". Isaías incentiva ao abandono dos ídolos: "E terás por contaminadas as coberturas de tuas esculturas de prata, e o revestimento das tuas esculturas fundidas de ouro; e as lançarás fora como um pano imundo, e dirás a cada uma delas: Fora daqui" (Is 30.22). O salmista clama: "Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável" (Sl 51.10). Jeremias descreve o arrependimento de Efraim: "Na verdade, depois que me converti, arrependi-me; depois que fui instruído, bati no peito; fiquei envergonhado, confuso, porque levei o opróbrio da minha mocidade. Far-me-ei eu, porventura, um filho precioso? Ou um filho das delícias? Pois, depois que falei contra ele, ainda me lembro dele solicitamente; por isso, o meu íntimo se comove por ele; certamente dele me compadecerei, diz o SENHOR" (Jr 31.19-20). Joel exorta: "Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, e com jejum, e com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus; porque ele é misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em benignidade e se arrepende do mal" (Jl 2.12-13). Amós exorta: "Aborrecei o mal e amai o bem, e estabelecei o juízo na porta; talvez o SENHOR Deus dos Exércitos tenha piedade do resto de José" (Am 5.15). O salmista declara: "Por isso, abomino todo caminho de falsidade" (Sl 119.128). E Paulo descreve os efeitos do arrependimento genuíno: "Porque eis aqui o mesmo cuidado que tivestes, segundo Deus, quanta solicitude vos produziu, quanta defesa, quanta indignação, quanto temor, quanto desejo ardente, quanto zelo e quanta vingança! Em tudo provastes que estáveis limpos neste negócio" (2Co 7.11). Estas passagens ensinam a profundidade da mudança que ocorre no verdadeiro arrependimento, envolvendo tanto o abandono do pecado quanto um retorno sincero a Deus.

Intenção e Esforço para Viver em Obediência. Finalmente, o texto afirma que o pecador arrependido, ao voltar-se para Deus, o faz "tencionando e procurando andar com ele em todos os caminhos de seus mandamentos". O arrependimento genuíno não se limita ao passado, mas projeta-se para o futuro, manifestando-se no desejo e no esforço para viver em obediência à vontade de Deus. O salmista expressa este desejo: "Então, não serei envergonhado, quando observar todos os teus mandamentos" (Sl 119.6) e declara: "Considerei os meus caminhos e voltei os meus pés para os teus testemunhos. Apresso-me e não me demoro em guardar os teus mandamentos... Jurei e firmei que guardarei os teus justos juízos" (Sl 119.59-60, 106). Zacarias e Isabel são apresentados como exemplos de pessoas que "andavam irrepreensivelmente em todos os mandamentos e preceitos do Senhor" (Lc 1.6). O rei Josias é elogiado por ter se voltado ao Senhor "com todo o seu coração, e com toda a sua alma, e com toda a sua força, conforme toda a Lei de Moisés" (2Rs 23.25). O verdadeiro arrependimento se manifesta em uma vida transformada, caracterizada pela busca constante em agradar a Deus em todas as áreas. Este processo de santificação é uma consequência natural do arrependimento e da fé.

4. Implicações Teológicas e Práticas

A Centralidade do Arrependimento na Salvação. O texto analisado, em consonância com diversas passagens bíblicas, enfatiza a necessidade do arrependimento para a salvação. Embora a salvação seja um dom gratuito de Deus recebido pela fé, o arrependimento é a resposta do coração convicto do pecado que se volta para a misericórdia divina em Cristo. Sem este reconhecimento da própria pecaminosidade e a consequente mudança de mente e direção, a fé salvífica não se manifesta plenamente.

O Arrependimento como um Processo Contínuo. Embora o texto se concentre na conversão inicial, a ideia de "arrependimento para a vida" sugere que o arrependimento não é um evento único, mas uma disposição contínua do crente ao longo de sua vida cristã. Os crentes continuam a pecar e, portanto, necessitam de um arrependimento constante, reconhecendo suas falhas, buscando o perdão e renovando seu compromisso de obediência a Deus. A oração diária por perdão, como ensinado por Jesus em Mateus 6.12, reflete esta necessidade contínua de arrependimento.

Distinção entre Tristeza Mundana e Tristeza Segundo Deus. A referência a 2 Coríntios 7.10 sublinha a importância de distinguir entre um remorso superficial pelas consequências do pecado e a profunda tristeza segundo Deus que conduz ao verdadeiro arrependimento. A tristeza mundana pode levar ao desespero, enquanto a tristeza segundo Deus opera uma transformação genuína no coração e na vida do pecador, produzindo frutos de arrependimento.

Conclusão

O texto da Confissão de Fé de Westminster oferece uma descrição concisa e profunda do "arrependimento para a vida", ancorada em sólidas bases bíblicas. Ele destaca que o arrependimento é uma graça divina, essencial para a salvação e intrinsecamente ligado à fé em Cristo. Sua gênese reside no reconhecimento da gravidade do pecado e na apreensão da misericórdia de Deus em Jesus. O verdadeiro arrependimento se manifesta em um profundo sentimento de contrição, no abandono do pecado e em um sincero desejo e esforço para viver em obediência aos mandamentos de Deus. Esta doutrina fundamental não apenas molda a experiência da conversão inicial, mas também informa a jornada contínua do crente, caracterizada por um coração contrito e uma busca constante pela santidade. A pregação fiel desta doutrina, juntamente com a da fé, permanece um imperativo para todo ministro do Evangelho, visando a transformação genuína de vidas para a glória de Deus.


28 março 2025

[Opinião] Pedro, Paulo e Francisco

Por Augustus Nicodemus 

A análise da vida e do legado de Pedro e Paulo, em comparação com o papado contemporâneo, evidencia profundas divergências entre a eclesiologia bíblica e a estrutura hierárquica da Igreja de Roma.

Pedro, conforme suas próprias palavras em 2Pedro 1.12-15, mostra-se preocupado em deixar aos cristãos não um sucessor institucional, mas uma memória fiel da verdade por meio das Escrituras. A ênfase está na permanência da doutrina, não na criação de um ofício perpétuo. A autoridade apostólica, em sua concepção, é transmitida por meio da Palavra escrita e não por meio de uma cadeia de sucessores.

Paulo, igualmente, compreendia seu ministério como um chamado direto de Cristo. Ele rejeitava qualquer tentativa de centralização ou culto à personalidade, como se vê em 1Coríntios 1.10-17. Sua preocupação era com a pureza do evangelho e a edificação de igrejas locais governadas por presbíteros, não por uma figura singular e suprema. O apóstolo apontava constantemente para Cristo como cabeça da Igreja (Ef 1.22-23), não para si mesmo nem para outro homem.

A figura do papa, mesmo quando revestida de gestos simbólicos de humildade, como a escolha do nome Francisco, permanece inserida em uma estrutura incompatível com o padrão apostólico. A autoridade papal, com pretensões de infalibilidade e jurisdição universal, não encontra fundamento no Novo Testamento. O modelo apostólico é descentralizado, pastoral, fundamentado na suficiência das Escrituras e na liderança de Cristo.

A crítica ao papado, portanto, não se dirige apenas ao indivíduo que ocupa a posição, mas à própria noção de uma autoridade eclesiástica suprema sobre a Igreja de Cristo. A sucessão legítima não é episcopal, mas doutrinária. Os apóstolos legaram à Igreja as Escrituras como fundamento permanente da fé. O papado, ao postular uma autoridade paralela à da Palavra, compromete a centralidade de Cristo e enfraquece a doutrina da suficiência das Escrituras.

Em contraste com o sistema romano, a Igreja fiel deve recuperar a simplicidade e a pureza do modelo neotestamentário: uma comunidade edificada sobre o ensino dos apóstolos, preservado nas Escrituras, com Cristo como único cabeça e pastor supremo.


26 março 2025

[Opinião] Semana da Páscoa

Por Augustus Nicodemus 

A Semana Santa frequentemente se converte num espetáculo de simbolismos vazios, onde rituais repetitivos como a Via-Sacra obscurecem a clareza do evangelho. A centralidade da cruz de Cristo — seu sacrifício vicário e ressurreição gloriosa — é ofuscada por tradições que muitas vezes carecem de base bíblica e fomentam uma espiritualidade teatral. Em vez de conduzir ao arrependimento genuíno, muitos desses atos apenas reforçam uma piedade emocional, mas desprovida da verdade transformadora do evangelho (João 8:32). 

A verdadeira Páscoa, no entanto, não celebra dor encenada, mas redenção eficaz. “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado” (1 Coríntios 5:7) — esta é a realidade que molda a fé cristã. Ele não apenas sofreu; Ele venceu a morte com poder (1 Coríntios 15:55-57). A cruz não é um objeto a ser venerado em rituais dramáticos, mas a proclamação de que a justiça de Deus foi satisfeita (Romanos 3:25-26). O Cristo ressurreto exige resposta de fé obediente, e não mera participação em liturgias sazonais. A Escritura nos chama a anunciar “a morte do Senhor até que Ele venha” (1 Coríntios 11:26), não a encená-la como um espetáculo.



20 março 2025

A Fé Salvadora

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XIV. Da Fé Salvadora 

Na seção I do capítulo 14, temos o seguinte:

Seção I. A graça da fé, por meio da qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação da sua alma, é obra que o Espírito de Cristo faz no coração deles, e é ordinariamente operada pelo ministério da Palavra; por esse ministério, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e fortalecida.


O parágrafo que inicia a Seção I do Capítulo 14 introduz o conceito da fé salvadora dentro da teologia reformada. Esta doutrina é apresentada primariamente como uma graça, um dom soberano de Deus operado no coração dos eleitos pelo Espírito de Cristo, habilitando-os a crer para a salvação. Essa fé, essencial para a apropriação da salvação, é ordinariamente produzida e fortalecida através do ministério da Palavra, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, constituindo os meios de graça instituídos por Deus para comunicar as bênçãos da redenção ao seu povo. A exposição desta doutrina estabelece a fé salvadora como uma obra divina e um elemento central na soteriologia reformada.

1. A Natureza da Fé Salvadora como Graça e Sua Finalidade

O texto inicia caracterizando a fé salvadora como uma "graça da fé". Este ponto é crucial, pois denota que a capacidade de crer para a salvação não é inerente ao ser humano decaído, mas sim um dom divino. A fé, portanto, não se origina da vontade ou capacidade humana, mas é uma concessão graciosa de Deus (Filipenses 1:29). Como afirmado em Efésios 2.8, a salvação é pela graça, “por meio da fé, e isto não provém de nós, mas é dom de Deus”.

A finalidade desta graça da fé é explicitamente declarada: "para a salvação da sua alma" (1 Pedro 1:9). A fé, portanto, é o instrumento pelo qual os eleitos são habilitados a alcançar a salvação eterna (Efésios 2:8-9). Hebreus 10:39 contrasta aqueles que retrocedem para a perdição com aqueles que são da fé para a conservação da alma. Desta forma, a fé se apresenta como o meio divinamente ordenado para a apropriação dos benefícios da redenção em Cristo (Romanos 5:1-2).

2. A Origem Divina da Fé: Obra do Espírito de Cristo no Coração dos Eleitos

A CFW enfatiza que esta graça da fé é "obra que o Espírito de Cristo faz no coração deles". Esta afirmação sublinha a iniciativa divina na concessão da fé salvadora. O Espírito Santo, agindo em união com Cristo, é o agente eficaz que opera a fé no íntimo dos eleitos (João 6:63). 2 Coríntios 4.13 alude a este mesmo espírito de fé. Efésios 1.17-20 e Efésios 2.8, novamente, reforçam a ideia de que a fé é resultado do poder de Deus operando nos crentes.

Esta operação do Espírito não implica uma passividade completa do indivíduo, mas sim uma capacitação sobrenatural que inclina o coração a crer (Filipenses 2:13). A fé é, simultaneamente, um ato humano de confiança e aquiescência, e uma obra divina de capacitação (Efésios 3:16-17). Como bem aponta François Turretini, a operação interior da graça é essencial para que os homens recebam o evangelho (confirmar com João 6:44).

A fé, portanto, não é meramente um assentimento intelectual a certas verdades, mas uma obra do Espírito que transforma o coração e capacita o indivíduo a confiar em Cristo para a salvação (Romanos 10:10). Como afirma Herman Bavinck, o Espírito Santo aplica os benefícios adquiridos por Cristo aos crentes (confirmar com Tito 3:5-6).

3. O Meio Ordinário da Fé: O Ministério da Palavra

O texto da Confissão prossegue declarando que a fé é "ordinariamente operada pelo ministério da Palavra". Esta afirmação destaca o papel central da pregação e do ensino da Palavra de Deus como o meio primário pelo qual o Espírito Santo desperta e nutre a fé (1 Coríntios 1:21). Romanos 10.14,17 são clássicos neste ponto, afirmando que a fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo.

A Palavra de Deus, contida nas Escrituras do Antigo e Novo Testamento, é a única regra para nos dirigir na maneira de glorificar a Deus e de nos alegrarmos nele (Salmos 119:105). Ela é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a educação na justiça (2 Timóteo 3:16-17). O ministério da Palavra, portanto, é o instrumento escolhido por Deus para comunicar a verdade que gera a fé (Romanos 10:14).

A igreja, como depositária e arauto dos oráculos de Deus, tem a responsabilidade de apresentar e promulgar a Palavra (1 Timóteo 3:15). A pregação do evangelho é o meio ordenado por Deus para congregar a sua igreja e conduzir os eleitos à comunhão com Cristo (1 Coríntios 1:21).

4. O Aumento e Fortalecimento da Fé: Ministério da Palavra, Sacramentos e Oração

Finalmente, a CFW aponta que a fé é "aumentada e fortalecida por esse ministério [da Palavra], bem como pela administração dos sacramentos e pela oração" (Atos 6:4). A fé, uma vez implantada, não é estática, mas dinâmica, capaz de crescimento e fortalecimento através dos meios de graça providos por Deus (Colossenses 2:6,7).

Ministério da Palavra 

Assim como a Palavra é o meio ordinário para a operação inicial da fé, ela continua sendo essencial para o seu crescimento. A leitura e, especialmente, a pregação da Palavra são meios eficazes para edificar os crentes em santidade e conforto, por meio da fé para a salvação. 1 Pedro 2.2 exorta os crentes a desejarem ardentemente o genuíno leite espiritual para que, por ele, lhes seja dado crescimento para a salvação. Atos 20.32 declara que a palavra da graça de Deus tem poder para edificar e dar herança entre os santificados.

Administração dos Sacramentos

Os sacramentos, como sinais e selos da aliança da graça, também servem como meios de fortalecimento da fé (Romanos 6:3-4). Embora não originem a obra da graça no coração do pecador, pressupõem a presença da fé e aumentam a sua eficácia (Mateus 26:26-28). A participação na Ceia do Senhor, por exemplo, visa a uma comunhão cada vez mais íntima com Cristo, nutrição e vivificação espiritual, e crescente segurança da salvação (João 6:53-58).

Oração

A oração, como comunicação direta com Deus, é outro meio pelo qual a fé é aumentada e fortalecida (Filipenses 4:6-7). Através da oração, os crentes buscam a Deus, reconhecem sua dependência dele e recebem as bênçãos necessárias para o seu crescimento espiritual (Tiago 1:5). Lucas 17.5 registra o pedido dos apóstolos a Jesus: "Aumenta-nos a fé!". Romanos 4.11 associa a fé à justiça obtida pela graça de Deus.

Estes meios de graça atuam em conjunto, sob a operação do Espírito Santo, para nutrir e fortalecer a fé dos crentes ao longo de sua jornada cristã.

Conclusão

A Confissão oferece uma síntese concisa e profunda sobre a fé salvadora. Ela é apresentada, primeiramente, como um dom da graça divina, essencial para a salvação da alma. Em segundo lugar, sua origem é atribuída à obra eficaz do Espírito de Cristo no coração dos eleitos, evidenciando a iniciativa soberana de Deus na salvação. Terceiro, o ministério da Palavra é estabelecido como o meio ordinário pelo qual o Espírito opera a fé, ressaltando a importância da pregação e do ensino bíblico. Por fim, o crescimento e o fortalecimento da fé são vinculados ao contínuo ministério da Palavra, à administração dos sacramentos e à prática da oração, delineando os caminhos pelos quais os crentes são edificados na fé até a consumação da salvação.

A compreensão destes aspectos é fundamental para a vida cristã, pois direciona o olhar para a dependência da graça divina, valoriza o papel central das Escrituras e dos meios de graça instituídos por Deus, e incentiva a busca constante por um crescimento na fé que conduz à salvação eterna.


11 março 2025

A Santificação e a luta contra a Carne

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XIII. Da Santificação 

Na seção II e III do capítulo 13, temos o seguinte: 

Seção II. Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda subsiste em todas as partes dele restos da corrupção, e daí nasce uma guerra contínua e irreconciliável – a carne lutando contra o Espírito, e o Espírito contra a carne.

Seção III. Nesta guerra, embora prevaleçam por algum tempo as corrupções que restam, contudo, pelo contínuo socorro da eficácia do santificador Espírito de Cristo, a parte regenerada do homem novo vence, e assim os santos crescem em graça, aperfeiçoando a sua santidade no temor de Deus.


Na teologia reformada, a santificação é entendida como um processo gradual e contínuo, impulsionado pela obra do Espírito Santo. Após a regeneração, o Espírito Santo infunde novos dons, qualidades e hábitos na vontade do crente, capacitando-o a produzir frutos de boas ações.

A Imperfeição da Santificação e a Luta Interna

A santificação, embora abranja o ser humano por completo, é um processo imperfeito nesta vida terrena (Filipenses 3:12). A persistência de resquícios de corrupção em cada parte do indivíduo regenerado resulta em uma contínua e irreconciliável guerra interior (Romanos 7:23). Essa batalha se manifesta na oposição entre a carne e o Espírito, uma luta constante entre os desejos da natureza pecaminosa e a influência do Espírito Santo. Em Gálatas 5:16-17, ele exorta os crentes a andar no Espírito para não satisfazerem os desejos da carne, pois a carne milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne. Essa oposição impede que os crentes façam o que querem.

A Vitória da Graça e o Crescimento na Santidade

Apesar da persistência da corrupção e da intensidade da luta interna, a graça divina se manifesta de forma triunfante (Romanos 5:20). Pelo contínuo auxílio do Espírito Santo, a parte regenerada do novo homem prevalece sobre as corrupções remanescentes (Romanos 8:13). Essa vitória progressiva capacita os santos a crescerem em graça, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus (2 Coríntios 7:1).

A vitória da graça e o crescimento na santidade podem ser compreendidos através dos seguintes aspectos:

Ação Contínua do Espírito Santo

A vitória sobre a corrupção remanescente e o crescimento na santidade são resultados diretos do contínuo auxílio do Espírito Santo (Gálatas 5:16). É o Espírito quem capacita os crentes a resistirem aos desejos da carne e a produzirem frutos de justiça (Gálatas 5:22-23). O Espírito Santo é o agente santificador, transformando progressivamente o crente à imagem de Cristo (2 Coríntios 3:18).

Cooperação Humana

Embora a santificação seja primariamente uma obra de Deus, ela também envolve a cooperação humana (Filipenses 2:12-13). Os crentes são chamados a se esforçarem na busca pela santidade, utilizando os meios de graça que Deus disponibiliza (Hebreus 12:14). Isso inclui a leitura e meditação na Bíblia (Salmos 1:2), a oração (1 Tessalonicenses 5:17), a adoração (João 4:24), o testemunho (Mateus 5:16), a prática de atos de misericórdia e justiça (Miquéias 6:8), a comunhão cristã (Hebreus 10:25) e a autodisciplina (1 Coríntios 9:27).

Transformação Integral

A santificação afeta a pessoa como um todo, purificando-a de tudo o que contamina o corpo e o espírito (2 Coríntios 7:1). Ela não se limita a uma mera mudança de comportamento, mas envolve uma renovação da mente, das emoções e da vontade (Romanos 12:2). O objetivo final da santificação é a conformidade com a imagem de Cristo, tornando os crentes cada vez mais semelhantes a Ele em pensamento, palavra e ação (Romanos 8:29).

Processo Gradual e Contínuo

A santificação não é um evento único e instantâneo, mas um processo gradual e contínuo que se estende ao longo da vida do crente (Provérbios 4:18). Embora possa haver momentos de progresso e retrocesso, a direção geral da vida do crente deve ser de crescimento constante na graça e no conhecimento de Cristo (2 Pedro 3:18).

Aperfeiçoamento Progressivo

Paulo fala sobre a necessidade de esquecer o passado e avançar em direção ao alvo, buscando a perfeição (Filipenses 3:13-14). Embora a perfeição completa não seja alcançável nesta vida, os crentes devem se esforçar continuamente para aperfeiçoar a santidade no temor de Deus (2 Coríntios 7:1). Isso envolve uma busca constante pela pureza de coração (Mateus 5:8), pela prática da justiça (1 João 3:7) e pela obediência aos mandamentos de Deus (João 14:15).

Alegria e Paz

A santificação traz consigo grande alegria e paz (Gálatas 5:22). Quanto mais os crentes crescem em semelhança a Cristo, mais experimentam a alegria e a paz que são frutos do Espírito Santo (Romanos 14:17). A santificação também os aproxima da verdadeira felicidade e da plenitude de vida que Deus oferece: “...eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (João 10:10).

Meios de Graça

Os meios de graça desempenham um papel fundamental no processo de santificação. A Palavra de Deus, os sacramentos (batismo e Ceia do Senhor) e a oração são instrumentos pelos quais o Espírito Santo comunica a graça divina e transforma os crentes à imagem de Cristo (Efésios 5:26; 1 Coríntios 11:23-26; Efésios 6:18). O uso diligente desses meios capacita os crentes a crescerem em santidade e a experimentarem a plenitude da vida cristã (Colossenses 3:16).

A Graça Imediata e a Ação Interna de Deus

A eficácia da graça divina na santificação é demonstrada pela corrupção humana (Efésios 2:1-5). A visão espiritual da fé e a revelação da doutrina na Palavra só são possíveis mediante a restauração da faculdade corrompida (1 Coríntios 2:14). Deus opera nos corações dos homens por um poder interno e oculto, gerando não apenas revelações genuínas, mas também a boa vontade (Filipenses 2:13).

As Escrituras atribuem a Deus uma ação interna na conversão do homem (João 6:44). Ele efetua tanto o querer quanto o realizar, cumprindo todo propósito de bondade e obra de fé (2 Tessalonicenses 1:11) e operando o que é agradável diante dEle (Hebreus 13:21).

Implicações para a Vida Cristã

A doutrina da santificação tem implicações importantes para a conduta da vida cristã. Ela enfatiza a necessidade de buscar a reconciliação com Deus e a incorporação em sua comunhão (2 Coríntios 5:18). A ordem da salvação, ou ordo salutis, busca responder à questão de como o pecador obtém os benefícios da graça adquirida por Cristo (Efésios 2:8-9).

A vida interior do povo de Deus, até o fim de seu curso neste mundo, é uma repetição da conversão (Mateus 18:3). É um contínuo voltar-se para Deus, uma constante renovação de confissão, arrependimento e fé (1 João 1:9; Atos 3:19), um morrer para o pecado e um viver para a justiça (Romanos 6:11).

Conclusão

A Confissão de Fé de Westminster oferece uma síntese clara dessa doutrina, guiando os crentes na busca pela santidade. A santificação é um processo contínuo e dinâmico, iniciado na regeneração e estendido por toda a vida do crente, transformando o crente à imagem de Cristo e capacitando-o a viver para a glória de Deus. Embora não alcance perfeição nesta vida, o crente, capacitado pela graça de Deus, luta contra o pecado e busca a conformidade com a imagem de Cristo. A fé, como meio de apropriação da graça divina, é evidenciada por boas obras que refletem uma transformação interior operada pelo Espírito Santo. Esse processo envolve uma constante batalha espiritual, onde o crente se esforça para mortificar as obras da carne e viver em obediência a Deus. A compreensão da santificação requer uma interpretação cuidadosa das Escrituras, destacando a centralidade da graça divina e a importância da obediência.


09 fevereiro 2025

A Doutrina da Adoção

Estudo proferido na EBD da Igreja Presbiteriana do Ibura. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo XII. Da Adoção 

Na seção I do capítulo 12, temos o seguinte: 

Seção I. A todos os que são justificados, Deus se digna fazer participantes da graça da adoção em e por seu único Filho, Jesus Cristo. Por essa graça, eles são recebidos no número e gozam a liberdade e privilégios dos filhos de Deus, têm sobre si o nome dele, recebem o Espírito de adoção, têm acesso, com ousadia, ao trono da graça e são habilitados a clamar: “Abba, Pai”; são tratados com piedade, protegidos, providos e corrigidos por ele, como por um pai; nunca, porém, abandonados, mas selados para o dia da redenção e recebem as promessas como herdeiros da eterna salvação. 

A adoção é um ato da livre graça de Deus, pelo qual os que são justificados são recebidos na família de Deus, desfrutando dos privilégios e da herança como filhos. Este ato é realizado por meio de Jesus Cristo.

1. Natureza da Adoção

Adoção como um Ato de Graça (Efésios 1:5). A adoção não é um direito, mas um ato gracioso de Deus (Romanos 9:16). Ela é concedida aos que são justificados, ou seja, aqueles que foram declarados justos por meio da fé em Cristo (Gálatas 4:4-5). A adoção é uma consequência da justiça de Cristo, que concede não apenas o perdão dos pecados, mas também o direito à vida eterna. A adoção é um ato de vontade graciosa de Deus. Romanos 8:15 afirma: "Porque vós não recebestes o espírito de escravidão, para, outra vez, vos tornardes ao temor, mas recebestes o Espírito de filiação, pelo qual clamamos: Aba, Pai!". Observe o apóstolo Paulo mostrando que, através da obra redentora e justa de Cristo, os crentes passam a ter o privilégio de se relacionar com Deus como filhos, desfrutando não só do perdão dos pecados, mas também da promessa da vida eterna.

Adoção em e “por meio de Cristo”. Efésios 1:5 mostra que a adoção é possível através de Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus. A filiação dos crentes é análoga à filiação de Cristo, embora a dele seja por natureza, e a dos crentes, por adoção. Cristo, ao se sujeitar à lei, redimiu os crentes da escravidão para que pudessem receber a adoção. A passagem de Gálatas 4:4-5 enfatiza que, mesmo estando sujeito à lei, Cristo assumiu a condição humana para redimir os que estavam cativos do pecado, abrindo-lhes o caminho para serem adotados como filhos de Deus.

Distinção entre adoção e outros benefícios. Embora a adoção esteja ligada à justificação e à regeneração, ela é distinta desses privilégios. Deus poderia ter perdoado os pecados e concedido o direito legal de permanecer diante dEle sem, contudo, tornar os crentes Seus filhos. Igualmente, Ele poderia ter vivificado espiritualmente sem torná-los membros de Sua família. No entanto, a adoção enfatiza o relacionamento pessoal com Deus. Atente para o que diz João 1:12: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome". Essa passagem ressalta que a filiação divina não se resume a um benefício jurídico ou ao perdão, mas envolve uma transformação relacional profunda, conferindo aos crentes o status de filhos de Deus (ver 1 João 3:1 e Gálatas 4:7).

2. Privilégios da Adoção

Recepção na família de Deus. Através da adoção, os crentes são recebidos no número dos filhos de Deus, passando de estranhos e estrangeiros para membros da família de Deus. Eles desfrutam da liberdade e dos privilégios que pertencem aos filhos (Efésios 2:19; Gálatas 4:7).

Carregam o nome de Deus. Os adotados têm o nome de Deus sobre si, indicando que agora pertencem a Ele e são reconhecidos como parte de Sua família. Efésios 1:13-14 fala de um selo do Espírito Santo da promessa e podemos dizer que este selo do Espírito Santo sobre os crentes pode ser interpretado como a marca distintiva que indica que o nome de Deus repousa sobre eles, simbolizando o seu pertencimento à família divina. Já Apocalipse 3:5 garante que o nome do vencedor nunca será apagado do livro da vida e reforça o reconhecimento eterno de que ele pertence à família de Deus.

Recebimento do Espírito de Adoção. Os crentes recebem o Espírito de adoção, o que lhes permite ter a certeza de que são filhos de Deus. O Espírito Santo testifica com o espírito dos crentes que eles são filhos de Deus, permitindo-lhes clamar "Abba, Pai" (Romanos 8:15-16). O Espírito Santo também sela os crentes para o dia da redenção. Voltemos para o texto de Efésios 1:13-14: "Nele, também, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e nele também crestes, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até à redenção daqueles que Deus nos reservou para louvor da sua glória". Este selo do Espírito Santo não só confirma a filiação divina, mas também serve como garantia da herança futura dos crentes, assegurando sua redenção final e eterna.

Acesso ao Trono da Graça. Os filhos de Deus têm acesso direto e ousado ao trono da graça, podendo se aproximar de Deus com confiança para receber misericórdia e encontrar graça para auxílio em tempo de necessidade (Hebreus 4:16). O véu do santuário foi rasgado, simbolizando o acesso direto a Deus. É o que encontramos em Mateus 27:51: "E eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo; a terra tremeu, e as pedras se dividiram". O rasgar do véu, ocorrido no momento da morte de Cristo, simboliza o fim das barreiras que separavam o homem da presença de Deus. Por meio da obra redentora de Jesus, os crentes passaram a ter acesso direto ao Pai, sem a necessidade de intermediários.

Tratamento como Filhos. Deus trata os crentes com piedade, como um pai cuida de seus filhos (Salmos 103:13). Ele os protege (Isaías 41:10), provê as suas necessidades (Filipenses 4:19) e os corrige quando necessário, visando sempre o seu bem (Provérbios 3:11-12; Hebreus 12:11). A disciplina de Deus não é uma punição, mas uma correção para o crescimento e edificação do caráter.

Herança da Salvação. Os crentes são herdeiros das promessas de Deus e co-herdeiros com Cristo, aguardando a eterna salvação (Romanos 8:17; Hebreus 9:28). Eles herdarão o reino de Deus, pois todos os que são adotados como filhos de Deus são vencedores e herdeiros do reino (Mateus 25:34; Apocalipse 21:7). A herança inclui todos os bens de Deus, tanto da graça quanto da glória (Efésios 1:18).

Liberdade. A adoção traz liberdade cristã, que não é uma licença para viver segundo os próprios prazeres, não se trata de permissividade (Gálatas 5:13), mas a libertação do pecado (Romanos 6:22), de Satanás (Colossenses 1:13) e da lei (Gálatas 4:5). Os crentes não são mais escravos sob a lei, mas filhos que obedecem a Deus por amor (Gálatas 4:7; João 14:15).

3. Implicações da Adoção

Relacionamento com Deus. A adoção estabelece um relacionamento pessoal e íntimo com Deus (João 1:12), em que Ele é o Pai amoroso e os crentes são seus filhos amados (1 João 3:1; Romanos 8:15). Os crentes são conduzidos pelo Espírito de Deus e têm um relacionamento de confiança com Ele (Romanos 8:14; Hebreus 10:22).

Relacionamento com outros crentes. A adoção faz com que os crentes se tornem parte de uma grande família (Efésios 2:19), tendo irmãos e irmãs em Cristo trazendo novos laços familiares, com outros crentes (Mateus 12:50). Eles têm novos relacionamentos horizontais (Romanos 12:10), além do relacionamento vertical com Deus (1 João 1:3).

Certeza e Segurança. A adoção concede aos crentes a certeza de que são filhos de Deus (Romanos 8:16), selados pelo Espírito Santo (Efésios 1:13). Eles têm a segurança da proteção e do cuidado paternal de Deus (Salmos 91:1-2; 1 Pedro 5:7). Eles podem confiar que não serão abandonados (Deuteronômio 31:8; Salmos 40:1-10; 56:3-4; 62:5-8; 125:1; Romanos 8:31-39; 10:11; 1 Pedro 5:6-7; Hebreus 13:5-6; 2 Tessalonicenses 3:3-4; 5:23-24; 2 Timóteo 1:12; 1 João 5:14-15; Mateus 28:20; João 14 e 17).

Esperança: A adoção também envolve a esperança da plena manifestação da filiação na ressurreição (1 João 3:2; Romanos 8:23), quando os crentes receberão a totalidade da herança. A esperança da adoção é a ressurreição dos corpos (Hebreus 6:19).

Conclusão

A adoção é um privilégio extraordinário concedido por Deus aos que creem em Jesus Cristo, que, uma vez concedido, garante uma segurança eterna. Ela confere aos crentes um novo status, uma nova identidade e um novo relacionamento com Deus, transformando-os em membros de Sua família, herdeiros de Sua promessa, uma herança que é guardada no céu, e participantes de Seus privilégios. A doutrina da perseverança dos santos, que é baseada na doutrina da adoção, assegura que, uma vez adotados, os crentes são mantidos na fé pelo poder de Deus e perseverarão até o fim, pois a adoção não é um mero status legal, mas uma união indissolúvel com Cristo, selada pelo Espírito Santo para o dia da redenção.

Essa segurança eterna decorrente da adoção, é que garante a perseverança dos santos, trazendo grande conforto e confiança aos crentes. Eles têm a certeza de que, uma vez recebidos na família de Deus, não serão abandonados e participarão plenamente da herança celestial. A adoção, portanto, não é, de novo digo, apenas uma mudança de status, mas uma transformação completa e permanente em seu relacionamento com Deus, garantindo a eles uma vida eterna. A perseverança dos santos é, então, a garantia da fidelidade de Deus em manter sua promessa de adoção, assegurando que aqueles que são adotados por Ele permanecerão em seu amor e cuidado para sempre. 


21 janeiro 2025

[Exposição] A Parábola do Filho Pródigo | Lucas 15:11-32

A parábola do filho pródigo, encontrada em Lucas 15:11-32, é uma das mais ricas narrativas bíblicas, abordando temas como arrependimento, perdão, misericórdia, influência do mundanismo e a natureza do pecado. A parábola apresenta um pai com dois filhos, onde o filho mais novo pede sua parte da herança, sai de casa e a desperdiça, enquanto o mais velho permanece ao lado do pai, trabalhando para ele.

A parábola pode ser utilizada como uma ilustração da condição humana e da influência da cultura mundana na vida das pessoas. A análise desta história destaca como a cultura pode seduzir e afastar os indivíduos dos princípios e valores estabelecidos, levando-os a caminhos de sofrimento e desilusão. O estudo desta parábola revela pontos cruciais para a compreensão da relação entre o indivíduo, a cultura e a busca pela restauração.

1. A Sedução da Cultura e o Afastamento do Lar (Lucas 15:11-13)

O filho mais novo, movido pelo desejo de viver segundo sua própria vontade, pede ao pai a parte da herança que lhe cabe. Esse ato demonstra um anseio por independência e uma busca por satisfação pessoal, que o leva a se afastar da autoridade e da presença do pai. O filho, acreditando que estava perdendo o melhor da vida por estar na casa do pai, optou por deixar o conforto e a segurança da casa de seu pai para viver de acordo com seus próprios desejos e prazeres.

O pai, embora possa se sentir ofendido, atende ao pedido do filho e divide seus bens entre eles. Essa atitude revela a liberdade que Deus concede ao ser humano, permitindo que ele siga seu próprio caminho, mesmo que esse caminho o leve para longe dEle.

Em seguida, o filho mais novo junta tudo o que é seu e parte para uma terra distante, onde vive de forma dissoluta e desperdiça todos os seus bens. É como se ele tivesse dito: “Pai, permita que eu viva como quiser e possa fazer o que considerar bom”. Esse desejo de fazer o que lhe agrada é a origem de todos os males e inconveniências do mundo, pois as pessoas se recusam a viver de acordo com a vontade de Deus.

Chamo a atenção para um detalhe que poucos percebem: na parábola, não foi o diabo quem causou a partida do filho pródigo, mas sim a sedução da cultura. Satanás não aparece em nenhum momento nessa história. O próprio jovem queria partir, pegar o dinheiro, correr e viver a vida ao máximo. Por quê? Em contradição com o governo da casa de seu pai, a atração pela cultura e tudo o que ela tinha a oferecer seduziu o filho a se afastar. O filho deixou sua casa para aproveitar e gastar seu dinheiro em tudo o que a cultura podia lhe oferecer. O filho não conhecia a diferença entre liberdade e libertinagem até que deixou o pai, "desperdiçou seus bens vivendo dissolutamente" (em festas) e, em seguida, se viu sozinho, sem recursos, trabalhando em um chiqueiro, passando fome.

Essa decisão do filho mais novo é vista como uma busca por liberdade, mas que, na verdade, se transforma em libertinagem. O filho deseja viver "a sua plenitude", mas, ao se afastar do governo da casa de seu pai, ele se entrega aos prazeres mundanos oferecidos pela cultura, que se mostram vazios, vãos e insípidos.

Essa busca por satisfação pessoal, fora do contexto dos princípios estabelecidos, leva o filho a desperdiçar seus bens em festas e a se encontrar sozinho e sem recursos. Esse ponto ressalta como a cultura, com suas atrações e promessas de felicidade, pode desviar o indivíduo de seu verdadeiro propósito e levá-lo à ruína.

2. O Sofrimento do Filho Pródigo (Lucas 15:14-19)

Após dissipar todos os seus bens, o filho pródigo enfrenta uma grande fome na região e começa a passar necessidades. A experiência da miséria e da fome o leva a trabalhar como guardador de porcos, uma ocupação considerada degradante para um judeu. Essa situação ilustra as consequências do pecado e do afastamento de Deus, onde o prazer inicial se transforma em vazio e sofrimento. Quando os chamados “amigos” não estão disponíveis nos momentos difíceis, e o melhor que se pode encontrar para comer é uma vagem de alfarroba, você está apenas existindo, não vivendo.

Diante de tamanha adversidade, o filho pródigo "caiu em si" e reconheceu a insensatez de suas escolhas. O sofrimento, a fome e a proximidade da morte por inanição levam o filho a "voltar em si" e reconhecer sua condição miserável. Ele lembra que, na casa de seu pai, até os trabalhadores têm pão com fartura, enquanto ele está à beira da morte por fome. Erasmo de Roterdã afirma que é esse "sofrimento feliz" que obriga uma pessoa a voltar a si, sendo o primeiro passo para a salvação.

O filho decide, então, retornar para casa e pedir perdão ao pai, reconhecendo que não é mais digno de ser chamado filho. William Cowper afirma que o arrependimento segue o curso contrário do pecado. O arrependimento segue o curso contrário do que as pessoas fazem quando estão em pecado. Desse modo, Crisóstomo cita as ações dos sábios magos, que quando foram para casa tomaram um caminho diferente daquele que usaram para chegar ao campo (Mateus 2:1-12).

Podemos observar em todas as pessoas arrependidas que elas voltam para o Senhor de outra maneira e não da mesma forma que o deixaram. Como disse William Cowper: “Se vocês se afastarem do Senhor com raiva ou ódio, voltem para ele com humildade e amor. Se vocês pecaram com falta de moderação, voltem controlados. Se pecaram com cobiça, tirando de outras pessoas o que não deveriam, façam a restituição como Zaqueu”. O filho se humilha e decide confessar o seu pecado, um reconhecimento essencial para a restauração do relacionamento com o pai.

3. O Retorno do Filho e a Reação do Filho Mais Velho (Lucas 15:20-32)

O pai, vendo o filho ainda longe, corre ao seu encontro, abraça-o e o beija. Este gesto demonstra o amor incondicional e a misericórdia de Deus, que perdoa completamente os pecados daqueles que se arrependem. O pai não espera que o filho complete sua confissão, mas o recebe com alegria e afeto.

O retorno do filho à casa do pai é descrito como um momento de graça e restauração. O pai o recebe com alegria, demonstra seu amor e perdão, e o restaura à sua posição familiar. Esse acolhimento simboliza a misericórdia divina, que está sempre disponível para aqueles que se arrependem e retornam ao lar.

O pai ordena que seus servos tragam as melhores vestes, um anel e sandálias para o filho, símbolos de sua restauração e aceitação na família. Além disso, mandou matar o novilho cevado para celebrar o retorno do filho que estava morto e reviveu, perdido e foi achado. Obadiah Sedgwick ressalta que, enquanto o filho pensa em seus pecados, o pai pensa na misericórdia e na compaixão.

O filho mais velho, que estava no campo, ao ouvir a música e as danças, fica indignado e se recusa a entrar em casa. Sua reação revela inveja e ressentimento, mostrando que seu serviço ao pai era motivado por obrigação, não por amor genuíno. Ele não consegue se alegrar com a restauração do irmão, evidenciando sua falta de compaixão e humildade.

O pai, em vez de repreender o filho mais velho, sai ao seu encontro para persuadi-lo a entrar e participar da celebração. O pai reafirma que tudo o que é dele também é do filho mais velho. João Calvino argumenta que não há motivo para o filho mais velho se irar, pois nada lhe é tirado quando Deus recebe um pecador de volta.

O pai explica que era necessário celebrar a volta do filho que estava morto e reviveu, perdido e foi achado. Essa explicação finaliza a parábola, enfatizando a importância da alegria e da celebração do arrependimento e da restauração, além de convidar o filho mais velho a abandonar a sua atitude de auto-justiça e a participar da alegria do Pai.

4. A Cultura do Cristianismo como Contraponto à Cultura Mundana

O relato do filho pródigo que saiu da casa do pai para se entregar aos prazeres mundanos, por causa da influência de uma cultura individualista, egocêntrica e irresponsável não é um caso isolado. Na Bíblia há muitos exemplos negativos do povo de Deus desejando ser igual ao mundo.

Os anciãos de Israel, ao pedirem um rei, demonstraram que desejavam ser semelhantes às nações ao seu redor, em vez de seguir o modelo único que Deus havia estabelecido para eles. Eles queriam um rei que os liderasse em batalhas e governasse como os outros reinos. Isso é evidenciado em 1 Samuel 8:5: “Tu já estás idoso, e teus filhos não andam em teus caminhos; escolhe agora um rei para que nos lidere, à semelhança das outras nações”. A motivação por trás desse pedido era o desejo de se conformar com as práticas das outras nações, em vez de confiar na liderança divina.

Um outro exemplo notável desse padrão é encontrado na história do rei Roboão, filho de Salomão, que optou por seguir o conselho dos seus jovens amigos que eram da mesma idade, ou seja, imaturos e inexperientes, em vez do conselho dos anciãos de Israel (2 Crônicas 10). O rei Roboão nos ensina que nem todo conselho é válido, mesmo que venha de pessoas próximas ou de nossa confiança. Precisamos buscar orientação de pessoas sábias, experientes e espiritualmente fundamentadas.

E o que dizer de Sansão? A história de Sansão é um exemplo de como as influências externas e os desejos pessoais podem levar à queda de um servo de Deus. Casou-se com uma estrangeira (Juízes 14) e teve um caso com uma prostituta e logo em seguida teve mais outro caso, desta vez com Dalila, a responsável por sua queda (capítulo 16). Apesar de seu chamado e dons, Sansão não conseguiu viver de acordo com o propósito de Deus para sua vida (Juízes 13 a 16).

Podemos utilizar a parábola do filho pródigo para diferenciar a cultura mundana com a cultura do cristianismo. A parábola ensina que, ao nascer de novo espiritualmente, o indivíduo renasce dentro da cultura do cristianismo, que oferece um padrão de vida mais elevado do que o da cultura natural.

Como cristãos, devemos criticar a cultura atual, que promove a imoralidade, a falta de respeito à autoridade, a desobediência aos pais e a irresponsabilidade pessoal. Os cristãos devem resistir à sedução da cultura mundana e viver de acordo com os princípios da fé.

Conclusão

A análise da parábola do filho pródigo destaca a importância de reconhecer a má influência de uma cultura mundanizada na vida das pessoas. A parábola, vista sob essa perspectiva, não é apenas uma história sobre um filho que se perde e retorna, mas também uma ilustração da luta entre a cultura mundana e a cultura do cristianismo. A cultura do mundo, com suas promessas e seduções, pode afastar os indivíduos de Deus e de seus princípios. No entanto, ressaltamos a importância do arrependimento e da restauração, oferecidos pela graça divina, que permite aos indivíduos retornarem ao "lar do Pai", superando as armadilhas da cultura mundana.